Teoria

O que “Oppenheimer” ensina sobre a física das bombas nucleares? Entenda

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Marcelo Lapola – Filme de Christopher Nolan tem despertado curiosidade sobre as armas nucleares. O físico Marcelo Lapola explica por que elas têm um terrível poder devastador.

Como se sabe, o cientista foi o chefe do Projeto Manhattan, que reuniu milhares de cientistas e outros colaboradores dos Estados Unidos para construção e teste da primeira bomba atômica, entre os anos de 1942 a 1945. O longa reacendeu o interesse a respeito do uso da física nuclear na construção de bombas.

Basicamente, são duas as categorias de bombas construídas para liberar a energia (enorme!) dos núcleos atômicos: as bombas nucleares, que são as bombas de fissão nuclear, e as bombas de fusão nuclear, as conhecidas bombas H.

As bombas nucleares e de hidrogênio são armas extremamente poderosas e complexas que operam com base em princípios fundamentais da física nuclear. Ambas são armas termonucleares, ou seja, usam reações nucleares para liberar uma quantidade colossal de energia.

Vamos explorar a física por trás dessas armas devastadoras.

Bombas nucleares

As bombas nucleares tradicionais, também conhecidas como bombas de fissão, utilizam o processo de fissão nuclear para liberar energia. Esse processo é baseado na divisão do núcleo de átomos pesados, como urânio-235 ou plutônio-239, em dois ou mais fragmentos menores, liberando energia na forma de radiação, calor e uma quantidade significativa de nêutrons livres.

O princípio de funcionamento de uma bomba nuclear é a implosão. Inicialmente, há duas partes de material físsil, cada uma abaixo do limite crítico, incapazes de manter uma reação nuclear em cadeia sustentável.

A detonação é iniciada por um explosivo convencional, como TNT, que, ao explodir, comprime o material físsil de forma rápida e violenta, aumentando sua densidade e, assim, permitindo uma reação nuclear em cadeia efetiva.

Com base em imagens reais produzidas durante a montagem da bomba Trinity, a primeira a ser construída e testada, o diretor Christopher Nolan reconstruiu no filme Oppenheimer as cenas, mostrando a esfera de material físsil no centro e as cunhas esféricas sendo encaixadas ao redor.

Nessas cunhas, havia materiais responsáveis pela implosão que iriam comprimir a pequena esfera no centro, fazendo o material radioativo atingir sua massa crítica. Em seguida, um detonador fonte de nêutrons é disparado para dentro do material, iniciando a reação em cadeia descontrolada. O resultado é uma explosão extremamente poderosa, liberando uma onda de choque destrutiva e uma grande quantidade de radiação ionizante.

O impacto devastador de uma bomba nuclear é resultado direto da conversão de uma pequena quantidade de massa em energia, de acordo com a famosa equação de Einstein, E=mc², onde E é a energia, m a massa e c a velocidade da luz (cerca de 300 mil quilômetros por segundo).

Bombas de hidrogênio (Bomba H)

As bombas de hidrogênio, também conhecidas como bombas termonucleares, são a “evolução” das bombas nucleares tradicionais e operam com base em um processo de fusão nuclear — a mesma reação que ocorre no interior do Sol, com liberação gigantesca de energia.

A fusão nuclear ocorre quando dois núcleos leves, geralmente átomos de hidrogênio isotópico (deutério e trítio), se combinam para formar um núcleo mais pesado, liberando uma quantidade imensa de energia no processo. A reação de fusão é tão poderosa que é o processo que alimenta as estrelas, incluindo o Sol. Porém, para ocorrer na Terra, é necessário atingir condições extremas de temperatura e pressão.

Portanto, uma bomba H usa uma bomba nuclear convencional (bomba de fissão) como uma espécie de “gatilho”. A explosão da bomba de fissão gera calor e pressão suficientes para comprimir e aquecer o material de fusão, iniciando assim a reação de fusão termonuclear.

A combinação da energia liberada pela reação de fissão e a reação de fusão resulta em uma explosão muito mais poderosa do que a de uma bomba nuclear tradicional. De fato, a maioria das armas nucleares modernas são bombas termonucleares, devido a sua eficiência e capacidade de liberação de energia.

Como construir uma bomba

A princípio, é muito fácil: basta obter uma massa crítica de material radioativo, sentar e assistir à reação nuclear descontrolada. Mas, ainda bem, o mais difícil é obter o tal material radioativo.

Não se pode fazer uma bomba nuclear sem material físsil. E para uma bomba termonuclear média, o material necessário é urânio ou plutônio enriquecido. Encontramos na natureza o urânio, um metal pesado natural, como urânio 238 ou 235. Numa amostra natural de urânio há apenas 0,72% de urânio 235. O processo de enriquecimento é realizado para separar e aumentar a concentração de urânio 235, a fim de que seja usado na fissão.

Tanto o urânio 238 quanto o 235 são radioativos e decairão em outros elementos com o tempo, mas só o último pode ser dividido à força quando nêutrons são disparados contra ele. Essa é a base de uma bomba nuclear, assim como de uma usina nuclear para gerar energia que será convertida em energia elétrica, com as reações altamente controladas.

Mas o urânio natural consiste predominantemente no isótopo 238, que rebate qualquer nêutron que o atinja — inútil então para uma bomba. Para isso, o urânio natural precisa ser tratado e, assim, concentrar o isótopo 235 dentro dele.

Quando um nêutron atinge o núcleo de um átomo de urânio 235, esse núcleo se torna incrivelmente instável com esse nêutron a mais e se parte em dois núcleos, geralmente de Criptônio 92 e Bário 141, além de liberar outros nêutrons que irão colidir com outros núcleos de urânio e dar início a uma reação em cadeia propositalmente descontrolada no caso da bomba.

Em síntese, quando o núcleo do átomo se desfaz, ele emite energia e mais nêutrons, que podem dividir outros átomos. E o processo de enriquecimento não é muito simples. Para cada 25 mil toneladas de minério de urânio, apenas 50 toneladas de metal são produzidas. Menos de 1% disso é urânio 235. Nenhum método de extração padrão separará os dois isótopos porque eles são quimicamente idênticos.

O que fazem, então, é uma reação do urânio com flúor, aquecido até se tornar um gás. Depois, ele é centrifugado através de milhares de finas barreiras porosas. Isso separa parcialmente o urânio em dois tipos: um é urânio 235, é chamado de “enriquecido”, e o resto é o controverso urânio “empobrecido” usado para fabricar armas convencionais.

Para fazer um reator nuclear, o urânio precisa ser enriquecido de forma que 20% dele seja urânio 235. No caso de bombas nucleares, esse número precisa ser mais próximo de 80% ou 90%. Com cerca de 50 kg desse urânio enriquecido, a massa é crítica, e se tem uma bomba. Qualquer coisa a menos e a reação em cadeia não causaria uma explosão.

Plutônio

Outro material muito usado é o plutônio, que produz armas mais leves e podem ser montadas como ogivas de mísseis. Ele é produzido como subproduto em reatores nucleares e apenas cerca de 10 kg são necessários para uma bomba.

Isso é o equivalente ao resíduo da produção de energia de um ano em uma usina nuclear. Mas é preciso um altíssimo investimento no reprocessamento para extrair o plutônio do lixo nuclear produzido por uma usina de energia.

A bomba explodirá assim que a massa crítica de urânio ou plutônio for reunida. Então, para começar (e não explodir nas mãos de seus donos), a bomba precisa manter o metal separado em duas ou mais partes. Quando a arma está posicionada e pronta para explodir, essas massas subcríticas são reunidas e jogadas juntas, e isso pode ser feito com explosivos convencionais.

A triste devastação causada por elas foi conhecida no dia 6 de agosto de 1945, quando a primeira bomba foi jogada sobre a cidade de Hiroshima e, três dias depois, sobre Nagasaki, ambas no Japão, deixando um rastro de destruição e mais de 140 mil mortos.

Nuvem de cogumelo formada pela bomba atômica de Nagasaki, no Japão, em 9 de agosto de 1945. — Foto: Charles Levy/U.S. National Archives and Records Administration

Nuvem de cogumelo formada pela bomba atômica de Nagasaki, no Japão, em 9 de agosto de 1945

Terminava aí a Segunda Guerra Mundial e se iniciava outra, a Guerra Fria, com os Estados Unidos e aliados de um lado e a extinta União Soviética (URSS) do outro. Uma corrida armamentista começava, e um dos reflexos disso é que 90% do arsenal nuclear atualmente está nas mãos dos EUA e da Rússia. O restante se divide entre Reino Unido, China, França, Índia, Israel, Coreia do Norte e Paquistão.

A física por trás das bombas nucleares e de hidrogênio é um lembrete assustador do potencial destrutivo da humanidade. A disseminação irresponsável dessas armas representa uma ameaça constante à paz mundial.

Não à toa, quando viu o poder destrutivo de sua criação, Oppenheimer citou um conhecido trecho do poema indiano Mahabharata: “Agora eu sou a morte, a destruidora de mundos”.

Fonte da matéria: O que “Oppenheimer” ensina sobre a física das bombas nucleares? Entenda | Quânticas | Galileu – https://revistagalileu.globo.com/colunistas/quanticas/coluna/2023/08/o-que-oppenheimer-ensina-sobre-a-fisica-das-bombas-nucleares-entenda.ghtml

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