Economia

Financismo e bancos públicos

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Paulo Kliass – A se levar em conta as intenções expressas do comando da economia de Bolsonaro para os bancos públicos, a única certeza que permanece refere-se ao profundo risco que a sociedade brasileira continua a atravessar.

O primeiro dia da segunda semana do governo do capitão e de seus generais representou uma declaração de guerra do povo do financismo contra o nosso sistema dos bancos públicos federais. Ao contrário de todo o tipo de bateção de cabeça que se verificou nas definições das demais áreas da equipe de Bolsonaro, aqui nesse campo parece que o jogo é mais profissional e coordenado.

No decorrer da segunda-feira, 7 de janeiro de 2019, o que se viu foi um longo desfilar de cerimônias simbólicas e declarações de autoridades recém empossadas em seus cargos estratégicos na área econômica da administração pública federal. Em todos os momentos, o discurso uníssono gravitava em torno do espancamento do Estado, algo semelhante às cenas de malhação de Judas no sábado de Aleluia, durante o período pascal.

O superministro da economia oferecia ao pessoal do sistema financeiro privado aquilo que era por esses agentes tão ansiosamente esperado: declarações firmes a respeito da ampliação das benesses e prebendas àqueles que nada realizam em termos de produção real, mas que permanecem com a maior fatia do bolo gerado na riqueza nacional. À medida que o setor público perde espaço e atribuições, tais atividades são rapidamente absorvidas pelo capital privado.

O detalhe é que se tratava de eventos onde estavam sendo nomeados os dirigentes máximos dos principais bancos públicos da União. Ou seja, em tese, momentos em que nada havia de interesse direto com os espaços privados do financismo. Só que não! Na verdade, os novos presidentes das mais importantes instituições financeiras do País estavam afirmando – todos, em alto e bom tom – que o Estado era seu principal adversário. Ou seja, assumiam sem nenhum subterfúgio que sua missão, a partir de então, era a de manter sequência no processo de desmonte da participação pública no conjunto do sistema financeiro brasileiro.

Recados de Paulo Guedes

Paulo Guedes não poupou palavras em sua crítica à presença do Estado em nosso sistema bancário e de financiamento. Afinal, ela sempre havia defendido que as instituições bancárias governamentais fossem privatizadas de forma completa, aberta e explícita. Na impossibilidade política de levar a cabo seu projeto liberaloide extremado, o auto assumido como um integrante da banda dos “Chicago oldies” lança mão de um Plano B. Trata-se da estratégia de estrangular os bancos públicos por dentro, a partir de decisões da administração direta e das direções nomeadas para os mesmos. Morte por esquartejamento, asfixia e inanição. Segundo ele,

“Quando o credito é estatizado, sobra menos ao resto do Brasil, e os juros são absurdos. É esse tipo de distorção que essa equipe vai tentar eliminar. Essa é a filosofia do presidente. (…) Crédito também foi estatizado e sofreu intervenções danosas para o país”

Sua fala ocorria no momento em que dava posse aos principais responsáveis pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pelo Banco do Brasil (BB) e pela Caixa Econômica Federal (CEF). Ora, não deveria haver surpresa alguma com o que ele acusa de forma mentirosa e covarde de ser uma repentina e inesperada “estatização do crédito”. Afinal, em toda a sua vida como agente do financismo privado, ele fez vultosos negócios e ganhou fortunas exatamente com um modelo em que esses 3 bancos sempre foram os mais importantes no conjunto do sistema financeiro. E creditar a vigência de juros altos em nossa sociedade à presença de bancos públicos no sistema é um atentado à inteligência dos leitores.

Só que agora, a partir de sua fala, fica evidente que o financismo não está mais contente apenas com essas relações promíscuas desde sempre mantidas com as instituições públicas. O desejo revelado passa a ser o da incorporação definitiva do patrimônio desses gigantes do sistema de crédito ao setor privado, tornando desnecessária a conhecida terceirização da gestão de seus interesses a partir dos dirigentes capturados no topo da máquina pública. É como se dissessem: “Chega de intermediação! Agora nós mesmo cuidamos diretamente desse negócio!”

Para o comando do BNDES, Guedes escolheu a dedo. Convocou Joaquim Levy para a missão desmonte. Economista liberal e conservador, ele tem uma longa lista de serviços prestados ao financismo, por dentro e por fora do Estado brasileiro. A ironia da História é que o último posto ocupado por Levy na Esplanada foi o de Ministro da Fazenda, no início do segundo mandato de Dilma Roussef. Havia sido nomeado por ela para iniciar a política de austericídio, na consumação do triste episódio do estelionato eleitoral.

BNDES, CEF e BB: rumo ao privado

Segundo Levy, haveria uma distorção na origem da composição dos valores que o BNDES apresenta em seu patrimônio. Isso porque há recursos públicos no banco público. Ora, qual a contradição? No entanto, há que se recordar que esse montante está ali justamente para que a instituição tenha condições de oferecer à sociedade brasileira aquilo que constitui sua missão precípua: financiar o desenvolvimento social e econômico, oferecer crédito de longo prazo a custo reduzido.

“Precisamos adequar o nosso balanço que hoje depende em uma proporção exagerada, embora menos do que há quatro anos, dos recursos do Tesouro. E tem que ser adequado para que se tenha o adequado retorno para a população”

E assim, ele se vale de um jogo de palavras e de manipulação contábil para fugir do ponto fulcral. O BNDES é um banco público do governo federal. Assim, ele sempre terá algum tipo de participação do Tesouro Nacional em sua composição. Nada mais natural: está em sua origem, em seu DNA institucional. Na verdade, Levy faz esse contorcionismo todo para fundamentar sua missão mais relevante: terminar a “devolução” de mais de R$ 200 bilhões que o banco havia recebido do Tesouro para financiar o desenvolvimento. Ou seja, pretende esmagar a instituição financeira para que o caixa central do governo apresente um resultado fiscal menos problemático aos olhos do financismo internacional. A eterna preocupação em gerar superávit primário a qualquer custo. Um verdadeiro vale tudo contra a economia brasileira.

Na direção da CEF, a operação é ainda mais descarada. O presidente escolhido, Pedro Guimarães, tem vasta experiência com operações de privatização no mercado financeiro. Além disso, ele vem a ser genro do executivo da construtora OAS, Leo Pinheiro – o responsável pela delação premiada do polêmico caso do tríplex no Guarujá, no processo contra o ex presidente Lula.. E ele já anuncia, logo de cara, o fim das facilidades para um segmento importante, que inclusive ofereceu apoio eleitoral ao então candidato Bolsonaro. Seria um tiro no pé? Veremos mais à frente, com as reações que vierem a se expressar. De acordo com ele,

“Quem é de classe média tem de pagar mais, ou vai buscar no Santander, Bradesco e Itaú. Na Caixa, vai pagar juro maior do que MCMV certamente, e vai ser juros de mercado. A Caixa vai respeitar acima de tudo mercado, lei da oferta e da demanda”

A estratégia do novo presidente, de há muito conhecida, provavelmente passará pela desqualificação de parte das operações desenvolvidas pela empresa pública, lançando mão da chamada “política de desinvestimento”. Traduzindo para o português, isso significa promover a privatização de áreas e setores que não estejam diretamente relacionadas à política habitacional. Na prática, trata-se de caminho que reduz a dimensão da CEF no conjunto do setor financeiro e que abre ainda mais espaço para a acumulação do capital privado. Não por acaso, ele já faz propaganda e marketing gratuitos para os 3 principais conglomerados privados em sua fala. Como exemplo, Guimarães já adiantou a participação acionária da instituição em outros empreendimentos, além das atividades oferecidas pela Caixa Seguridade.

Já no caso do Banco do Brasil, a posse foi mais discreta, menos espalhafatosa. O escolhido foi Rubem Novaes, outra pessoa de estreita confiança de Paulo Guedes. A exemplo de seu chefe, também fez seu doutorado em economia na Universidade de Chicago e foi professor na FGV. Talvez por ter um passado de direção em áreas públicas, ele foi menos ousado em suas primeiras palavras. Afinal, ele já foi presidente do SEBRAE e diretor do próprio BNDES.

Nas palavras de Novaes, a nova administração do banco será “eficiente, transparente e honrada”. Ele foi cauteloso na avaliação da capacidade funcional da empresa e disse que, durante a transição, teve a oportunidade de conhecer funcionários e dirigentes da instituição e sua avaliação é que contará com uma equipe “extremamente eficiente”.  Por outro lado, disse que não havia uma nenhuma encomenda específica de Guedes, pois “não tem um recado direto para o BB”. Apesar de reconhecer que “abrir empresa para o mercado de capitais é positivo sempre”, Novaes não adiantou nada a respeito da especulação de abertura acionaria da BB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários.

A se levar em conta as intenções expressas do comando da economia de Bolsonaro para os bancos públicos, a única certeza que permanece refere-se ao profundo risco que a sociedade brasileira continua a atravessar. Trata-se de um governo que pretende privatizar esse importante segmento do sistema financeiro e que ainda permanece em mãos do Estado brasileiro. Abrir mão do comando de instituições como esses 3 bancos públicos significa renunciar de uma vez por todos à possibilidade de que o protagonismo do Estado seja reativado em algum momento. Seja para colaborar na superação da crise atual, seja para contribuir no desenho de um verdadeiro projeto de desenvolvimento econômico e social de médio e longo prazos.

Afinal, todos sabemos que o discurso da suposta maior eficiência das leis de mercado para esse tipo de tarefa é conversa para boi dormir. Basta ver o histórico da contribuição de nossa banca particular para o financiamento de projetos sociais e estratégicos do País ao longo do tempo. O balanço é nulo! Banco privado por aqui sempre quis ganhar dinheiro e ponto final. De preferência, em grande escala e sem nenhum risco nem custo.

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