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STF e o debate brasileiro sobre aborto

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Teresa Cristina – No último 22 de setembro, em uma espécie de “último ato” antes da aposentadoria compulsória, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber pautou o tema e deixou o seu voto favorável à discriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O julgamento em específico não significa a legalização do aborto, mas impede que as brasileiras que fizerem o procedimento sejam presas ou processadas.

Não apenas educação sexual para decidir, mas para descobrir; que os contraceptivos não sejam usados apenas para que não se tenha que abortar, mas para desfrutar do sexo; e que o aborto não exista apenas para não morrer, mas para decidir.

Verónica Gago

É simbólico e expressivo o ressurgimento do assunto nesse contexto, dado o Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe, celebrado no dia 28 de setembro, e o fato de ter sido uma mulher a levantar a pauta — em tempos de debate sobre a necessidade da indicação de uma mulher negra para o STF.

Atualmente, no Brasil, o aborto só é permitido em caso de gravidez decorrente de estupro, risco para a vida da gestante e anencefalia do feto. O que se apresenta nessa conjuntura é o que Silvia Federici afirma em Calibã e a bruxa: a privação pelo Estado da condição fundamental de integridade física e psicológica das mulheres e o rebaixamento da maternidade enquanto trabalho forçado, confinando-as à atividade reprodutiva.

Para Federici, a criminalização do controle das mulheres sobre o próprio corpo deve ser enfatizada do ponto de vista dos efeitos sobre elas — os riscos, a estigmatização, o medo, a angústia, entre tantos outros pontos —, mas também pelas consequências na organização capitalista do trabalho. Isto é, o Estado recorre à regulação e à coerção da decisão sobre a reprodução visando expandir ou reduzir a força de trabalho. As mulheres são reduzidas a meras fabricantes de trabalhadores e, por isso, não devem ter o poder de decidir sobre onde, quando ou quantas crianças devem nascer. É uma alienação profunda de seus corpos, de seu “trabalho” e até mesmo de seus filhos.

Sabemos, porém, que a criminalização não impede que os abortos sejam praticados no país. O que a proibição faz é aumentar consideravelmente os riscos à saúde e à vida das mulheres, sobretudo das mulheres pobres e negras. Elas têm 46% maior probabilidade de recorrerem ao procedimento do que mulheres brancas — dado da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), de 2021 — e menos acesso a formas seguras de interrupção de gravidez, ainda na ilegalidade.

Segundo o projeto Gênero e Número, entre 2012 e 2022, 483 mulheres morreram por aborto em hospitais da rede pública de saúde do Brasil. O maior número de mortes ocorreu nos casos de “falha na tentativa de aborto”: a cada 28 internações, uma paciente vem a óbito, e mulheres pardas têm mais do que o dobro de risco de morrer do que mulheres brancas.

Apesar dos números e da realidade alarmante, acreditamos que o debate não deva se limitar ao argumento da saúde pública, ou até mesmo do trabalho reprodutivo. Assim como ocorreu em 2020, na Maré Verde da Argentina, como conta Verónica Gago em A potência feminista, a exploração do desejo também deve ser considerada prioritária: “A maternidade será desejada ou não será”.

Ainda que oportuna a discussão no STF, é preciso romper as demarcações jurídicas e ganhar corpo na opinião pública, além de ser imperativo o aborto seguro adquirir aspecto de lei. Como afirma Verónica Gago, as violências contra os corpos feminizados implicam uma agressão sistemática a cada uma e a todas. A noção de corpo-território, em que se reconhece a interdependência que nos compõe e que possibilita a vida, “superfície extensa de afetos, trajetórias, recursos e memórias”, pode contribuir muito para o debate.

Fonte da matéria: STF e o debate brasileiro sobre aborto – Editora Elefante – https://elefanteeditora.com.br/stf-e-o-debate-brasileiro-sobre-aborto/

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