Sociedade

Universidades brasileiras, último reduto contra o colonialismo digital?

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BETH VELOSO – Edward Snowden se tornou um ícone da comunicação digital. Ele demonstrou que os dados coletados pelas big techs são repassados para as autoridades americanas, a chamada inteligência governamental do país mais poderoso do mundo.

Isso não é brincadeira. As universidade são o centro de resistência de qualquer cultura nacional e global. É onde se questiona o modelo social, os sistemas econômicos, as políticas públicas, as prioridades e os fundamentos teóricos da sociedade.

Imaginar que todas essas informações estão armazenadas fora do País, por questões de economia de recursos, é algo de difícil explicação, sobretudo quando temos uma lei de proteção de dados.

Quem explica é Sérgio Amadeo, doutor e professor da Universidade Federal do ABC:

“Primeiro, existe uma profunda dificuldade das universidades se manterem e se atualizarem. Quando as big techs oferecem estrutura, email, armazenamento gratuitamente, isso é um atrativo muito grande para quem está sem recursos. Segundo, a doutrina de gestão, as formas de governo hoje estão ligadas ao que a gente chama de neoliberalismo, que é praticamente passar tudo para as empresas, e que o Estado seja apenas um orientador. E você entregar a capacidade de desenvolvimento para o setor privado e essa doutrina é muito forte também na educação, e isso faz com que o Ministério da Educação, por exemplo, não organize um data center para deixar dados aqui no Brasil. Para usar esses dados de maneira ética, inclusive com controle de um comitê de ética, coisa qeu essas big techs não tem. Então, é deixar para que esses dados sejam usados pela inteligência artificial para usar esses dados por pesquisadores brasileiros, dentro da nossa jurisdição e dentro da nossa lei de proteção de dados. A própria RNP, Rede Nacional de Pesquisa, orientou que o MEC hospedasse as informações necessárias para o SISU na Microsoft fora do País, porque lá tem maior escalabilidade. Era maios barato entregar para a Microsoft dados do desempenho escolar dos adolescentes brasileiros, mas isso é um verdadeiro absurdo. Num mundo em que o dado tem alto valor agregado, onde os dados são o insumo fundamental da inteligência artificial, nós estamos entregando esses dados para grandes corporações norte-americanas e fora da nossa Jurisdição, o que deveria preocupar nossas autoridades. Pense se os Estados Unidos que seus dados fossem hospedados em outro País. Só que aqui estamos submetidos a uma alienação técnica que reforça o colonialismo, uma colonialidade, o pensamento da nossa elite econômica, de parte dos gestores públicos, é um pensamento colonizado”.

Poucos intelectuais representaram tão bem a alma brasileira quanto o escritor João Ubaldo Ribeiro, considerado um dos grandes intérpretes da Nação. E, em suas diversas obras, “Viva o Povo Brasileiro”, o autor aponta as contradições de uma sociedade mergulhada na desigualdade econômica, como violência, miséria e crueldade, resultantes do processo de colonização.

Onde entra o Google nessa mancha do passado brasileiro? Entre o olhar das elites e a conquista de espaços de poder em instituições que concentram a origem do pensamento brasileiro, as big techs, ou plataformas digitais, vão ganhando campo onde antes havia uma resistência. Assim, neste modelo de comunicação financiado pelo capital especulativo, as universidades tornam-se aos poucos espaços dominados.

Ter o controle dos dados é conter o poder sobre o cidadão e sobre os governos. É quando o conceito de soberania se materializa em alto tão material e perceptível, como a perda da nossa privacidade, da autonomia financeira sobre seus ativos e da autodeterminação informativa.

Ao manter em mãos terceiras o seu bem mais precioso, Amadeo questiona o reforço ao modelo de modulação de comportamento que as Nações ricas propagam com o uso massivo de dados de países periféricos como o Brasil, em nome da sua alienação técnica e tecnológica.

“A soberania dos dados é uma reivindicação importante que pode pensar em várias dimensões. O Estado nacional deveria proteger os dados por um interesse geoeconômico e estratégico econômico. Os dados pessoais estão sendo levados para os Estados Unidos, por exemplo, onde eles alimentam os sistemas de aprendizado de máquina e criam modelos que são vendidos aqui, ou que servem para monitorar as pessoas aqui, para modular a atenção das pessoas. Então, é importante que o País pense que os dados são insumo  fundamental. Neste mundo dataficado, nós temos dificuldade de ter os dados armazenados me nosso país, Existe a ideia de soberania de dados que vem com outras ideias de soberania coletiva, que não é necessariamente estatal. Quando uma comunidade perde o controle sobre a sua expressão de dados e esses fluxos de dados são levados para fora, essa comunidade não tem poder que falar eu não quero que realizem experimentos, você perde a capacidade de definir o que pode e o que não pode f fazer com os seus dados. Ou seja ter os seus realizar um treinamento de máquinas com base na nossa cosmo visão. O que vemos é que os fluxos da vida estão sendo transformados em fluxo de dados, e estão sendo para depois voltar na forma de produtos e serviços que as big techs nos oferecem. Isso não tem só um problema político e cultura, mas tem o problema de cortar a nossa inventividade, e impedir que a gente faça um treinamento de máquina com base na nossa visão, na nossa perspectiva. Além de perdas econômicas, a gente tem perda da nossa inventividade. É preciso que a gente defende a soberania digital e da nossa infraestrutura digital e a soberania de dados“

A última notícia é que o Google passou a cobrar pelos serviços que seriam gratuitos. Não estava no combinado, mas a armazenagem de dados agora tem um valor. E o resgate desses dados, armazenados no exterior, terá um preço a ser pago. É uma negociação difícil, em que saídas terão que ser buscadas em nível nacional, intergovernamental, envolvendo a sociedade.

Dado tem valor. Cuide do seu!

Fonte da matéria: Universidades brasileiras, último reduto contra o colonialismo digital? – https://congressoemfoco.uol.com.br/area/mundo-cat/universidades-brasileiras-ultimo-reduto-contra-o-colonialismo-digital/?fbclid=PAAaZBsJurqSUiDMNbo-Kf_YYCkpW__Rt9EcT3gnrw970m3oNYtWHrYmD4qmc

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