Virgílio Arraes – Há pouco mais de trinta anos, a União Soviética (URSS) agonizava a olhos vistos, porque a tentativa de reforma administrativa de Mikhail Gorbachev havia patinhado. Ante o quadro progressivo de debilidade da federação comunista, algumas repúblicas, como as três bálticas, iniciaram o processo de secessão, medida sem o aceite da elite dirigente (Nomenklatura), russa na essência.
A repressão militar de Moscou registrou amplo eco negativo, até internamente, ao ter em vista a ida de milhares de pessoas às ruas para protestar contra a utilização de força em desfavor das sociedades insatisfeitas com a duradoura parceria política.
Semanas depois, consulta a toda população sobre a continuidade da convivência entre as diversas repúblicas teria como resultado a manutenção da união socialista, porém sem o efeito aguardado, qual seja, o do abandono de veleidade de separação.
Lideranças nacionalistas ascenderiam em muitas partes da jurisdição soviética; com elas, viria a aspiração de maior autonomia ou mesmo de independência. De maneira paralela, ao invés da conservação do planejamento econômico e do estatismo, assomaria no horizonte a perspectiva da adoção do neoliberalismo como a panaceia dos problemas sociais de décadas.
No lado europeu do território, além da soberania da tríade báltica, nasceriam Moldávia, Bielorrússia/Belarus e Ucrânia ao passo que no cáucaso Azerbaijão, Armênia e Geórgia, berço natal de (Joseph) Stálin. Outrossim, somar-se-iam ao desmembramento Quirguízia, Cazaquistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Usbequistão.
Contudo, a latência de emancipação não se encerrou, porém seria interrompida devido à passagem de poder do grupo de Boris Yeltsin para o de Vladimir Putin, um dos dois mandatários mais longevos da Rússia desde o fim da monarquia, ao se tornar primeiro-ministro em 1999. A Chechênia, cuja aspiração por soberania advinha desde 1991, seria derrotada em 2000.
De modo concomitante, o Kremlin rejeitaria a aproximação do Ocidente a seus antigos territórios ou áreas de influência, fosse pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), fosse pela União Europeia (UE), embora não tivesse condições apropriadas para ter sua vontade respeitada.
Desde 1999, catorze países receberiam a filiação otaniana – dentre eles, três, outrora soviéticos, em 2004, ano de suas adesões também ao quadro da UE – Geórgia e Ucrânia aguardam a aprovação na entidade armígera.
Portanto, Moscou assiste há mais de duas décadas à expansão ora econômica, ora castrense de forma ordenada do poderio do arco norte-atlântico. Se na economia o alargamento poderia ser até benfazejo à Rússia, significativo produtor energético, no militar, não. A reação, malgrado inadequada, ocorre em três momentos principais.
O primeiro sinal de insatisfação quanto à dilatação constante da OTAN ao redor das fronteiras russas havia sido a severa punição à Geórgia em 2008, estimulada pelos Estados Unidos sob administração de George Bush a aderir ao órgão de segurança regional.
O segundo foi relativo à Ucrânia em 2014, quando da substituição de dirigentes locais: de um presidente russófilo a outro filo-ocidental. Na época, a retaliação seria anexar pedaço do país: a Crimeia, doada em 1954 a Kiev/Quieve por Moscou na gestão de Nikita Khrushchev. Apesar dos protestos globais no período, a incorporação se mantém até hoje.
Por fim, a invasão inesperada da própria Ucrânia nos últimos dias, ao nem restringir sequer o ataque a duas áreas secessionistas: Donetsk/Donestique e Lugansk. Condenável a investida, por desrespeitar a diplomacia e o direito internacional.
A divergência quanto à amplitude da proteção continental entre russos e norte-americanos poderia ter sido objeto de debate na Organização das Nações Unidas (ONU). É possível que ela aconteça lá, mas já com o abatimento de uma terceira sociedade: a ucraniana.
Fonte da matéria: Estados Unidos e Rússia: o preço da segurança da Ucrânia – https://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/14950-estados-unidos-e-russia-o-preco-da-seguranca-da-ucrania
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