Sociedade

A cilada da meritocracia

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Texto publicado em parceria coma Revista Lacre

Oscar Vilhena Vieira – Em ensaio revelador, professor de direito de Yale demonstra como o sistema meritocrático aprofunda a desigualdade e abre espaço para lideranças populistas.

Cunhada pelo sociólogo britânico Michael Young após a Segunda Guerra Mundial, a expressão meritocracia surgiu como uma crítica à sociedade aristocrática, que distribuía benefícios em função da origem e das conexões dos mais privilegiados, sem valorizar “quem mais se esforça”. Nessa nova forma de organização, saudada pelos liberais de mercado e por progressistas daquela época, não havia mais espaço para a distribuição de riquezas, posições e distinções em função da classe social, devendo o mérito se tornar o critério para o reconhecimento.

“A leitura de Daniel Markovits por aqueles que se preocupam com o flagelo da desigualdade no Brasil é essencial, pois demonstra não haver caminho fácil para a superação das injustiças na distribuição de um recurso tão valioso para a inserção em um mercado de trabalho.”

Mas para Daniel Markovits, professor de direito de Yale, o mérito é uma farsa. Com essa frase de impacto, escrita sem nenhum rodeio, ele começa seu ambicioso e instigante livro, A cilada da meritocracia, que chega às livrarias brasileiras pela Intrínseca em setembro. Segundo o autor, esse sistema é uma armadilha por que não entrega o que promete. Seus defensores querem convencer de que ele é capaz de promover a igualdade e a oportunidade dando acesso à elite a pessoas comuns, munidas apenas de talento e ambição. Além disso, acreditam que a meritocracia pode compatibilizar as vantagens privadas com o interesse público, ao reafirmar que riqueza e status devem ser obtidos por conquista. Juntos, esses ideais pretendem unir a sociedade em torno de uma visão comum de trabalho árduo, competência e merecida recompensa.

Hoje, porém, em sociedades tão marcadas por desigualdades — inclusive de raça e gênero —, como é o caso do Brasil, o conceito tem sido muito questionado. Valendo-se da experiência norte-americana, o autor demonstra que, na prática, o sistema vem contribuindo fortemente para o aprofundamento da desigualdade econômica e que também abre espaço para lideranças populistas, que ameaçam a democracia ao insuflarem ressentimentos de parcelas da população. No fim das contas, a meritocracia é prejudicial tanto para a elite quanto — e principalmente — para a classe média e os pobres. Isso porque, hoje, ela se transformou no que foi concebida para combater: um mecanismo de concentração e transmissão dinástica de riqueza e privilégios. A mobilidade para ascender socialmente tornou-se uma fantasia, e nesse contexto a classe média está mais propensa a afundar na pobreza do proletariado do que a se tornar parte da elite profissional.

Tendo passado a vida em universidades de elite, o autor conhece por dentro o sistema corrosivo em que a sociedade norte-americana está aprisionada. E também sabe que, se entendermos que a desigualdade meritocrática produz um mal praticamente universal, podemos encontrar uma alternativa mais saudável. Com prefácio assinado por Oscar Vilhena Vieira, professor fundador da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, A cilada da meritocracia não apenas revela os mecanismos da engrenagem meritocrática, como também demonstra quais seriam os primeiros passos que poderiam nos levar em direção a um mundo novo, mais capaz de proporcionar dignidade e prosperidade às pessoas.

DANIEL MARKOVITS é professor de direito de Yale e diretor fundador do Center for the Study of Private Law. Tem bacharelado em matemática pela Universidade de Yale, mestrado em econometria e economia matemática pela London School of Economics e doutorado em filosofia pela Universidade de Oxford. Suas áreas de estudo são: fundamentos filosóficos do direito privado, filosofia moral e política e economia comportamental.

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