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Quando as Olimpíadas eram anticapitalistas

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Gabriela Leite – A notável (e quase ignorada) história dos jogos alternativos dos trabalhadores. Duraram 12 anos. Baniam bandeiras, hinos e nacionalismos. Foram os primeiros a incentivar atletas mulheres. Dos alojamentos aos trajes, nada cheirava a marketing.

Ciclistas desfilam no encerramento das Olimpíadas de trabalhadores de Viena, em 1931

Ítalo Ferreira, primeiro brasileiro a ganhar medalha de ouro em Tóquio, em 2021, nasceu em Baía Formosa, cidade de uns 9 mil habitantes no Rio Grande do Norte. Filho de vendedor de peixe, pegava emprestada a tampa do isopor de seu pai para surfar no litoral potiguar – tomando cuidado para não pegar grandes ondas, que poderiam destruir a prancha improvisada. Se hoje é possível – embora bastante raro – a vitória de um filho de trabalhador, da periferia do capitalismo, em Jogos Olímpicos, entre as décadas de 1920 e 1930 este fato era corriqueiro. Neste período, ocorreram as Olimpíadas de Trabalhadores. Organizadas por socialistas e comunistas, foram uma resposta notável aos jogos tradicionais, criadas em 1896 pelo barão Pierre de Coubertin.

A prática de esportes, era, na virada do século XIX para o XX, restrita às classes altas. Servia para propagar valores do conservadorismo. O célebre barão, fundador do Comitê Olímpico Internacional, é uma boa figura para entender os ideais burgueses da época. O nobre francês acreditava na superioridade racial europeia, e se atormentava com a ideia da participação feminina nas competições. Para ele, a mulher era “acima de tudo companhia para o homem, a futura mãe de família”, e deveria “ser criada tendo esse destino em mente”. Embora sustentasse “ideais internacionalistas”, Coubertin não hesitou em elogiar o grande êxito das Olimpíadas de 1936, na era Hitler, saturadas de imagens da suástica e de saudações nazistas: “o grandioso êxito dos Jogos de Berlim contribuiu de modo magnífico para com o ideal Olímpico”

Mas, ainda nos primeiros anos do século XX, desenhos de jogos olímpicos dissidentes conseguiram bagunçar o coreto. Começaram a despontar organizações de trabalhadores para a prática coletiva de esportes e embriões de competições maiores. Até que, em 1920, representantes de organizações esportivas proletárias da Alemanha, Inglaterra, Bélgica, França e Áustria se reuniram para formar uma associação internacional. Assim foram criadas as Olimpíadas dos Trabalhadores, que aconteceram de maneira intermitente entre os anos 1925 e 1937, em diversos países da Europa.

A alternativa socialista para as olimpíadas burguesas não fazia a separação por países – hasteava-se apenas a bandeira vermelha. Nas primeiras edições, que aconteceram em fevereiro e julho em cidades da Alemanha, compareceram mais de 150 mil pessoas, entre atletas e público. O número foi superado em 1931, na Áustria, quando 250 mil espectadores acompanharam o evento protagonizado por 100 mil esportistas – dez vezes mais atletas que no Rio-2016 ou Tóquio-2021. A explicação para o disparate é simples. O evento era aberto e contava com a participação em massa, não chamava apenas “os melhores”.

Viena-1931: multidão acompanha prova de saltos

Solidariedade: garotas participantes dos jogos alternativos de Viena-1931 hospedam-se em casa de família trabalhadora

Essa foi a edição mais emblemática das Olimpíadas dos Trabalhadores. Aconteceu em Viena – à época, uma das maiores fortalezas do movimento socialista. “Milhares de atletas de dezoito países se reuniram na capital austríaca para participar de competições em modalidades como atletismo, futebol, esportes militares [como cabo de guerra…] e até xadrez. Os exercícios de ginástica em massa, desfiles e outros eventos reuniram cerca de 80 mil participantes”, conta matéria assinada por Gabriel Kuhn e Georg Spitaler, na revista Jacobin Brasil. A edição popular superou tanto em número de atletas quanto de espectadores à comercial, sediada àquele ano na cidade de Los Angeles, nos EUA.

Os jornalistas retomam o espírito da época: “O movimento esportivo dos trabalhadores representava um contramodelo pedagógico aos esportes organizados por burgueses e capitalistas – tanto os jogos organizados pelo Comitê Olímpico Internacional quanto as ligas esportivas profissionais, como fizeram no futebol. Nessa visão, os danos e os limites impostos à vida da classe trabalhadora pelas más condições de vida e de trabalho deveriam ser contrabalançados pelo desenvolvimento físico individual e pela formação coletiva de uma identidade de classe autoconfiante.”

Fonte da matéria: Quando as Olimpíadas eram anticapitalistas – Outras Palavras. Link: https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/quando-olimpiadas-eram-anticapitalistas/

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