Economia

Economia mundial perde-se em fulminante armadilha da liquidez

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José Martins – Se­gunda-feira, 30 de no­vembro 2020. O The Wall Street Journal acordou pre­o­cu­pado com o fato de que o mundo nunca se en­di­vidou tanto e com tanta ra­pidez como agora. Ve­nham para o mundo da mis­te­riosa ar­ma­dilha da li­quidez de an­tigas de­pres­sões econô­micas.

Os nú­meros são im­pres­si­o­nantes. Em­presas pri­vadas e go­vernos emi­tiram um re­corde de US$ 9,7 tri­lhões em tí­tulos e ou­tras dí­vidas neste ano – à me­dida que o ex­tra­or­di­nário vo­lun­ta­rismo do Fe­deral Re­serve e de ou­tros bancos cen­trais bom­bando a li­quidez ao mer­cado gerou uma per­mis­siva onda de em­prés­timos e dí­vidas em todos os poros do sis­tema.

O total cobre o ano até 26 de no­vembro e in­clui quase US$ 5,1 tri­lhões em tí­tulos de em­presas, todos os tipos de em­prés­timos, in­cluindo os de ele­vados riscos de ca­lote ar­ris­cados, de acordo com o jornal. Ambos os nú­meros já ex­cedem os de qual­quer ano an­te­rior com­pleto.

De forma mais ampla, o Ins­ti­tuto de Fi­nanças In­ter­na­ci­o­nais di­vulgou re­cen­te­mente que a dí­vida global subiu para US$ 272 tri­lhões nos pri­meiros nove meses deste ano e deve atingir US$ 277 tri­lhões no final do ano – um re­corde de 365% do pro­duto in­terno bruto mun­dial. Veja no grá­fico abaixo a evo­lução da dí­vida global con­so­li­dada nos úl­timos sete anos.

As enormes somas re­fletem como o Fed e seus con­gê­neres de ou­tros países, ao cor­tarem as taxas de juros até pró­ximo de zero (ou mesmo abaixo) e com­prarem tri­lhões de dó­lares em tí­tulos de renda fixa, aju­daram os to­ma­dores de em­prés­timos a su­perar o choque cau­sado pela crise global.

Como os mer­cados mo­ne­tá­rios e de cré­dito também se re­cu­pe­raram dos ní­veis atin­gidos pelo pâ­nico em março deste ano, as taxas de juros que os bancos exigem para manter tí­tulos mais ar­ris­cados em com­pa­ração com a dí­vida go­ver­na­mental mais se­gura também di­mi­nuíram. A qua­li­dade do cré­dito de­sa­pa­rece. Rumo à ar­ma­dilha da li­quidez e às in­sus­ten­tá­veis taxas de juros ne­ga­tivas.

Neste quadro os mer­cados de tí­tulos das em­presas nos EUA (na­ci­o­nais e es­tran­geiras) res­pondem por uma grande par­cela da emissão geral do en­di­vi­da­mento e pro­ta­go­ni­zaram uma inu­si­tada ava­lanche de au­mentos dos em­prés­timos. Mas isso não acon­teceu por acaso, muito menos pelas du­vi­dosas vir­tudes do livre jogo do mer­cado.

Muito pelo con­trário. A ação foi to­tal­mente es­tatal. Tudo acon­teceu de­pois que, de­vi­da­mente san­ci­o­nado pelo Te­souro, o Fed anun­ciou que cor­taria as taxas de juros para zero e com­praria di­re­ta­mente tí­tulos de em­presas pri­vadas.

Uma ou­sada fer­ra­menta, pra­ti­cada pela pri­meira vez na his­tória do banco cen­tral do pla­neta. De forma al­ta­mente pro­vi­sória, mas sem dú­vida muito pro­vi­den­cial, sal­varam-se da ban­car­rota ime­diata pe­quenas, mé­dias e as gi­gantes em­presas glo­bais.

Puro de­ses­pero. De quem vai para a guerra. Ou de quem pre­cisa fazer qual­quer coisa para salvar o pai da forca. Sal­varam-se, até agora, prin­ci­pal­mente as gi­gantes mon­ta­doras e em­presas de tec­no­logia, que foram as mai­ores emis­soras de tí­tulos de dí­vidas com­pradas pelo Fed. E nunca lu­craram tanto na vida.

Junto com gi­gantes es­ta­du­ni­denses – como Apple, Ve­rizon, Amazon, Ge­neral Mo­tors, Go­ogle, Ge­neral Elec­tric, Mi­cro­soft, Tesla, AT&T etc. – in­cluem-se nesta farra do touro nas bolsas de va­lores também as uni­dades es­ta­du­ni­denses da ja­po­nesa Toyota, das alemãs Volkswagen, Daimler etc.

Nem um tostão destas dí­vidas con­traídas pelas gi­gantes glo­bais, e nem dos mo­nu­men­tais lu­cros não ope­ra­ci­o­nais, des­ti­naram-se a ati­vi­dades ope­ra­ci­o­nais (pro­dução e in­ves­ti­mento) ou no pa­ga­mento de dí­vidas em atraso, como foi este úl­timo o caso para a grande mai­oria das pe­quenas e mé­dias em­presas pro­du­ti­va­mente fa­lidas.

O grosso dos re­cursos mo­ne­tá­rios con­traídos pelas gi­gantes glo­bais des­tinou-se à apli­cação no mer­cado de ca­pi­tais, na forma prin­cipal de re­compra de ações da pró­pria em­presa nas bolsas de va­lores. Assim o valor de mer­cado de muitas delas hoje ul­tra­passa o valor do PIB de muitas grandes e mé­dias eco­no­mias na­ci­o­nais em todo o mundo.

Estes mo­vi­mentos ino­pe­rantes dos prin­ci­pais bancos cen­trais do pla­neta – que são apli­cados para de­belar a de­flação e a ameaça de de­pressão global – não podem ser in­ter­rom­pidos. Se isso acon­tecer, ha­veria uma pane pla­ne­tária ime­diata da cir­cu­lação da atual ple­tora de ca­pital (real e fic­tícia).

Mas, do­ra­vante, a con­ti­nui­dade desta po­lí­tica mo­ne­tária será cada vez mais pe­nosa em termos fis­cais e per­derá gra­da­ti­va­mente sua pró­pria efi­cácia.

Quanto maior a dose desta droga de cré­dito e de moeda in­je­tada ex­ter­na­mente nas veias e ar­té­rias do pa­ci­ente em coma, mais se po­ten­ci­a­li­zará os efeitos in­con­tor­ná­veis da ar­ma­dilha da li­quidez – ela também uma in­cu­rável va­riável en­dó­gena do ciclo econô­mico em sua fase der­ra­deira de su­per­pro­dução e crise.

Fonte da matéria: https://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/14443-economia-mundial-perde-se-em-fulminante-armadilha-da-liquidez

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