Paulo Kliass – Recente balanço do Banco Central revela falácia da austeridade: R$ 50 bilhões, só em agosto, foram pagos em juros da dívida. Feito tigres, rangem os dentes para cortar serviços públicos; para o mercado, são meros gatinhos…
O Estado brasileiro está sendo sucateado como nunca aconteceu antes em nossa História. A cada dia que passa temos uma nova notícia dando conta de mais uma atrocidade cometida pela equipe de Bolsonaro contra a administração federal e contra as políticas públicas de responsabilidade do governo.
Paulo Guedes jamais escondeu seu projeto estratégico: destruir a estrutura de nosso aparelho estatal, com a missão de reduzi-lo à dimensão microscópica do Estado mínimo. Para isso, conta com duas linhas de ação. De um lado, estrangula a dotação orçamentária da União para as áreas sociais e para os investimentos. De outro, opera no campo da privatização, da entrega e da concessão do conjunto das empresas estatais e das áreas que cabem ao governo tocar por excelência.
O período de Michel Temer foi marcado pela presença de Henrique Meirelles como o todo-poderoso no Ministério da Fazenda. Como bom representante explícito do financismo na Esplanada, o ex-presidente internacional do Bank of Boston abriu o caminho para que o processo de desmonte fosse colocado em marcha. Assim, encaminhou ao Congresso Nacional a proposta que ficou conhecida como a PEC do fim do mundo. A medida foi aprovada no apagar das luzes de 2016 e converteu-se na atual EC 95, que estabelece o congelamento criminoso das despesas orçamentárias pelo prazo de duas longas décadas.
Contingenciar e privatizar
Paulo Guedes recebeu de bom grado a oferenda e jamais hesitou em propor sua flexibilização. Muito pelo contrário, tem se valido dos impedimentos previstos na emenda draconiana para apertar ainda mais o garrote sobre as políticas públicas que ainda sobrevivem. Basta identificarmos a situação de calamidade em que estão abandonadas a assistência social, a saúde, a educação, a previdência social, a ciência e tecnologia, os investimentos e tudo o mais. O quadro é pra lá de trágico e o discurso oficial é de que nada pode ser feito pois o governo não teria recursos. Mentira!
Por outro lado, o governo alardeia aos quatro ventos a sua intenção de privatizar o maior número de empresas estatais que for possível. Para tanto, em junho passado Guedes acabou recebendo uma boa ajuda do Supremo Tribunal Federal (STF). Em mais uma de suas inexplicáveis sessões, aquela corte decidiu liberar a venda de subsidiárias de empresas estatais sem que fosse necessária a prévia autorização do Congresso Nacional, tal como definido na legislação. O governo só precisaria de lei autorizando a venda da “holding” do grupo Petrobrás, mas pode privatizar cada uma das 35 subsidiárias quando quiser. O mesmo raciocínio vale para a “holding” Eletrobrás e cada uma de suas 30 subsidiárias. Uma loucura! Entregar patrimônio público construído ao longo de décadas a preço de banana, como foi feito na época de Fernando Henrique Cardoso.
Paulo Guedes parece ter uma predileção particular por ver sangrar áreas estratégicas e sensíveis do Estado brasileiro. A impressão é de que se delicia com práticas de sadismo explícito contra a maioria da população pobre e carente, tão necessitada de serviços mínimos a serem oferecidos pelo Estado. E o mais impressionante é que conta, nessa missão de destruição, com o apoio e a solidariedade de ministros que deveriam zelar pelos interesses de suas respectivas áreas de atuação.
Cortes na educação, saúde, previdência social e afins
A equipe da economia contingencia as verbas das universidades federais até o limite da compra do papel higiênico e o (ir)responsável Weintraub bate palmas de agradecimento. Os tecnocratas cortam os recursos para o financiamento do Sistema Único de Saúde, o Ministro Mandetta se cala e os sistemas de alerta de doenças como sarampo voltam a preocupar e a matar. Os especialistas em planilhas passam um espremedor nas rubricas destinadas à preservação do meio ambiente, mas o Ministro Salles nada faz para evitar o desmatamento, nega os incêndios e desautoriza os relatórios do INPE.
Agora, há poucos dias atrás, o governo tenta anunciar um alívio para o sistema universitário. E anuncia um descontingenciamento das rubricas orçamentárias do custeio das universidades federais. Mas esse jogo de cena todo não resolve a questão de fundo. É necessário assegurar a sobrevivência do ensino superior. E não só dele! Os valores iniciais do Orçamento da União para o conjunto da área de educação já estão sendo reduzidos há vários anos. Os valores previstos para 2019, por exemplo, são inferiores ao que foi realizado em termos nominais no exercício de 2015. Se os valores forem corrigidos pela inflação, a queda é evidente.
Pois Guedes vem a público anunciar sua “bondade” e decide liberar os valores ridículos de R$ 1,99 bi (parece uma brincadeira maldosa com aquelas lojas de produtos baratos). Só que ele esconde a real: o dobro desse total segue retido nas contas do Ministério da Economia – R$ 3,8 bi. Do volume liberado, apenas 58% vão para custeio de universidades e institutos técnicos. O restante vai para o cumprimento (parcial, como sempre) de obrigações com bolsas de pesquisa.
No entanto, ao mesmo tempo em que exibe todo o seu rigor no cumprimento da austeridade fiscal para as contas orçamentárias de políticas sociais, o super-ministro no comando da economia libera tranquilamente os valores bilionários relativos às despesas financeiras. Guedes fala grosso quando se trata de saúde, educação e previdência social, mostrando os dentes de tigre ameaçador. Já quando o assunto é retirar recursos do Orçamento da União para pagamento de juros da dívida pública, aí o discurso é outro. O leão vira gatinho e nem se cogita o contingenciamento. Nenhuma surpresa, claro! Afinal, os grandes beneficiários desse tipo de gasto público estão no interior do próprio financismo, sua casa de origem.
R$ 349 bi para pagamento de juros
O Banco Central (BC) acaba de divulgar seu mais recente balanço da área de política fiscal. Pois bem, ali estão escancaradas as prioridades de Bolsonaro & Guedes. Apenas ao longo do mês de agosto, o governo alocou R$ 50 bi a título de pagamento de juros da dívida. Caso o interesse seja pela soma dispendida ao longo dos últimos 12 meses, o cálculo nos leva a R$ 349 bi. Ou seja, continua sendo confirmado a cada novo mês que o discurso do governo a respeito de ausência de recursos não para de pé. Austeridade para que, cara pálida?
Os recursos existem e estão à disposição da equipe governamental. Cabe aos responsáveis decidir sobre onde e como alocar os valores a serem gastos. Guedes segue firme e forte em cumprir o seu compromisso de sangue com os interesses do sistema financeiro. Nunca se ouviu alguma coisa a respeito de eventual contingenciamento sobre esse tipo de despesa. Para essa gente, pouco importa se a rubrica de juros é – de fato – a conta mais estruturalmente deficitária da administração pública federal. O que interessa é gastar uma fortuna com propaganda oficial, mentindo para a população com o discurso enganador e falacioso de que a previdência social é a principal responsável pelo descompasso entre receitas e despesas observado ao longo dos últimos quatro anos no orçamento. Os dados do próprio BC dizem o contrário: de 2015 até agora, o governo gastou mais de R$ 1,6 trilhão com esse tipo de despesa parasita e portadora de desigualdade social e econômica.
Essa é a prioridade de Bolsonaro & Guedes. Para o topo da nossa pirâmide da injustiça, tudo e um pedido de desculpas por eventual atraso no pagamento. Para absoluta maioria do povo brasileiro pobre e trabalhador, o rigor austero da ortodoxia e um solene “dane-se” para as carências básicas não atendidas.
Deixe uma resposta