Wladimir Pomar – O quadro político da atualidade se tornou extremante complexo, tanto nos países capitalistas avançados quanto em países como o Brasil, economicamente dependente e subordinado ao capital transnacional, socialmente um dos mais desiguais do mundo e, politicamente, dividido sobre como superar tal situação.
Em vista dessas profundas divisões, a todos os que se preocupam em como enfrentar os desafios não basta repisar que toda a humanidade está diante de uma crise estrutural do capitalismo. Nem que este só apresenta soluções que vão agravar ainda mais tal crise através da moldagem de novos Estados autoritários, mesmo que mantendo aparências democráticas por algum tempo. O perigo de renascimentos fascistas torna-se uma realidade que só é subestimada por quem acha que tal perigo, para existir, deveria repetir exatamente suas características do passado.
No caso do Brasil, continuamos a nos defrontar com nuances ou variações bizarras que levam alguns a proclamar que Jair Bolsonaro e seu governo, em virtude das repetidas trapalhadas do núcleo familiar, não representam uma verdadeira corrente fascista. Com isso, parecem viver as ilusões a que se referia Bertold Brecht quando o nazismo conquistou, democraticamente, nos anos 1930, a maioria do parlamento alemão e transformou Hitler em chanceler do Reich.
Há também aqueles que, em sentido contrário, apenas enxergam a perspectiva da repressão violenta e das reformas neoliberais ainda mais radicais. Para eles, bastaria denunciá-las com vigor para que grandes contingentes populacionais se levantem contra elas e emparedem o governo Bolsonaro. E há os que acreditam que as trapalhadas de Bolsonaro e sua trupe racharão seu governo e o levarão ao descrédito completo. Bastaria aguardar tranquilamente as eleições de 2022.
Em outras palavras, essas vertentes de pensamento parecem não haver aprendido nada com a derrota sofrida nas eleições de 2018. Desdenham o fato de que os problemas que afetavam o Brasil e a maior parte de sua população (pobreza, educação deficiente, índice habitacional extremamente deficitário, ausência de saneamento, poluição disseminada, contas públicas deficitárias, saúde pública medíocre, crescimento econômico pífio, desemprego e emprego precário altos, violência disseminada e alta mortandade delituosa, grandes preconceitos de raça, cor e gênero, sistemas de corrupção empresarial variados e disseminados, etc. etc.) haviam chegado a uma profundidade que exigia abordagens sociais e políticas radicais.
Na ausência de propostas radicais pela esquerda prevaleceram as propostas radicais pela direita, embora estas atuem no sentido de agravar todos aqueles problemas acumulados. O que deve nos levar à conclusão de que, para ocupar as ruas e criar um movimento verdadeiramente massivo que se oponha com vigor às políticas fascistas e radicalmente neoliberais, será preciso acertar as contas com as políticas que permitiram a derrota das forças democráticas e populares em 2018, em especial aquelas que elevaram a atuação institucional à prioridade máxima e a atuação cotidiana na base da sociedade a um passeio de final de semana.
Ou seja, não basta nos empenharmos genericamente na luta em defesa dos trabalhadores e excluídos da sociedade brasileira, nem nos solidarizarmos com aqueles que foram imolados pela busca frenética de seus patrões pelo lucro máximo. Será preciso conviver no dia a dia com o sofrimento e a luta prática dos milhões que são explorados diretamente pela burguesia e também com os milhões de excluídos, aprendendo e raciocinando junto com eles sobre tal sofrimento e tal luta prática.
Tal convivência, essencial para criar uma nova e poderosa força social e política em oposição à fascistização do Brasil, vai exigir mudanças profundas nas atividades institucionais das atuais forças democráticas e populares, assim como nas propostas de reformas políticas, sociais e econômicas que o Brasil necessita para se tornar economicamente independente, socialmente equilibrado e politicamente democrático e popular. Não é mais possível que os representantes institucionais dessas forças dediquem atenção ínfima ao trabalho e à ação na base da sociedade, influindo negativamente o conjunto da militância.
Em termos gerais, é evidente a necessidade de continuar apoiando as lutas gerais dos trabalhadores urbanos e rurais, denunciando o processo de exploração capitalista que leva a acidentes como Mariana e Brumadinho, exigindo a liberdade de Lula, e fortalecendo as organizações de frentes políticas democráticas e populares. Mas, em termos práticos, também é necessária uma revisão crítica corajosa para avaliar os erros teóricos e práticos que permitiram às correntes fascistas conquistarem parte considerável de votos populares e elegerem seu candidato à presidência e fortes bancadas no parlamento.
Ou seja, em termos gerais, é necessário voltar à base da sociedade para conviver, combater e aprender com a luta permanente do dia a dia dos trabalhadores e excluídos. Ao mesmo tempo, realizar uma crítica histórica mais profunda do tipo de capitalismo implantado no Brasil, segundo o qual o agronegócio é a indústria perfeita a ser subsidiada pelo Estado, a infraestrutura deve servir à indústria automobilística estrangeira, os capitalistas devem continuar isentos de impostos, o trabalho precário deve ser o sistema moderno para adaptar-se aos avanços tecnológicos, e desastres ceifadores de vidas devem ser encarados apenas como o preço a pagar pela “modernidade” que tem o lucro máximo como parâmetro.
http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/13703-voltar-as-bases-sociais
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