Política

Voltar às bases sociais

Tempo de leitura: 7 min

Wladimir Pomar – O quadro po­lí­tico da atu­a­li­dade se tornou ex­tre­mante com­plexo, tanto nos países ca­pi­ta­listas avan­çados quanto em países como o Brasil, eco­no­mi­ca­mente de­pen­dente e su­bor­di­nado ao ca­pital trans­na­ci­onal, so­ci­al­mente um dos mais de­si­guais do mundo e, po­li­ti­ca­mente, di­vi­dido sobre como su­perar tal si­tu­ação.

Em vista dessas pro­fundas di­vi­sões, a todos os que se pre­o­cupam em como en­frentar os de­sa­fios não basta re­pisar que toda a hu­ma­ni­dade está di­ante de uma crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo. Nem que este só apre­senta so­lu­ções que vão agravar ainda mais tal crise através da mol­dagem de novos Es­tados au­to­ri­tá­rios, mesmo que man­tendo apa­rên­cias de­mo­crá­ticas por algum tempo. O pe­rigo de re­nas­ci­mentos fas­cistas torna-se uma re­a­li­dade que só é su­bes­ti­mada por quem acha que tal pe­rigo, para existir, de­veria re­petir exa­ta­mente suas ca­rac­te­rís­ticas do pas­sado.

No caso do Brasil, con­ti­nu­amos a nos de­frontar com nu­ances ou va­ri­a­ções bi­zarras que levam al­guns a pro­clamar que Jair Bol­so­naro e seu go­verno, em vir­tude das re­pe­tidas tra­pa­lhadas do nú­cleo fa­mi­liar, não re­pre­sentam uma ver­da­deira cor­rente fas­cista. Com isso, pa­recem viver as ilu­sões a que se re­feria Ber­told Brecht quando o na­zismo con­quistou, de­mo­cra­ti­ca­mente, nos anos 1930, a mai­oria do par­la­mento alemão e trans­formou Hi­tler em chan­celer do Reich.

Há também aqueles que, em sen­tido con­trário, apenas en­xergam a pers­pec­tiva da re­pressão vi­o­lenta e das re­formas ne­o­li­be­rais ainda mais ra­di­cais. Para eles, bas­taria de­nunciá-las com vigor para que grandes con­tin­gentes po­pu­la­ci­o­nais se le­vantem contra elas e em­pa­redem o go­verno Bol­so­naro. E há os que acre­ditam que as tra­pa­lhadas de Bol­so­naro e sua trupe ra­charão seu go­verno e o le­varão ao des­cré­dito com­pleto. Bas­taria aguardar tran­qui­la­mente as elei­ções de 2022.

Em ou­tras pa­la­vras, essas ver­tentes de pen­sa­mento pa­recem não haver apren­dido nada com a der­rota so­frida nas elei­ções de 2018. Des­de­nham o fato de que os pro­blemas que afe­tavam o Brasil e a maior parte de sua po­pu­lação (po­breza, edu­cação de­fi­ci­ente, ín­dice ha­bi­ta­ci­onal ex­tre­ma­mente de­fi­ci­tário, au­sência de sa­ne­a­mento, po­luição dis­se­mi­nada, contas pú­blicas de­fi­ci­tá­rias, saúde pú­blica me­díocre, cres­ci­mento econô­mico pífio, de­sem­prego e em­prego pre­cário altos, vi­o­lência dis­se­mi­nada e alta mor­tan­dade de­li­tuosa, grandes pre­con­ceitos de raça, cor e gê­nero, sis­temas de cor­rupção em­pre­sa­rial va­ri­ados e dis­se­mi­nados, etc. etc.) ha­viam che­gado a uma pro­fun­di­dade que exigia abor­da­gens so­ciais e po­lí­ticas ra­di­cais.

Na au­sência de pro­postas ra­di­cais pela es­querda pre­va­le­ceram as pro­postas ra­di­cais pela di­reita, em­bora estas atuem no sen­tido de agravar todos aqueles pro­blemas acu­mu­lados. O que deve nos levar à con­clusão de que, para ocupar as ruas e criar um mo­vi­mento ver­da­dei­ra­mente mas­sivo que se oponha com vigor às po­lí­ticas fas­cistas e ra­di­cal­mente ne­o­li­be­rais, será pre­ciso acertar as contas com as po­lí­ticas que per­mi­tiram a der­rota das forças de­mo­crá­ticas e po­pu­lares em 2018, em es­pe­cial aquelas que ele­varam a atu­ação ins­ti­tu­ci­onal à pri­o­ri­dade má­xima e a atu­ação co­ti­diana na base da so­ci­e­dade a um pas­seio de final de se­mana.

Ou seja, não basta nos em­pe­nharmos ge­ne­ri­ca­mente na luta em de­fesa dos tra­ba­lha­dores e ex­cluídos da so­ci­e­dade bra­si­leira, nem nos so­li­da­ri­zarmos com aqueles que foram imo­lados pela busca fre­né­tica de seus pa­trões pelo lucro má­ximo. Será pre­ciso con­viver no dia a dia com o so­fri­mento e a luta prá­tica dos mi­lhões que são ex­plo­rados di­re­ta­mente pela bur­guesia e também com os mi­lhões de ex­cluídos, apren­dendo e ra­ci­o­ci­nando junto com eles sobre tal so­fri­mento e tal luta prá­tica.

Tal con­vi­vência, es­sen­cial para criar uma nova e po­de­rosa força so­cial e po­lí­tica em opo­sição à fas­cis­ti­zação do Brasil, vai exigir mu­danças pro­fundas nas ati­vi­dades ins­ti­tu­ci­o­nais das atuais forças de­mo­crá­ticas e po­pu­lares, assim como nas pro­postas de re­formas po­lí­ticas, so­ciais e econô­micas que o Brasil ne­ces­sita para se tornar eco­no­mi­ca­mente in­de­pen­dente, so­ci­al­mente equi­li­brado e po­li­ti­ca­mente de­mo­crá­tico e po­pular. Não é mais pos­sível que os re­pre­sen­tantes ins­ti­tu­ci­o­nais dessas forças de­di­quem atenção ín­fima ao tra­balho e à ação na base da so­ci­e­dade, in­fluindo ne­ga­ti­va­mente o con­junto da mi­li­tância.

Em termos ge­rais, é evi­dente a ne­ces­si­dade de con­ti­nuar apoi­ando as lutas ge­rais dos tra­ba­lha­dores ur­banos e ru­rais, de­nun­ci­ando o pro­cesso de ex­plo­ração ca­pi­ta­lista que leva a aci­dentes como Ma­riana e Bru­ma­dinho, exi­gindo a li­ber­dade de Lula, e for­ta­le­cendo as or­ga­ni­za­ções de frentes po­lí­ticas de­mo­crá­ticas e po­pu­lares. Mas, em termos prá­ticos, também é ne­ces­sária uma re­visão crí­tica co­ra­josa para ava­liar os erros teó­ricos e prá­ticos que per­mi­tiram às cor­rentes fas­cistas con­quis­tarem parte con­si­de­rável de votos po­pu­lares e ele­gerem seu can­di­dato à pre­si­dência e fortes ban­cadas no par­la­mento.

Ou seja, em termos ge­rais, é ne­ces­sário voltar à base da so­ci­e­dade para con­viver, com­bater e aprender com a luta per­ma­nente do dia a dia dos tra­ba­lha­dores e ex­cluídos. Ao mesmo tempo, re­a­lizar uma crí­tica his­tó­rica mais pro­funda do tipo de ca­pi­ta­lismo im­plan­tado no Brasil, se­gundo o qual o agro­ne­gócio é a in­dús­tria per­feita a ser sub­si­diada pelo Es­tado, a  in­fra­es­tru­tura deve servir à in­dús­tria au­to­mo­bi­lís­tica es­tran­geira, os ca­pi­ta­listas devem con­ti­nuar isentos de im­postos, o tra­balho pre­cário deve ser o sis­tema mo­derno para adaptar-se aos avanços tec­no­ló­gicos, e de­sas­tres cei­fa­dores de vidas devem ser en­ca­rados apenas como o preço a pagar pela “mo­der­ni­dade” que tem o lucro má­ximo como pa­râ­metro.

http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/13703-voltar-as-bases-sociais

Deixe uma resposta