Educação

Bem-vindos à Escola Sem Partido

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Guilherme Boulos — Imaginemos o primeiro dia nas escolas depois da aprovação da nova doutrina do “Brasil acima de todos, Deus acima de tudo”

Um futuro distópico

Em alguma escola desta terra sofrida chamada Brasil, quando ficção e realidade já não se distinguem mais:

‒ Hoje é um momento muito especial para nossa escola. É o primeiro dia de aula depois da aprovação do projeto de lei que tanto esperávamos. Sejam todos bem-vindos à Escola Sem Partido!

‒ Graças à nossa luta, neste momento, as salas de aula de todas as escolas do Brasil têm um cartaz como este. Leiam com muita atenção: “Os professores estão proibidos de promover qualquer opinião e preferência moral ou política”. Estou aqui para contar a verdadeira história! Quem ensina não pode escolher a versão dos fatos que mais lhe agrada.

‒ Mãos à obra. Hoje entraremos na década de 1960. Entre 1961 e 1964, o Brasil foi presidido por João Goulart. Jango, como era conhecido, foi um presidente muito próximo de países com índole subversiva. Promoveu a desordem durante seu governo e incitou à divisão dos compatriotas entre ricos e pobres.

‒ Abram a apostila e lerão o discurso que o então presidente fez em comício na Central do Brasil em março de 1964. Sublinhem ao menos três palavras de viés comunista. Boa escolha, Amanda. “Reforma agrária”, “pelo voto do analfabeto” e “justiça social”.

Em cada linha há ao menos mais três. A ideologia marxista foi a base desse discurso feito para milhares de agitadores no Rio de Janeiro. As reformas de base de Jango eram na verdade uma armadilha para a implantação de uma ditadura comunista no Brasil.

‒ Mas isso foi felizmente evitado! Na sequência, vocês podem ver as fotos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, poucos dias depois do comício na Central. Observem, um a um, os rostos dos brasileiros que aparecem na imagem. Notam o patriotismo das faixas “Vermelho bom, só batom” e “Verde Amarelo, sem foice e sem martelo” nas mãos desses corajosos que fizeram história?

‒ Foi esse movimento de defesa da pátria e da família brasileira que salvou a democracia do perigo representado pelo então presidente. Os militares tiraram Jango do poder para evitar a infiltração comunista e restaurar a ordem no País. Tudo dentro da lei, como pode ser lido no discurso do presidente do Supremo Tribunal Federal do dia 2 de abril.

‒ Leiam todos juntos: “O desafio feito à democracia foi respondido vigorosamente. Sua recuperação tornou-se legítima através do movimento realizado pelas Forças Armadas, já estando restabelecido o poder de governo pela forma constitucional”. Muito bem.

‒ Como vocês podem imaginar, foram muitas as tentativas de desestabilizar a lei e a ordem. A linha do tempo dos 21 anos do “movimento de 64” mostra a foto dos cinco militares que tiveram como missão presidir o País. Sem dúvida, o que teve mais dificuldades em manter a Constituição e conter a subversão foi o terceiro da lista: o general Costa e Silva.

Em dezembro de 68, foi obrigado a decretar o Ato Institucional nº 5 para assegurar a ordem pública. Leiam no quadro explicativo: “Encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do País” foi a justificativa da importante medida.

‒ O presidente fechou o Congresso Nacional, que estava sob suspeita de infestação pelos subversivos, suspendeu direitos humanos para humanos que não eram assim tão direitos e mandou prender uma série de políticos, entre eles o ex-presidente Juscelino Kubitschek.

‒ Rubens, vejo que está com a apostila antiga, onde ainda aparece a foto de um homem enforcado em uma cela. A foto da morte de Vladimir Herzog em outubro de 1975 saiu do material escolar porque a Escola Sem Partido não aceitará mais narrativas esquerdistas de que ele foi torturado até a morte. Na verdade, como foi exaustivamente comprovado à época, o jornalista suicidou-se em sua cela.

‒ Para os que desejarem alguma bibliografia complementar, sugiro o livro A verdade Sufocada, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, na nova edição especialmente feita pelo governo para todas as escolas do País. Tá ok?

‒ Muito bem, encerramos nossa aula de hoje com o exercício de preparação para novo Enem, devidamente fiscalizado pela autoridade máxima de nossa República. A primeira questão pede para assinalarmos os resultados alcançados do regime militar:

Resgate da família e dos bons costumes. Eliminação da ameaça comunista. Fim da corrupção. Perfeito, Roberto, a resposta certa é letra d: todas as anteriores! Até semana que vem, senhores. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!

Fonte:

https://www.cartacapital.com.br/revista/1032/bem-vindos-a-escola-sem-partido

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