Alan Woods – “Nossas relações nunca foram piores do que são agora. No entanto, isso mudou a cerca de quatro horas atrás. Realmente, acredito nisso”. A opinião do Presidente Donald J. Trump, exposta desde as alturas de Helsinki, seguiu-se logo após sua primeira reunião de cúpula com o Presidente Vladimir V. Putin. Em todo caso, foi ainda mais bizarro do que sua visita à cúpula da OTAN e ao Reino Unido há poucos dias. E produziu impactos ainda maiores.
Não podem dizer que não foram avisados. Para horror dos mandarins de Washington, o Presidente Trump anunciou que pretendia manter conversações pessoais com o homem do Kremlin, sem ninguém mais além dos intérpretes. Isso é muito o estilo diplomático de Trump. Nas palavras da famosa canção de Frank Sinatra, ele gosta de fazer do jeito dele.
Sabe-se que Donald Trump é alérgico às reuniões informativas preparatórias sobre política. Aos angustiados argumentos de seus assessores, ele simplesmente replicou que não necessitava de nenhuma preparação para o encontro com Putin. Essa forma de fazer as coisas não é do gosto da comunidade diplomática. O que ele ia dizer? Com que ele iria concordar? Mais uma vez, ondas de choque percorreram os corredores do poder na Europa e do outro lado do Atlântico.
Observadores estadunidenses – tanto Republicanos quanto Democratas – temiam que Trump fizesse concessões aos russos para obter algum tipo de acordo sobre a Síria e outras questões contenciosas. Seus temores eram bem-fundados. Infelizmente, ninguém sabe o que os dois líderes disseram em privado. Mas a declaração final de Trump confirmou os piores pesadelos do establishment dos EUA, da OTAN e da União Europeia.
Muitos comentaristas expressaram surpresa. Mas nós é que deveríamos expressar surpresa com a surpresa dessa gente. Nesta etapa do processo, ninguém deveria ficar chocado com qualquer coisa que Donald Trump diga, pense ou faça. E, de fato, não há nada de surpreendente na conduta de Trump em Helsinki. Era totalmente previsível. Se há algo que se pode aprender dos dois anos desde sua eleição, é que, quando Donald J. Trump diz que quer fazer algo, a opção mais segura é acreditar nele.
Trump nunca fez segredos de seu desejo de chegar a um acordo com o homem do Kremlin. Durante a campanha eleitoral dos EUA, Trump elogiou Putin como um líder forte, com quem adoraria ter um bom relacionamento. Agora que está na Casa Branca, ele está determinado a fazer o que prometeu.
Mas forças poderosas nos EUA e em outros países estão igualmente determinadas a detê-lo através de quaisquer meios a sua disposição. Criados durante a Guerra Fria entre os EUA e a URSS, 99% do Congresso absorveram a ideia de hostilidade à Rússia através do leite materno. Têm a convicção inquebrantável de que todos os males sob o Sol têm uma origem comum, e essa origem é o Kremlin.
Qualquer sugestão de uma possível distensão com a Rússia garante a produção de um ataque de ira apoplética entre essas damas e cavalheiros, para quem o patriotismo é sinônimo de ódio a todas as coisas a Leste de Varsóvia. Tais propostas não são apenas antiamericanas, como também anticristãs, anti-civilização ocidental e, o que é o pior de tudo, ruins para os negócios.
O poderoso lobby de armas nos EUA vale trilhões de dólares e ficaria altamente incomodado ante qualquer sugestão de que a paz mundial estaria a ponto de explodir. Isso implicaria em um declínio agudo na produção desses necessários acessórios da civilização cristã-ocidental, como as bombas nucleares, as armas químicas, os misseis guiados, os navios e submarinos de guerra. Aqui, o velho ditado de que a bandeira acompanha o comércio é verdade literal.
Em público, naturalmente, os aliados dos EUA na OTAN, incluindo a Grã-Bretanha, declararam que receberam bem a reunião de Helsinki. Dificilmente poderiam dizer qualquer outra coisa, uma vez que tudo foi organizado sem o conhecimento ou consentimento deles. Mas, nos bastidores, ficaram furiosos.
A Senhora May alertou que a reunião deve tratar da “atividade maligna” russa. Isso sem dúvida se refere às acusações (totalmente infundadas) do Serviço Secreto Britânico de que a Rússia é o principal suspeito de um ataque utilizando gás nervoso em solo britânico, que levou à morte uma mulher.
Dan Coats, o diretor de inteligência nacional dos EUA, comparou o risco dos ataques cibernéticos russos às advertências que os EUA tinham das crescentes ameaças de terrorismo antes dos ataques de 11 de Setembro. “As luzes de alerta estão piscando novamente”- disse o Senhor Coats – “A infraestrutura digital que serve este país está literalmente sob ataque”.
Coats disse que a Rússia deveria ser “responsabilizada”, mas não deixa claro como exatamente ela deveria ser responsabilizada. Os EUA já impuseram várias sanções à Rússia. Fez o seu melhor para isolar a Rússia no palco mundial e para transformá-la em um pária internacional. O que mais pode ser feito? Se os EUA estão realmente “literalmente sob ataque” da Rússia, uma declaração de guerra seria vista como o passo óbvio a dar. Por alguma razão, o Senhor Coats ainda não parece ter chegado a esta conclusão óbvia, embora um tanto quanto inconveniente.
Afortunadamente, existem outras medidas que podem ser tomadas antes de declarar guerra. De fato, esses passos podem ser dados sem dor e sem o risco da desagradável possibilidade de retaliação nuclear. São os mesmos passos que foram dados pelos círculos militares e de inteligência reacionários dos EUA há algum tempo e que agora estão atingindo um novo nível de desonestidade.
Sobre espiões e espionagem
Entre os que estão familiarizados com as sombrias artes da diplomacia e do poder político, há muito poucos que acreditam em coincidência. Certamente não foi por nenhuma coincidência que, apenas alguns dias antes da reunião de Trump com Putin se tornar pública, o Departamento de Justiça dos EUA anunciou o indiciamento de 12 agentes da inteligência russa, acusados de hackear o Comitê Nacional Democrata e a campanha presidencial de Hillary Clinton.
Tais anúncios “dramáticos” de Washington se tornaram tão rotineiros que, depois de muitos meses, apenas despertam um sentimento de tédio. Mesmo que fosse verdade, qual o valor de uma declaração que nos informa que os espiões russos estão engajados na espionagem? Isso dificilmente seria uma surpresa para uma criança de cinco anos de idade portadora de uma inteligência média.
Tampouco surpreende que, alguns dias depois, os jornais estadunidenses revelassem a sensacional notícia de uma jovem russa que foi acusada de utilizar seu charme para exercer uma influência maligna sobre inocentes políticos estadunidenses e/ou homens de negócios. A questão de por que tais figuras públicas e inocentes deveriam estar tão interessadas nos serviços de prostitutas, sejam elas de Vladivostok ou Timbuktu, é tacitamente omitida.
Espiões, por definição, estão metidos em espionagem. Mendigos, mendigam; batedores de carteira, batem carteiras; arrombadores de casas, arrombam casas; espiões, espiam. É para isto que são pagos. E é o que fazem – não apenas os espiões russos, como também os estadunidenses, os britânicos, franceses, chineses e todos os outros tipos de espiões. E, se todo espião fosse condenado por fazer o serviço que devia fazer, seria necessário fechar todas as embaixadas e consulados do mundo.
A comunidade de inteligência estadunidense dificilmente está em posição de se queixar dos espiões russos, ou de quaisquer outros, se tentam reunir informação de inteligência por meios questionáveis. Se não o fizessem, estariam faltando com o seu dever.
“Mas os russos interferem em nossos assuntos internos!” Muito possivelmente. Mas não estão os EUA interferindo nos assuntos internos da Rússia há décadas? Queixam-se do canal russo de televisão, Russia Today, que dizem ser meramente um veículo para espalhar propaganda pró-russa nos EUA e em outros países. Que dizer de Voz da América, que durante décadas gerou propaganda antissoviética em língua russa e em todas as línguas da Europa Oriental, com vistas a desestabilizar a União Soviética?
Mas os EUA não limitam sua interferência nos assuntos de estados soberanos à propaganda, programas de rádio e notícias falsas. Utilizou violência extrema para derrubar governos que eram vistos como hostis aos seus interesses. Produzir uma lista das violações estadunidenses dos direitos humanos, de assassinatos, torturas, invasões e outros meios violentos de impor sua vontade sobre outros países requereria não um artigo, mas vários volumes. É suficiente mencionar alguns casos…
O golpe de 1953 contra o primeiro-ministro democraticamente eleito do Irã, Mohammad Mosaddeq; a derrubada do governo de Arbenz, na Guatemala, em 1954; a derrubada e assassinato de Salvador Allende, no Chile; o infame golpe na Indonésia, em 1965, no qual a CIA supervisionou a matança de pelo menos meio milhão de pessoas; a tentativa de invasão de Cuba; a agressão contra a Nicarágua; a invasão do Iraque… A ladainha da agressão estadunidense é infindável. Mas estas monstruosidades não são consideradas intromissão nos assuntos internos de outros países!
“Mas a Rússia é um estado inimigo e temos de tomar essas medidas para nos proteger dos inimigos!”
Há um velho ditado que diz não haver honra entre ladrões. E os imperialistas são os maiores ladrões do planeta. É um fato que seus interesses de muitas formas estão em conflito com os interesses da Rússia e da China. Em particular, desde os dias da Guerra Fria, eles consideram a Rússia com obsessivo nível de suspeita e ódio.
Mas quaisquer que sejam os seus sentimentos em relação à Rússia, os imperialistas também confiam pouco em seus aliados. Todos espionam uns aos outros, tentando descobrir o que os outros estão fazendo. A alegação de envolvimento russo no hackeamento de documentos pode ou não ser verdade. Mas muitos países, e não menos os EUA, estão constantemente hackeando, interceptando telefones e intrometendo-se nos assuntos internos de outras nações – inclusive de seus “aliados”, como descobriu Angela Merkel.
Por trás da fachada de relações diplomáticas educadas, as potências imperialistas estão engajadas em uma luta constante por mercados e esferas de influência. Trabalham com a suposição de que as nações não têm amigos, somente interesses. Até recentemente esse jogo cínico esteve oculto sob a máscara sorridente da hipocrisia.
O Senhor Trump na Europa
Nos bons velhos tempos, reuniões de cúpula eram realizadas para declarar a solidariedade do mundo civilizado, a dedicação de seus líderes à causa da paz mundial, aos valores civilizados, à torta de maçã e à maternidade. Tais reuniões de cúpula, invariavelmente, terminavam com as fotos habituais de sorridentes líderes, diligentemente alinhados diante das câmeras. Tudo era o melhor, o melhor dos mundos capitalistas possíveis.
Mas, com o advento de Donald J. Trump, o script teve que ser reescrito. Mais corretamente, foi rasgado e jogado na lata de lixo. O Senhor Trump deixou abundantemente clara sua aversão pelas normas diplomáticas. Ele causou um escândalo na reunião do Grupo dos Sete, em junho, quando, tendo concordado em endossar o comunicado conjunto, instruiu seus representantes a não o assinarem, e por boas razões acusou o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, de mentir.
Trump chegou à recente cúpula da OTAN com toda a delicadeza e fineza de um elefante velhaco. Soprou fogo, proferiu ameaças e se engajou nas táticas de intimidação mais descaradas, exigindo que seus aliados botassem as mãos nos bolsos para gastar mais em defesa. Logo, passou a acusar a presidente alemã, Angela Merkel, de ser uma marionete russa.
Dirigindo-se a Londres, onde sua chegada era ansiosamente aguardada por Theresa May, o homem de Washington foi entrevistado por um jornal reacionário, The Sun, no qual criticou severamente o acordo do Brexit que a primeira-ministra britânica armou penosamente em uma tentativa desesperada de forrar com papel as brechas de sua liderança no Partido Conservador.
Do ponto de vista da etiqueta diplomática, não é um procedimento muito normal para um chefe de estado estrangeiro convidado interferir nos assuntos políticos internos do país que ele ou ela está visitando. Mas as sutilezas diplomáticas nunca foram muito atrativas para Donald J. Trump.
Na entrevista a The Sun, ele elogiou Boris Johnson, que, segundo ele, seria um bom primeiro-ministro. Ele não poderia ignorar o fato de que Boris Johnson, que recentemente se demitiu do gabinete da Senhora May, está precisamente engajado em uma luta para removê-la e ocupar seu lugar.
Este flagrante ato de descortesia foi comparado por um comentarista a um convidado em uma casa derramando insultos sobre a cabeça de sua anfitriã. Donald Trump finalmente embarcou em seu avião para Helsinki, deixando seus anfitriões britânicos em estado de choque e incredulidade.
“A Europa é um inimigo”
Justo quando os espantados comentaristas políticos pensavam que ele não produziria outros choques, ele fez exatamente isto. Ainda antes de ter deixado o Reino Unido, o presidente Trump informou ao mundo que não era tanto a Rússia, mas a União Europeia que era “inimiga” dos EUA. A Rússia, acrescentou, é melhor dizendo um “concorrente”.
Essa linguagem não era ouvida desde antes da II Guerra Mundial. A declaração de que a Europa não era o aliado mais próximo dos EUA, mas, na realidade, um inimigo, fez com que os nervos vibrassem nos dois lados do Atlântico. Sem dúvida, era precisamente isso o que pretendia. Quem esses europeus pensam que são? Ele colocou todos em seu devido lugar. Mas o homem com quem foi se encontrar na capital finlandesa era um assunto bem diferente.
Um dia antes de o Senhor Trump se encontrar com o Senhor Putin, Jon Huntsman Jr., o embaixador dos EUA na Rússia, minimizou as expectativas para o encontro: “Não é uma reunião de cúpula – ouvi falar que é uma cúpula – é uma reunião”, disse ele a NBC, no domingo. “Essa é uma tentativa de se ver se podemos nos desarmar e aliviar um pouco as tensões, e francamente algo de risco?, fora do relacionamento neste momento”.
Mas quando o Senhor Huntsman informou aos repórteres, este mês, para proporcionar uma visão antecipada da interação programada, ele se referiu a ela repetidamente como uma “reunião de cúpula” e a considerou um acontecimento marcante: “Vocês sabem, penso que o fato de estarmos tendo uma cúpula deste nível, neste momento da história, é um produto especial por si mesmo”, disse o Senhor Huntsman. “Não excluo que haverá algum acordo concreto que será anunciado no final da cúpula”.
Havia graves advertências de que o homem do Kremlin poderia manipular o líder estadunidense, persuadindo-o a fazer compromissos e concessões. O que ele faria? Iria cancelar os exercícios militares dos EUA ao longo do flanco oriental da OTAN? Iria reconhecer que a Crimeia faz parte da Rússia? Era sua intenção levantar as sanções estadunidenses?
O Senhor Trump considerou essas advertências com desprezo. Como experimentado homem de negócios e especulador imobiliário, ele confia absolutamente em suas capacidades de negociação: “Você sabe, o presidente Putin é KGB, e isto e aquilo”, disse o Senhor Trump. “Mas, quer saber? Putin é legal. Ele é legal. Todos somos legais. Somos gente. Se estarei preparado? Totalmente preparado. Me preparei para isto durante toda a minha vida”.
Os serviços secretos do Ocidente estão acostumados a lançar seus tentáculos por todos os cantos, para ouvir todas as conversas, interceptar todas as mensagens eletrônicas, abrir cada carta e, naturalmente, estar presente em todas as reuniões importantes. Aqui, no entanto, a porta foi rudemente fechada em seus narizes. Não podem ocultar sua indignação ao serem excluídos das negociações entre dois líderes poderosos.
E era isso precisamente o que preocupava essa gente da CIA e do Pentágono. Que decisões concretas seriam alcançadas, em privado, entre os dois homens? Seria o presidente estadunidense mais amigável com respeito a sua contraparte russa do que o foi com os líderes da OTAN ou com a Senhora May? De fato, ele dificilmente poderia ser mais desagradável!
Mas os piores temores logo foram confirmados. O presidente começou o dia da reunião culpando os EUA por suas péssimas relações com a Rússia. Enquanto se dirigia para o café da manhã no Palácio Mantyniemi, uma residência do presidente finlandês, na segunda-feira pela manhã, o Senhor Trump tuitou em duas ocasiões que a investigação do conselho especial sobre a interferência da Rússia nas eleições era uma caça às bruxas montada. Essa investigação, e “muitos anos de tolices e estupidezes dos Estados Unidos”, escreveu ele, “são a razão porque as relações dos Estados Unidos com a Rússia nunca foram tão ruins”.
No entanto, no final, o presidente estadunidense fez sua declaração mais surpreendente:
“Nossas relações nunca foram piores do que são agora. Contudo, isto mudou há cerca de quatro horas. Realmente acredito nisto”.
Que significam essas palavras? Os gabinetes dos ministérios do exterior de todos os países importantes estão acompanhando essa reunião com o maior interesse. Cada palavra está sendo analisada, ponderada e dissecada a fim de se obter algum insightdas maquinações desses dois líderes. Haverá interpretações para todos os gostos, naturalmente. Em última análise, a ciência política é tão científica quanto quando os sacerdotes de outrora liam as entranhas de animais mortos para prever o futuro.
Síria
Na realidade, ambos os homens necessitam um do outro. Putin necessita que Washington alivie as sanções que estão espremendo a economia do país. Trump necessita de algum tipo de acordo com a Rússia para permitir que se desvincule do atoleiro sírio. Ambos os homens necessitam apresentar essa reunião como um êxito maravilhoso. Seus inimigos têm precisamente a intenção oposta.
Sem dúvida, eles falaram sobre a Síria, a Ucrânia, controle de armas. Este último tema é uma questão que Putin deixou claro que deseja conversar a respeito – estendendo o tratado New START, por exemplo. Trump também está preocupado com as despesas da corrida armamentista e está, portanto, interessado em discutir segurança e estabilidade estratégica entre as duas potências. Como um bom homem de negócios, ele quer economizar dinheiro.
A ideia de um acordo com a Rússia realmente faz todo o sentido do ponto de vista dos interesses do imperialismo estadunidense. Neste caso, o instinto de Donald Trump corresponde a esses interesses muito mais do que o coro histérico da propaganda antirrussa que emana da CIA e do MI5. Os instintos básicos de Trump são isolacionistas. É por essa razão que ele quer retirar as tropas estadunidenses da Síria. Mas para fazer isso, ele necessita de um acordo com os russos. Este foi um poderoso fator em sua decisão de se encontrar com Putin.
Donald Trump era originariamente contrário à ação militar dos EUA na Síria, exigindo maior foco nas políticas domésticas. Em 2013, ele tuitou: “Esqueça a Síria e faça a América grande novamente!” Apesar disso, em abril deste ano, ele ordenou ataques com mísseis estadunidenses sobre uma base aérea do governo sírio, usando como desculpa um suposto ataque químico do governo sírio.
Ambos os líderes dizem agora que desejam trabalhar juntos para ajudar a resolver a crise síria. Os EUA e a Rússia respaldam os lados opostos na guerra civil de oito anos. Mas esta guerra realmente terminou. Assad venceu e não há força no mundo que possa removê-lo. Foi uma derrota para os EUA e seus aliados, a Arábia Saudita e Israel.
Para os linha-dura da CIA, isso é difícil de engolir. Eles persistem em suas demandas de continuar o que é um exercício militar fútil na Síria. É a Rússia que agora dá todos os tiros naquele país. Por tal razão, os linhas-duras também desejam manter um estado de conflito permanente com a Rússia. Objetivamente, esta é uma política sem sentido e contraproducente.
Trump pelo menos entendeu isso e está preparando a retirada das forças estadunidenses da Síria. Este é um fator importante em seu desejo de alcançar um acordo com Putin. “Nossos militares se deram melhor do que nossos líderes políticos durante vários anos e nos damos bem na Síria também”, disse ele. Acrescentou que os EUA queriam aumentar a ajuda humanitária ao povo sírio. Sobre a continuação do apoio militar aos rebeldes, não se ouviu uma só palavra.
Trump “culpado de traição”
O clamor contra as declarações de Trump sobre a Rússia foi imediato e totalmente previsível. Os opositores de Trump argumentam que só a realização dessa reunião proporciona a Putin um importante golpe propagandístico, mostrando que a Rússia é uma potência mundial a ser levada em conta. O próprio fato de se encontrar com o presidente estadunidense é uma vitória para Putin, um fato que levou comentaristas ocidentais a paroxismos de raiva.
Trump despertou a fúria dos serviços de inteligência ocidentais e dos fanáticos da Guerra Fria ao se recusar a mencionar as costumeiras acusações contra a Rússia: a anexação da Crimeia, o apoio aos rebeldes na Ucrânia e ao governo sírio e o suposto envolvimento no envenenamento com agentes neuro-tóxicos na Inglaterra, pelo qual o governo britânico responsabiliza o Kremlin sem produzir um só fragmento de evidência.
Mas o que realmente fez os inimigos de Trump sufocarem com seus sacos de papel foram os comentários que ele fez na conferência de imprensa que se seguiu ao seu encontro com o presidente da Rússia a respeito da suposta intromissão russa na eleição estadunidense. Quando perguntado se acreditava em suas próprias agências de inteligência, que dizem que a Rússia interferiu na eleição de 2016 nos Estados Unidos, ou no Senhor Putin, que o nega, o Senhor Trump respondeu:
“Dan Coats, o diretor de inteligência nacional, e outros funcionários de inteligência estadunidenses dizem que acham que foi a Rússia. Tenho o presidente Putin e ele disse que não foi a Rússia. Não vejo nenhum motivo para isso”.
Isso quer dizer que ele acreditava no Senhor Putin mais do que em seus próprios auxiliares.
O senador Republicano, Jeff Flake – um inimigo declarado do presidente Trump – dificilmente poderia esconder sua indignação:
“Nunca pensei que iria ver o dia em que nosso presidente estadunidense subisse ao palco com o presidente russo e culpasse os EUA pela agressão russa. Isto é vergonhoso”.
Sobre essa questão, pelo menos, há uma sólida frente única entre os políticos de todos os partidos (entre os quais, nos EUA, nós queremos dizer Republicanos e Democratas). Edward J. Markey, senador Democrata de Massachusetts, qualificou a performance do Senhor Trump como uma “vergonha nacional”.
Contudo, o comentário mais interessante foi feito pelo homem que era diretor da CIA sob o presidente Obama, John O. Brennan, que trovejou no Twitter:
(Tradução da mensagem de John O. Brennan: A apresentação de Trump na conferência de imprensa em Helsinki supera e excede o umbral de “crimes e delitos graves”. Não foi nada menos que traição. Não só os comentários de Trump foram imbecis, ele está totalmente no bolso de Putin. Republicanos patriotas: onde estão vocês???)
Se Donald J. Trump está de fato no bolso de Putin é questão de especulação. Mas o fato de que cada uma das damas e cavalheiros no Capitólio esteja realmente nos bolsos das grandes empresas, dos banqueiros e, em particular, dos fabricantes de armas, não está seriamente aberto a dúvidas.
O Pentágono, a CIA e as outras forças armadas do estado proporcionam um mercado altamente lucrativo para os senhores das armas, os quais, por sua vez, através de um pequeno exército de lobistas em Washington, lubrificam as mãos dos políticos e de outros patrióticos servidores públicos. Sua indignação diante da perspectiva de um acordo de paz com a Rússia é expressão perfeitamente compreensível desse relacionamento transacional altamente satisfatório.
“Interferência russa”
Donald Trump se queixa amargamente de que o establishment e a mídia organizaram uma caça às bruxas contra ele. Este, de fato, é o caso. Setores poderosos da classe dominante estadunidense não queriam que Trump fosse eleito. Ele era visto como pouco confiável, instável e, acima de tudo, incontrolável. O candidato das grandes empresas estadunidenses era Hillary Clinton.
Clinton era vista por muita gente como a candidata do establishment. Houve – e ainda há – um ódio crescente contra a elite de Washington; contra o poderoso e o privilegiado; e contra os dois partidos que representam, ambos, os interesses dos ricos: os Republicanos e os Democratas.
A revolta contra o establishment ficou demonstrada pelo apoio enorme a Bernie Sanders, que defendeu uma revolução política contra a classe bilionária. Mas Sanders se apresentou como candidato do Partido Democrata e este partido não tinha a intenção de permitir-lhe apresentar-se para presidente.
Em toda a farsa sobre a suposta interferência russa na campanha eleitoral, foi convenientemente esquecido que os documentos do Partido Democrata supostamente hackeados pela Rússia na verdade expunham os métodos questionáveis utilizados pelos Democratas, incluindo manobras sujas, para derrotar Bernie Sanders.
Uma vez eliminado Sanders pela camarilha de Clinton, o eleitorado foi deixado com muito poucas escolhas. Para expressar sua raiva contra o establishment, muitos votaram por Trump, que, demagogicamente, se colocou como um candidato anti-establishment.
Os Democratas têm uma explicação muito simples para a vitória de Trump: culpar os russos. Tudo o que prova é que, até hoje, o Partido Democrata não entendeu por que razão Trump ganhou as eleições. Eles prepararam uma campanha alegando que os russos eram os responsáveis pelo hacking, o que, afirmam, decidiu o resultado da eleição. Mas argumentar que o Kremlin determinou os votos de milhões de cidadãos estadunidenses é infantil ao extremo.
Crise sem precedentes
A atual situação política nos EUA, e em escala internacional, não tem precedentes na história. Um presidente eleito se encontra em confronto direto com a maioria do estado, da mídia, do FBI, da CIA e de todos os outros serviços secretos, os quais a classe dominante está utilizando para tentar se livrar de Trump.
Supõe-se que os serviços secretos devem ser secretos, e eles estão no coração do estado burguês. Para essas agências estarem em choque público com o presidente, tentando miná-lo abertamente e tirá-lo do cargo – tal coisa é algo absolutamente inédita. E em meio a todos os trovões e relâmpagos, todos já esqueceram o que se encontrava nos e-mails hackeados. E ninguém se incomoda em perguntar se o conteúdo dos últimos era de fato verdadeiro.
A crise política nos EUA prestou um serviço útil na medida em que ilumina a natureza real da suposta democracia burguesa. A classe dominante foi, há muito, compelida a aceitar (embora de forma relutante) que as massas tivessem o direito de voto. Mas aperfeiçoaram mil formas através das quais as eleições podem ser manipuladas para assegurar que seu candidato preferido seja eleito.
O sistema pelo qual as eleições nos EUA sempre resultaram na alternação dos dois partidos burgueses – os Democratas e os Republicanos – tem sido um sólido pilar de estabilidade política por mais de cem anos. Mas, agora, esse sistema está começando a se desfazer. A eleição de Trump, contra todas as probabilidades, foi uma indicação de um descontentamento massivo na sociedade estadunidense.
De uma forma peculiar e reacionária, Trump refletia esse descontentamento. Foi por isso que o establishment e sua mídia prostituta ficaram contra ele. Depois de sua eleição, a classe dominante se consolou com a crença de que poderia controlá-lo, uma vez que sempre controla os políticos dissidentes. Mas isto resultou ser um erro de cálculo. Não foram capazes de controlar Donald J. Trump e, assim, recorreram a uma campanha feroz orientada para desacreditá-lo e tirá-lo do cargo. Esta é a base real da barulhenta e persistente campanha sobre a “interferência russa” na eleição de 2016.
Trump é um político reacionário a quem nos opomos. Mas é igualmente verdade que os Democratas também são políticos reacionários que representam os mesmos interesses de classe que o atual ocupante da Casa Branca. Eles não podem ser apoiados sob forma alguma. Se um candidato socialista fosse eleito, estaríamos vendo o mesmo tipo de campanha que Trump enfrentou, multiplicada por mil.
Escusado dizer que as políticas externas tanto de Donald Trump quanto de Vladimir Putin refletem os interesses das classes dominantes russa e estadunidense. Nada de progressista pode se esperar de qualquer um deles. No entanto, a ruidosa campanha antirrussa que foi organizada pelos guerreiros da Guerra Fria nos EUA e na Grã-Bretanha é completamente reacionária.
A classe trabalhadora deve se opor a Donald Trump, mas deve fazê-lo a partir de seu próprio e independente ponto de vista de classe. Sob nenhuma circunstância a esquerda estadunidense deve se enganar e unir forças com os Democratas, por trás de cuja oposição a Trump radica o egoísmo cínico e, em última instância, uma defesa do capitalismo e do imperialismo.
Em última análise, eles defendem exatamente os mesmos interesses de classe. A principal objeção dos Democratas a Donald Trump é que é ele que está realizando essa política reacionária, e não eles. Seu verdadeiro objetivo é servir aos capitalistas e aos imperialistas de forma mais eficiente do que o faz o atual ocupante da Casa Branca. Esse não é um objetivo pelo qual a classe trabalhadora pode ter qualquer simpatia.
http://www.marxist.com/encontro-de-trump-com-putin-o-mundo-virou-de-cabeca-para-baixo.htm
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