Sociedade

Pais preferem pagar celular em 24 meses a comprar um livro, diz Ilan Brenman

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Bruno Molinero – Ilan Brenman parece estar em todos os lugares. Nascido em Israel, o escritor brasileiro tem livros traduzidos em países como Espanha, Dinamarca, Polônia, China e Coreia do Sul.

“Os livros são bem aceitos, receberam prêmios internacionais. Mas a repercussão disso no Brasil não existe. A arte para crianças ainda é vista como menor, sem importância.”, acredita.

A avaliação acontece principalmente porque, no ano passado, Brenman publicou pela primeira vez uma história inédita fora do país. O livro “Qui a Soufflé Mes Bougies?” (“Quem Assoprou as Minhas Velas?”, em português) saiu primeiro na França e já ganhou versões na Espanha, na Itália e em Taiwan –no Brasil, ainda não tem data nem editora para ser lançado.

O que não quer dizer que ele não esteja publicando por aqui também. Seu último título no Brasil é “A Menina Furacão e o Menino Esponja”, pela Trioleca (uma das ilustrações abre este texto). A história, sobre uma menina espevitada que encontra um garoto quietinho, já está de malas prontas e deve seguir em breve o destino de outras histórias do escritor. O livro tem com negociações adiantadas para ser lançado na Espanha.

Na entrevista abaixo, Brenman fala sobre o seu projeto de internacionalização e também sobre censura a livros infantis e as eleições do ano que vem.

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FOLHA – Com 20 livros publicados fora do Brasil, é uma preocupação sua criar histórias universais que possam agradar editoras de fora?

Ilan Brenman – Ao contrário. Acho que quanto mais local melhor. O processo é sempre pensar no texto e ter uma preocupação literária. Quero que as crianças riam, tenham medo, sintam empatia –ou antipatia, mas que sintam alguma coisa. Na hora em que começar a pensar no universal, não vai dar certo. Vai ser um desastre.

Mesmo assim, começou a publicar livros primeiro na Europa.

Foi passo a passo. No começo, meu sonho era publicar o primeiro livro de ficção. Até que saiu “O Pó do Crescimento e Outros Contos” (ed. WMF Martins Fontes), em 2001. Depois, quis lançar minhas histórias fora do país. Saber se os livros tinham qualidade para atingir outros públicos.

Quando deu certo, coloquei o desafio de publicar primeiro lá fora. Eu já tinha contato com diferentes editoras na Europa e, no ano passado, saiu o “Qui a Soufflé Mes Bougies?” pela editora P’tit Glenat, da França. Deu supercerto e já foi traduzido na Itália, na Espanha e em Taiwan. Estamos em negociação para publicar por aqui também. Fora isso, estou conversando com a minha editora italiana para fazer uma história exclusiva para eles.

Em outras conversas, você já disse que esse movimento de internacionalização não foi muito comentado no Brasil. Acredita que é por se tratar de literatura para crianças?

Não foi só o fato de publicar uma história diretamente lá fora. Os livros traduzidos são muito bem aceitos, receberam prêmios –o último é da Fundación Cuatrogatos, dos Estados Unidos [“El Sapo y los Niños” e “Engaños”, traduzidos para o espanhol, receberam menções na premiação deste ano]. Mas a repercussão disso no Brasil não existe. A arte para crianças ainda é vista como menor, sem importância.

Mas, quando participo de uma entrevista em outros países ou sou publicado por lá, sempre sou apresentado como autor brasileiro. De certa forma, represento o Brasil. Se fosse um escritor para adultos que vendesse o que meus livros vendem na Europa, ia ser mais chamativo. Com certeza.

Por que resolveu priorizar a Europa nesse processo?

Lá os livros têm uma qualidade surpreendente, fenomenal. Quando lanço no Brasil, quero chegar o mais próximo possível daquele nível de excelência. Não tenho interesse em fazer um produto mais ou menos. Quero livros que tenham um patamar mínimo de qualidade e de estética para a criança. Na Europa, em geral, você encontra isso. Mas não tenho dúvidas de que, um dia, vamos chegar lá.

O livro tem uma qualidade superior e, proporcionalmente, é mais barato do que aqui.

A primeira explicação é histórica. A imprensa surge na Europa no século 15. São mais de 500 anos imprimindo livros, jornais e tudo o que você possa imaginar. No Brasil, a primeira gráfica surge no século 19. Fora isso, eles têm a possibilidade de imprimir no Leste Europeu e na China, de onde estão mais próximos do que nós. E, assim, diminuir os custos da produção.

Esses dois fatores se somam ao número de leitores, muito superior ao nosso. Isso também diminui custos. Quanto mais você imprime, mais barato sai o produto. Só que no Brasil existe um ciclo que precisa ser quebrado em relação a essa ideia. Aqui imprime-se pouco porque temos poucos leitores. Mas, com poucos exemplares disponíveis, poucos leitores são formados. Isso se retroalimenta.

O livro é caro no Brasil?

Se pensar proporcionalmente no preço do livro em relação ao salário mínimo, pode-se dizer que sim. Mas a questão é mais complexa. Tem muita gente que ganha um ou dois salários mínimos, mas se esforça para dar um celular ou o boné da moda para o filho. Eles têm todo o direito de dividir o presente em quinze vezes e usar o décimo terceiro para isso. A questão não é essa.

Só que é preciso dizer a esses pais que um livro é tão importante quanto esses produtos. Na Europa, a classe operária é leitora. Você encontra bibliotecas e crianças leitoras em todas as classes sociais. Eles têm clareza da importância da literatura na formação de um país. No Brasil, pouco. Em vez de pagar R$ 40 em um livro, o pai prefere gastar R$ 40 durante 24 meses para ter um celular –sendo que o aparelho vai precisar ser trocado em pouco tempo, enquanto o livro é um brinquedo que nunca fica gasto.

O mesmo ocorre com as faixas mais ricas da população, não?

A classe média e as mais abastadas também não valorizam o livro e a literatura. As casas não têm bibliotecas, não existem livros nos quartos das crianças. Isso diz muito sobre uma parcela da nossa elite.

Qual é o caminho para reverter esse cenário?

É um processo longo, mas que está sendo trilhado. Quase todas as crianças hoje estão na escola. Já é um grande passo. Se elas estão aprendendo adequadamente, é outra questão. A próxima etapa é melhorar a escola e fazer com que os alunos estudem com qualidade. Se eles não aprenderem português direito, como vão ler livros?

Os programas governamentais de incentivo à leitura, principalmente os de compras de livros, deram certo?

Deram certo sim. Em mais de 20 anos de programas no nível federal, obras de qualidade que eram exibidas nas livrarias de São Paulo e do Rio chegavam aos confins da Amazônia. Existia também uma preocupação na formação de professores e de mediadores para que trabalhassem essas histórias.

Mas esses programas acabaram. E, com isso, o processo de incentivo à leitura no país foi interrompido. Os exemplares vão estragando nas escolas, as histórias não são renovadas. Os efeitos prejudiciais aparecerão no médio e no longo prazo. O que está sendo feito hoje vai mostrar efeitos daqui a 20 anos. Os adultos são um reflexo do passado.

A solução passa necessariamente por uma política pública do governo federal?
Não tem outra saída, ainda mais em um país com 200 milhões de habitantes. Todos os lugares do mundo que valorizam a literatura na infância fizeram isso de alguma forma. Até nos Estados Unidos. Vale lembrar a importância das bibliotecas públicas americanas.

O Temer não se diz poeta? Nunca vi o presidente falar sobre livro ou literatura. Se um cara desses não se pronuncia, se o ministro da Educação não fala ou fala pouco sobre o assunto, podemos entender que a literatura e a leitura para crianças não são uma pauta do Brasil. O que é uma pena.

Como vê esse tema à luz das eleições que acontecerão neste ano?
Depende muito do que vai acontecer. Se alguns candidatos ganharem, aí é que a coisa vai para o brejo. Porque não vai ser apenas a questão da compra do livro. Passa a ser também o conteúdo desses livros.

Você se refere ao pré-candidato Jair Bolsonaro? [Em 2016, o deputado se pronunciou contra o conteúdo do livro “Aparelho Sexual e Cia.”, da Companhia das Letrinhas, por supostamente incentivar a pedofilia ao falar para o público infantil sobre sexo]

É bem preocupante. Nossa democracia é muito nova, a liberdade de criação é recente. Alguns setores podem até não gostar de determinados conteúdos, mas não têm o direito de impedir a publicação. Isso é um aprendizado que o brasileiro precisa ter. Se você acha um livro infantil ruim, não leia aquela obra ou aquele autor para o seu filho –mas não exija a retirada dos exemplares das livrarias. Se hoje você é o autoritário, amanhã pode ser a vítima do autoritarismo. É um bumerangue.

Essa patrulha do conteúdo dos livros acontece em todos os campos ideológicos.

Hoje, no Brasil, temos grupos tanto da direita quanto da esquerda que se fecham e não querem mais construir pontes. É o que eu chamo de mito de Procusto. Esse personagem aparece na história do Teseu e tinha uma casa em que recebia viajantes. As visitas dormiam sempre em uma cama de ferro, que tinha um determinado tamanho. Se o cara fosse maior do que a cama, Procusto cortava as pernas dele. Se fosse menor, esticava a pessoa. Ou seja, sempre forçava o visitante a ter o tamanho da cama.

Esse é o símbolo do que vivemos no Brasil hoje. A pessoa tem a sua cama, a sua ideia. Se a realidade ou os fatos não se encaixam no tamanho daquela ideia, ela vai dar um jeito: vai cortar as pernas ou distorcer tudo. Acontece na literatura. Se alguém acha que determinado livro é depravado, vai encaixar toda a história no conceito de depravação. Se acha que desrespeita algum grupo, vai forçar a narrativa até encaixá-la nesse desrespeito.

Seu último livro, “A Menina Furacão e o Menino Esponja”, esbarra nesse tema, já que fala de duas crianças completamente diferentes que aprendem a conviver.

O texto nasceu porque queria falar de mim e de minhas filhas. Eu tenho uma menina furacão em casa. E fui um garoto esponja. Mas claro que esbarra em temas universais. O livro trata do diferente e de como esses opostos podem se encontrar e aprender a conviver. Alguns leitores relacionaram a história à polarização dos nossos tempos. Eu acho isso muito bonito. Isso é literatura.

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