Política Econômica da Maioria – Em sua reunião de 07/12/2017, o Conselho de Política Monetária (COPOM) decidiu baixar a taxa básica de juros (SELiC) para o seu menor patamar histórico, 7% ao ano (1). O “mercado” comemora o feito, como se agora finalmente o Banco Central estivesse levando adiante uma política mais amigável. Mas não é bem assim e muitos deles sabem, embora digam cinicamente o contrário.
A taxa SELiC nominal (a que baixou a 7% a.a.) não significa tanto assim. A variável relevante para avaliar a política monetária, a política que estabelece o “preço” do dinheiro e a sua quantidade disponível, é a taxa de juros REAL, isto é, a taxa nominal menos a taxa de inflação.
Quando os juros “caem” e aumentam ao mesmo tempo
Como podemos enxergar com toda a clareza no gráfico, as decisões do COPOM sobre o nível da taxa básica de juros acompanharam “pari passu” a flutuação do nível geral de preços nos últimos três anos. Mas dirá o economista neoliberal de plantão: “ah, claro, o Banco Central age de maneira ‘responsável’ para controlar o nível de preços, aumentando os juros sempre que ‘necessário’ para conter a aceleração da inflação” (!)… Quanta bobagem!
A verdade é que o raciocínio do nosso economista neoliberal simplesmente confunde causa e efeito. O aumento da inflação “causa” o aumento dos juros, o que não é algo necessário, é uma decisão política; mas o aumento dos juros ajuda em pouco ou quase nada a reduzir a inflação, porque os juros “baixos” (que na verdade não eram baixos!) não eram a causa de fato do aumento da inflação.
No período em questão, pode-se ter absoluta certeza que a taxa de inflação acelerou devido a causas que não tinham absolutamente nada a ver com a taxa básica de juros ou o nível da “demanda agregada” da economia, que leva em consideração a disponibilidade de crédito (vamos tratar disso mais adiante).
Por outro lado, defendemos que a taxa básica de juros acompanhou paralelamente (e a posteriori) a subida do nível de preços única e exclusivamente para manter uma quantia “aceitável” de pagamento de juros reais (um dos mais altos do mundo!) aos rentistas em geral e banqueiros em particular.
Era preciso fazer o dinheiro dos ricos render! Por que os ricos precisariam explorar força de trabalho para fazer mais dinheiro se a economia desacelerava e os juros reais estavam ancorados na média dos 5% a.a.? Além disso, como podemos observar, a taxa de desocupação, mais conhecida como desemprego, EXPLODIU em decorrência direta do aumento dos juros, numa verdadeira relação de causalidade.
O curioso dessa história é que quando os juros nominais estiveram mais altos, em 14.25 a.a., os juros reais efetivamente pagos chegaram ao nível mais “baixo” – embora alto, de todo caso (janeiro de 2016). Por outro lado, quando os juros pareciam “cair” mais aceleradamente, tivemos a maior taxa de juros reais registrada (janeiro de 2017). Isso demonstra como faz pouco sentido a euforia com a “queda” dos juros que, repetimos, mantém-se, em termos reais, estável em elevado patamar ao longo dos últimos três anos.
Como funciona a SELiC?
A Taxa SELiC é a taxa definida deliberadamente pelo Banco Central que remunera a maior parte da carteira de títulos do próprio Banco Central.
Com uma quantidade colossal de títulos, grosso modo, dia após dia o Banco Central realiza operações de compra e venda de títulos em troca de reservas bancárias, regulando deste modo a disponibilidade de dinheiro na economia como um todo (“liquidez”).
Se a taxa SELiC descontada a inflação é alta, os bancos simplesmente adoram, porque o governo lhes garante alta remuneração sem nenhum risco; logo, eles não precisam tanto emprestar para famílias e empresas, o que poderia ter risco de inadimplência, e isso explica porque as taxas de juros cobradas pelos bancos são surrealmente altas*.
Para saber com detalhes como funciona a taxa SELiC, clique aqui: https://goo.gl/u76F5J
Inflação e desemprego
Segundo os economistas neoliberais ou “ortodoxos”, baixo desemprego provoca alta inflação, porque isso significa que as pessoas estão consumindo demais e isso está suplantando a capacidade de ofertar os bens e serviços a serem consumidos. Nosso gráfico mostra o tamanho dessa bobagem. Em 2014, e antes, tínhamos baixo desemprego e inflação controlada.
A inflação, por sua vez, só acelerou a partir de 2015 por causa de fatores que não tinham nada a ver com a “demanda” (muito crédito, muito investimento, muito emprego, muito salário, muito consumo), mas sim com CUSTOS. A curva do desemprego, por sua vez, foi puxada pela curva dos juros.
Juros e inflação
Pelo raciocínio de nosso economista neoliberal ou “ortodoxo”, tudo se passa como se o dinheiro barato (crédito) pressionasse a demanda das famílias e empresas por bens e serviços, quando a capacidade da economia de ofertar esses bens e serviços se encontra no seu limite, sem nenhuma ociosidade, de modo que tenderia a encarecer os bens e serviços… O raciocínio é tão coerente quanto, no caso, falso.
Como se pode observar no gráfico, o dinheiro não estava exatamente “barato” em 2014, pois seu preço (juro real, ou seja, SELIC menos inflação) é estável em toda a série. Além disso, a economia estava desacelerando (2) e havia em torno de 20% de capacidade ociosa na indústria, o que significa que a economia não estava nem perto de produzir tudo o que podia produzir, de modo que a demanda suplantasse a oferta e isso aumentasse os preços (3). Logo, o raciocínio “ortodoxo”, no caso em questão, não faz o menor sentido.
Assim, o que causou a aceleração da inflação a partir de janeiro de 2015? Algo que não tinha nada a ver com taxa de juros e que também era de total controle do governo: o aumento dos preços administrados.
As análises da composição do principal índice de preços do país, IPCA, ao longo de todo o ano de 2015 mostram que os principais responsáveis pela alta dos preços foram os aumentos na energia elétrica, gás de cozinha, combustíveis, transporte público e preços de plano de saúde (4).
“A análise desagregada do IPCA revela que a correção dos preços administrados fez com que a sua variação acumulada em 12 meses saltasse de 4,3% em maio de 2014 para 14,1% em maio deste ano” (5)!
Some-se a isso o peso da inflação de alimentos, em decorrência de fatores extraeconômicos, como eventos climáticos, o que não tem nada a ver com taxa de juros!
Provavelmente, o único elemento com alguma relevância na composição da inflação do período que foi freado pelos juros altos é a taxa de câmbio. Se os juros são altos face a outros países, isso atrai divisas, o que valoriza a moeda brasileira.
Por outro lado, se o Real se desvaloriza, a importação de insumos e bens de capital encarece, e esses preços são repassados para os demais. Mas esse elemento foi apenas marginal na composição do índice.
Com base no gráfico, o máximo que poderíamos admitir é que o aumento vertiginoso do desemprego apenas reforçou a desaceleração da inflação passado o efeito do choque de preços administrados.
Disso, o que podemos inferir com segurança, é que a taxa de juros aumentou tendo a inflação como pretexto, mas a inflação que de fato ocorreu no período não era sensível aos juros e foi provocada pelo próprio governo. Do que se resume que o governo subiu os juros para dar uma “ajudinha” aos endinheirados, protegendo-os da crise (mesmo ao custo de piorá-la), em especial os banqueiros, que não à toa tiveram os maiores lucros da história bancária brasileira em 2015 e 2016 (6).
O Banco Central, hegemonizado pelo pensamento ortodoxo, toma como seu principal objetivo “proteger o poder de compra da moeda nacional”. Resulta daí ele ser uma mãe superprotetora para os ricos, já que a proteção do poder de compra da moeda sempre vem acompanhada de uma enorme “gordurinha”.
Juros e desemprego
A manutenção de uma enorme taxa de juros reais, naturalmente, manteve o crédito caro a que estamos há muitos anos acostumados, o que dificulta o investimento das empresas (sobretudo setores sensíveis a crédito barato, como construção civil) e o acesso das famílias ao financiamento de bens. Assim, reforçou-se a deterioração da atividade econômica, produzindo-se como resultado mais desemprego.
Para fazer frente a esses juros, o governo começou seu “ajuste fiscal” cortando gastos com a desculpa de desacelerar o aumento da dívida pública, que cresceu desenfreadamente, por sua vez, por causa da incorporação de juros ao estoque e não porque gastávamos muito com saúde, educação, investimentos etc.
Isso ocorreu porque pelo menos 1/3 da Dívida Pública Federal interna em títulos** é atrelada à SELiC (7), e os outros 2/3 da dívida saem ainda mais caros para o Tesouro Nacional. Logo, o aumento da SELiC aumenta a carga de juros, e como não dá simplesmente para “economizar” com todas as outras despesas, esses juros são incorporados à dívida, sendo essa a razão para ela ter crescido 21,4% em 2015, 11,45% em 2016 e 10,46% até outubro de 2017 (8).
A redução do gasto público gerou ainda mais desemprego. Menos investimentos públicos, menos salários pagos, menos encomendas às empresas etc. etc. O desemprego, por sua vez, produziu uma tendência ao rebaixamento dos salários, pois se há muita gente querendo uma vaga, os patrões aproveitam para pagar menos. Isso reduz o consumo agregado das famílias e joga a atividade econômica ainda mais para baixo.
Em contrapartida, na medida em que os salários foram rebaixados, o Estado se endividou ainda mais para manter a fortuna dos ricos, de modo que pagamos mais de 500 bilhões em juros em 2015, mais de 400 bilhões em 2016 e já pagamos até outubro de 2017 mais de 330 bilhões (9).
Além disso, a baixíssima inflação que tivemos em 2017 é em parte explicada pelo estrangulamento do mercado de trabalho pela taxa de juros real.
“Ah, mas os juros estão caindo sim!”
Alguns economistas batem o pé afirmando que os juros reais estão caindo porque seu cálculo “ex-ante”, ou seja, com base na projeção de inflação em 12 meses, está indicando queda acentuada.
Mas vejam bem: projeção de inflação e nada dão no mesmo. Em janeiro de 2017, o Banco Central calibrava a taxa de juros baseando-se em uma projeção de inflação para 2017 de 4,8% (10). Mas a inflação que de fato vamos ter em 2017 será de menos de 3%.
Não se pode descartar a hipótese de que o “mercado” infle suas próprias expectativas de inflação, captadas pelo Banco Central…
De todo caso, ocorre o seguinte: pouco importa a expectativa de inflação, pois o Banco Central, que é dominado por gente muito prestativa com os ricos, vai sempre ajustar a taxa de juros conforme a inflação que for se dando, e não com base nas expectativas de inflação.
É tão somente por essa razão que os juros reais vão continuar altos: a cada um mês e meio o Conselho de Política Monetária vai simplesmente ajustar a taxa de juros ao que estiver ocorrendo. E o fato de a inflação efetiva em 2017 ter sido tão baixa (ao custo da manutenção de uma enorme e desnecessária taxa de desemprego) explica porque chegamos em um taxa de juros aparentemente tão baixa em termos nominais.
É por esses fatos serem observáveis que preferimos simplesmente apontar uma tendência sobre o que vai acontecer no futuro com base no que já aconteceu nos últimos três anos, ao invés de nos basearmos em suposições vãs.
O futuro do emprego
O choque de preços administrados, seguido pelo choque de juros, seguido de cortes de gastos públicos para fazer frente ao pagamento desses mesmos juros serviram pra deslocar a curva do nível de emprego para outro patamar (o que é cristalino no gráfico).
O verdadeiro “ajuste” foi com toda certeza no mercado de trabalho!
Dado o congelamento do gasto público por longos 20 anos por causa do “teto de gastos” (Emenda Constitucional 95); dada a reforma trabalhista, que reforça a tendência ao rebaixamento dos salários e do consumo das famílias ocasionada pelo desemprego; se passar a reforma da previdência, que exclui o acesso a benefícios previdenciários; dado que estamos totalmente à mercê do agronegócio voltado para exportação, que gera poucos empregos e baixo crescimento, por causa do processo de desindustrialização e da corrosão do mercado interno; e dado que o Banco Central provavelmente continuará com uma política monetária que tem como única premissa a manutenção da fortuna dos ricos: o cenário mais provável para o futuro do emprego é que ele se “estabilize” com altas taxas de desocupação e grande rotatividade.
Um futuro diferente disso, com pleno emprego e uma Política Econômica da Maioria, só depende de nós.
Referências
2 Ver Contas Nacionais Trimestrais do IBGE: https://goo.gl/KzMDGj
3 Indicadores Industriais, CNI: https://goo.gl/1n986u
4 Ver Cartas de Conjuntura do IPEA sobre inflação. Março de 2015 (https://goo.gl/c5SWN4); junho de 2015 (https://goo.gl/dUKphM); setembro de 2015 (https://goo.gl/Cu7YLQ) e dezembro de 2015 (https://goo.gl/2HmTTw).
5 Carta de Conjuntura, Inflação, IPEA, junho de 2015, pg. 3: https://goo.gl/dUKphM
6 Relatório Desempenho dos Bancos, DIEESE: https://goo.gl/vb6UKm
7 Ver Relatório Mensal da Dívida, Tesouro Nacional, de outubro de 2017: https://goo.gl/AZbFQ7
8 Relatório Anual da Dívida 2015, pg. 35 (https://goo.gl/uAheAu); RAD 2016, pg. 27; Relatório Mensal da Dívida, outubro de 2017, pg.12.
9 Ver os relatórios de Política Fiscal do Banco Central: https://goo.gl/mPKaUm
10 Ata do COPOM de 10 e 11 de janeiro de 2017: https://goo.gl/fgyq8r
*Para consultar as taxas de juros cobradas pelos bancos em atuação no país, clique aqui: https://goo.gl/eaaHjT
**Não confundir com a carteira de títulos do Banco Central mencionada anteriormente.
Os dados para confecção do gráfico foram obtidos em:
– Taxa de desocupação. Relatório PNAD 3° tri. de 2017: https://goo.gl/3mbcjc (pg. 29)
– Variação da inflação acumulada em 12 meses. Relatório INPC-IPCA out. 2017: https://goo.gl/Vq7zAw (pg. 15)
– Taxa SELiC: https://goo.gl/tE3MgB
http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12992-a-taxa-basica-de-juros-esta-mesmo-caindo
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