Sociedade

A lição que vem da periferia

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Nabil Bonduki – Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo com moradores da periferia de São Paulo que são antigos eleitores do PT e que mudaram de candidatos em 2014 e 2016 constatou que valores supostamente liberais, como o empreendedorismo, a meritocracia e o esforço individual, estão muito presentes.

O estudo vem recebendo interpretações apressadas e equivocadas, reforçadas pela polarização que se formou na sociedade brasileira. Parte da esquerda ficou perplexa e avaliou que os programas de inclusão social do PT falharam, gerando um grupo social “ingrato” que, após se beneficiar de um governo progressista, virou a cara e mudou de “lado”. Já a direita comemorou: os valores do liberalismo teriam chegado aos mais pobres, que teriam abandonado o barco esquerdista.

Conhecendo e atuando há 40 anos nas periferias de São Paulo, a pesquisa não me surpreendeu. Esses valores sempre estiveram no ideário da periferia. Isso não significa, entretanto, que ela quer um Estado liberal.

A periferia é fruto do empreendedorismo popular. A casa própria é, ao lado da educação para os filhos, o sonho da família trabalhadora. E o autoempreendimento foi o caminho encontrado pelo morador para obter a casa própria. Mas, ao mesmo tempo em que valoriza a capacidade de empreender, ele se organiza para pressionar o poder público a implantar serviços.

Da experiência do autoempreendimento da casa, o movimento de moradia tirou a proposta do mutirão autogerido, combinando um empreendedorismo coletivo e solidário com a presença do poder público no acesso à terra e ao financiamento.

O VAI, programa público de cultura que já apoiou milhares de projetos na periferia, é fruto da efervescência e do empreendedorismo da juventude periférica, que se orgulha de suas iniciativas, mas sem relacioná-las ao liberalismo.

Na educação, o sistema de cotas raciais em universidades públicas não está em contradição com o mérito. As cotas enfrentam a injustiça histórica que condenou à exclusão a maioria dos brasileiros que não pertence à elite branca, mas elas não dispensam o esforço pessoal e o mérito, porque as vagas são insuficientes e o diploma superior deixou de ser um passaporte para um bom emprego.

A lição que vem das periferias é clara: um poder público que garanta direitos é indispensável, mas isso não exclui o mérito, o esforço pessoal e o empreendedorismo, preferencialmente o comunitário. A experiência soviética já mostrou o desastre que é anular a iniciativa individual; o Estado não é capaz de garantir o paraíso na Terra. Mas acreditar que o individualismo, em uma sociedade capitalista, competitiva e injusta, possa garantir o bem-estar é uma ilusão que o neoliberalismo quer vender para o povo.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/nabil-bonduki/2017/05/1882307-a-licao-que-vem-da-periferia.shtml

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