Política

Nem de esquerda nem de direita, paulistano se diz “pouco conservador”

Tempo de leitura: 7 min

ANDRÉ DE OLIVEIRA – Pesquisadores da USP e Unifesp revelam um cidadão de São Paulo solidário com as causas feministas

As ruas de São Paulo não pararam desde junho de 2013, quando a cidade se transformou no epicentro de massivas manifestações que se espalharam por diferentes regiões brasileiras – pegando de surpresa de Governos a analistas políticos. Já no ano de 2014, registrou uma disputa acirrada na reeleição de Dilma Rousseff, além de movimentações contrárias à realização da Copa do Mundo no Brasil. Em 2015, viu crescer de forma organizada um movimento de rua que pedia a deposição da ex-presidente. Por fim, neste ano foi palco das maiores mobilizações brasileiras contra e pró-impeachment, além de ter se tornado símbolo de um cenário de decadência do PT, com a derrota do prefeito Fernando Haddad.

O cenário pode dar ideia de uma cidade altamente politizada e, para muito, tem sido o reflexo de uma inflexão da população a pautas políticas da direita. Um grupo de pesquisadores da USP e Unifesp, que há três anos vem acompanhando as mobilizações nas ruas da cidade, agora apresenta um levantamento inédito feito com 1.058 pessoas de todas as faixas de idade, gêneros e regiões da cidade, que procura traçar um perfil político do paulistano. O primeiro dado que chama atenção, destaca Esther Solano, uma das coordenadoras do levantamento, é de que 83,2% dos paulistanos não participaram de nenhuma manifestação neste ano. “Outro fato é a dificuldade que as pessoas têm em se definir de esquerda ou de direita”, diz Solano, que é professora de Relações Internacionais na Unifesp. Quando essa pergunta é colocada, 54,3% dizem não se identificar com nenhum dos campos e 14,3% afirmam não saber.

Contudo, quando as designações clássicas dos campos políticos são substituídas por “muito conservador”, “um pouco conservador” e “nada conservador”, há mais clareza. Do total de entrevistados, 32,6% se enxergam no primeiro espectro, 36,6% no segundo e 19,1% no terceiro. 11,7% não sabem dizer. Olhando para esses dados, Solano destaca que conservadorismo tem muito pouco a ver com adesão a pautas liberais – que têm sido caras à parte da direita. Apesar de uma maioria dficar entre “muito e um pouco conservadores”, quando no geral são confrontadas com a frase “num momento de crise, o Governo precisa cortar gastos em saúde e educação”, uma maioria de 88,8% diz não concordar. Além disso, 83,8% acreditam que todos deveriam trabalhar com regime de carteira assinada e 54,1% concordam que o Bolsa Família é um programa necessário para reduzir a desigualdade socioeconômica brasileira.

Até pautas ligadas a questões mais identitárias, como o papel da mulher na sociedade e casamento LGBT, têm, muitas vezes, adesão de uma parcela expressiva da sociedade paulistana. 86,5% das pessoas concordam que as mulheres devem ter o direito de se vestir como quiserem e 56,9% não concordam com a frase: “só pode ser considerada família a união de um homem uma mulher”. Solano aponta que, de forma geral, quem se diz de esquerda ou “nada conservador” costuma ter opiniões mais consolidadas para assuntos específicos. Ou seja, há pouca surpresa na opinião das pessoas quando elas se identificam como “nada conservadoras”. “Nas questões identitárias, por exemplo, fica claro que a esquerda tem uma posição mais bem marcada”, comenta.

Segundo Solano, o que vem marcando posições conservadoras e de direita, neste momento, é o rechaço ao PT e o apoio ao impeachment. “São questões, contudo, circunstanciais. A pessoa pode se definir como conservadora ou de direita por concordar com o impeachment ou ser contra os Governos do PT, mas, quando confrontada com outras questões, não dá respostas características do espectro político”, diz. Isso, para ela, é prova da volatilidade de opiniões no espectro.

A pesquisadora ressalta também que independente do posicionamento político, as entrevistas deixaram claro dois dos principais temas deste ano. O primeiro é que as pessoas se dividem meio a meio quando o assunto é o impeachment – 41,4% afirmam que o que ocorreu no Brasil foi um golpe, enquanto 44,2% acreditam que o processo de deposição foi correto. É a famosa polarização confirmada. O segundo tema é o enfraquecimento da imagem ou, nas palavras de Solano, das “narrativas do PT”. Apenas 26,4%, por exemplo, concordam que o partido é vítima de perseguição da imprensa e do juiz Sergio Moro, enquanto 55,5% não concordam com a afirmação. Além disso, 45,3% concordam com a afirmação; “O PT se apropriou do Governo para roubar”, enquanto 34,9% a rechaçam.

Punitivismo e evangélicos

Para além de espectros políticos, um tema que encontra grande adesão em toda a população é o punitivismo. Quando confrontadas com a afirmação: “precisamos punir os criminosos com mais tempo de cadeia”, 73,8% dos entrevistados dizem acreditar que ela está correta. A opinião é compartilhada por 87,9% das pessoas que se dizem “muito conservadoras”, 76,4% que se dizem “um pouco conservadoras” e até mesmo por 46,2% de quem se define como “nada conservador”. O dado é revelador da opinião de que existe crime por falta de punição.

Pesquisa elaborada em parceria entre pesquisadores da USP e Unifesp
Pesquisa elaborada em parceria entre pesquisadores da USP e Unifesp

“O tema do punitivismo deixa claro que este é um traço da sociedade brasileira, mais do que de espectros e crenças políticas”, diz Solano. Não é preciso refletir muito para encontrar reflexos desse pensamento no cotidiano. Frases como “bandido bom é bandido morto” não só se tornaram chavões na sociedade, como são apoiadas por 57% das pessoas, como deixou clara uma pesquisa do Datafolha no começo de novembro. Ou seja, a ideia de que a solução está na punição é muito forte no Brasil. O país tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo, com milhares de presos esperando por julgamento, mas patinando em índices de violência e corrupção.

Com a chegada de Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, à Prefeitura do Rio de Janeiro, muitos analistas apontaram que, enfim, os evangélicos tinham passado de apenas conquistar cargos políticos no Legislativo, para começarem a ocupar também postos importantes no Executivo. Em São Paulo, a candidatura de Celso Russomanno (PRB), ligado à Universal, não decolou, mas a vitória na capital carioca foi suficiente para que a ascensão dos evangélicos fosse vista como uma realidade nacional. O que muitas vezes se destaca disso é que evangélicos neopentecostais – como é o caso dos fiéis da Igreja Universal – são conservadores e, cada vez mais, adeptos de pautas da direita. Não é exatamente o que a pesquisa mostra.

A grande maioria, de 67,3%, diz não ter preferência por direita ou esquerda. Quando a pergunta é se eles se definem como “muito conservadores”, “um pouco conservadores” ou “nada conservadores”, contudo, as duas primeiras opções ganham com folga. Em entrevista recente ao EL PAÍS, o sociólogo Roberto Dutra questionou a ligação direta entre o conservadorismo dos evangélicos e as pautas de direita. O questionamento vem a calhar com a pesquisa. Para ele, a esquerda costuma confundir questões que são mais expressão das aspirações e preocupações da população evangélica do que, propriamente, de conservadorismo.

Para Dutra, o fato da família ser um tema constante entre os evangélicos, revela mais o medo da desagregação familiar do que propriamente de uma concordância com temas como o rechaço ao casamento LGBT. “Em outro levantamento que fizemos nas redes sociais, vimos que em grupos e páginas evangélicas a política quase nunca é o tema principal, assim, pode haver, de fato, uma leitura equivocada entre as preocupações e a crença política dessa população”, diz Solano. Para ler o levantamento completo, elaborado pela pesquisadora em parceria com Pablo Ortellado e Marcio Moretto Ribeiro, ambos da USP, clique aqui.

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/23/politica/1479932546_243619.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM

Deixe uma resposta