Política

Greve na USP e o bunker de chumbo

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CÉSAR AUGUSTO MINTO – O editorial “Greve na torre de marfim”, publicado nesta Folha em 25 de maio, tece uma leitura superficial dos motivos da greve na USP.

Não informa ao público que a razão primeira da paralisação dos funcionários foi a intimação de despejo da sede do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), desferida por exclusivo arbítrio da reitoria.

Também deixa de informar que docentes, funcionários e estudantes lutam contra a não reposição de quadros de servidores falecidos e aposentados, o que afeta gravemente a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão.

A USP, longe de ser uma “torre de marfim”, devolve à sociedade um número expressivo de professores da educação básica, de mestres e doutores que abastecem universidades estaduais e federais país afora. A universidade é bem posicionada mundialmente, por diversos indicadores, pela qualidade da formação de seus mais de 95 mil estudantes, de graduação e pós-graduação.

O editorial identifica um, digamos, “descalabro administrativo”, mas não investiga suas causas. Constata o fato, mas erra o alvo. A principal causa decorre de manobras contábeis que o governo do Estado de São Paulo faz com a parcela do ICMS destinada às universidades, não contabilizando, por exemplo, juros de mora do imposto em atraso, o desconto prévio da habitação, os recursos do programa Nota Fiscal Paulista, como se tudo isso não fosse o imposto.

Ademais, o governo não honra sua palavra de aumentar o percentual de repasse em função da ampliação dos campi e do incremento expressivo de graduandos -mais de 75% em relação a 1995.

Tais manobras provocaram uma diminuição no repasse da ordem de R$ 317 milhões em dois anos (2014 e 2015). Por outro lado, o descalabro administrativo vem sendo aprofundado pela atual gestão da reitoria.

É um desmonte que só parece favorecer os interesses privados: a perda de mais de 1.400 funcionários -com a queima, via Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário, de R$ 280 milhões da reserva de R$ 2 bilhões que a USP tinha no início de 2015-, provocando caos em todas as unidades; o sucateamento do Hospital Universitário, local ímpar de formação de futuros médicos e enfermeiros; o estrangulamento das creches e da Escola de Aplicação.

A Folha também não informa que os docentes estão em greve contra um sistema de “avaliação” prestes a ser imposto pela reitoria. Tal aferição e controle centralizados propiciam que uma espécie de Olimpo de sete “deuses” ungidos pelo reitor, Marco Antonio Zago, determinem os rumos da universidade com critérios de gestão de pessoal, a despeito de qualquer conteúdo acadêmico.

Nós, docentes, defendemos uma avaliação conceitual, diagnóstica, qualificada, transparente e descentralizada, independente da burocracia da administração.
A USP não é uma “torre de marfim”, mas contém um bunker de chumbo: o da reitoria, impenetrável em suas contas e em suas motivações de fundo.

Por fim: temos, sim, direito a reajuste salarial que reponha a inflação. Não se trata de “direito divino”, mas terráqueo, de quem vive em uma economia inflacionária e precisa subsistir.

http://m.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1779335-greve-na-usp-e-o-bunker-de-chumbo.shtml?cmpid=compfb

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