Economia

Água dura em pedra mole

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Laura Carvalho – Diante da escalada das tensões comerciais entre Estados Unidos e China e dos impactos da reversão dos fluxos globais de capitais sobre as economias emergentes, o relatório da OCDE divulgado nesta quarta-feira (21) reduziu as expectativas de crescimento para a economia mundial de 3,7% para 3,5% em 2019.

Após a queda brusca no preço de ações de tecnologia nos mercados americanos na terça (20), analistas mais pessimistas chegaram a fazer previsões de uma nova crise global.

Operador na Bolsa de NY, que passa por sucessivas quedas

Operador na Bolsa de NY, que passa por sucessivas quedas

Em artigo publicado no jornal Financial Times nesta quarta-feira, intitulado “The hidden costs of macroeconomic moderation”, Martin Sandbu alertou para uma característica importante das flutuações econômicas: enquanto períodos de aquecimento do mercado de trabalho costumam beneficiar mais os trabalhadores mais jovens e com menor grau de escolaridade, as fases de desaceleração e crise atingem desproporcionalmente esses trabalhadores, que acabam sendo demitidos primeiro e recontratados por último.

Nos dados apresentados por Sandbu para os Estados Unidos e o Reino Unido, vê-se nitidamente que a proporção de jovens no total de desempregados aumenta muito durante as recessões e volta a cair durante as fases de expansão da economia. Segundo o analista, o mesmo comportamento é observado para a proporção de trabalhadores sem diploma de ensino médio.

O custo das flutuações econômicas seria, portanto, assimétrico: “Trabalhadores jovens e mais vulneráveis sofrem muito mais com elas [as flutuações] do que um trabalhador médio”, conclui Sandbu.

Para além dos efeitos nefastos do ponto de vista da justiça social, o analista lembra que a experiência do desemprego muito cedo pode impactar de forma permanente a produtividade desses trabalhadores, elevando os custos de longo prazo da crise para toda a economia.

No Brasil, os dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios) sugerem que, desde o quarto trimestre de 2014, o nível de desocupação —percentual de pessoas que se declaram desocupadas em relação ao total de pessoas em idade para trabalhar— aumentou mais do que a média entre os trabalhadores com ensino fundamental completo (de 4,1% para 7,7%) e entre aqueles com ensino médio incompleto (de 6,4% para 12,1% no mesmo período).

No recorte por idade, o nível de desocupação cresceu desproporcionalmente entre trabalhadores na faixa de 18 a 24 anos:  subiu de 9,5% para 17,8%, ante um aumento de 4% para 7,3% no total da população.

Quando se considera apenas o universo de trabalhadores que estão na força de trabalho —e não mais todos aqueles em idade para trabalhar—, a taxa de desocupação parece ter crescido ainda mais entre os sem instrução e os com ensino fundamental incompleto, bem como na faixa de idade entre 14 e 17 anos.

Segundo as estimativas divulgadas em setembro em um levantamento da FGV Social, dirigido por Marcelo Neri, a crise dos últimos quatro anos elevou a desigualdade de renda a uma velocidade 50% maior do que o ritmo de redução de desigualdade que observamos desde o início dos anos 2000.

Como apontou Neri, “a própria desigualdade aprofunda a recessão, já que os pobres consomem uma parcela maior da renda”.

A desaceleração da economia mundial chega, portanto, em meio a um quadro pouco promissor para a economia doméstica e, sobretudo, para a base da pirâmide.

A ausência de propostas do governo eleito para um crescimento econômico inclusivo pode adiar ainda mais, para a maioria dos brasileiros, a restauração do padrão de vida que tinham antes da crise.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/2018/11/agua-dura-em-pedra-mole.shtml?fbclid=IwAR0nJUid3Kivzuw_A4UJudUmme8XRdMKnsWwoeVQQx2EosuKoaDxpaTYHws

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