DIEGO TAVARES – A conjuntura aponta para uma unidade prática entre as expressões políticas e eleitorais da direita: o autoritarismo.
Liberalismo e autoritarismo
O neoliberalismo leva ao fim do futuro e a necessidade de gerenciamento de uma crise social crônica. Nas últimas décadas pensou-se que o liberalismo econômico estaria inevitavelmente associado ao liberalismo político e apenas ocasionalmente exigiria austeridade econômica como medida amarga temporária que levaria em seguida ao crescimento. Todavia, nos marcos da crise estrutural do capital não há mais saída para a crise, logo não há mais saída do ajuste. Armínio Fraga, guru neoliberal, em recente entrevista à Folha de São Paulo, defende a perenidade da austeridade e critica a velha noção de temporariedade do ajuste. Em sua ótica, em tempos neoliberais, é melhor aceitar a miséria como parte da paisagem. A narrativa deste projeto de aprofundamento da hegemonia do capital privado sugere a espoliação, a explosão da rebeldia (ainda que inicialmente desorganizada) e a criminalização da luta social como desfecho. Se no longo prazo o capitalismo precisa da regulação estatal, as imposições contraditórias do presente levam-no a empenhar o futuro. Por meio da manutenção de um sistema político pautado na regressividade tributária e na entrega do orçamento às grandes corporações, os liberais esgarçam a legitimidade do Estado, restando ao poder político neoliberal pouco mais que a repressão como forma de governo. A tendência da unidade prática entre liberais e autoritários, faz Bolsonaro buscar apoio junto a elite econômica, enquanto esta flerta com o autoritarismo como compressor da rebeldia contra o retrocesso social. Nas eleições de outubro, a direita que se viabilizar (Meirelles, Alckmin, Bolsonaro ou qualquer outra figura), inevitavelmente mobilizará o autoritarismo como forma de gestão econômica liberal das “multidões perigosas”, cujas demandas sociais são convertidas em acusações de terrorismo.
Lula, Ciro e o esgotamento do centro
Lula está preso para consumar o golpe. Apesar da trajetória errante dos governos petistas e dos acenos de repactuação, pode-se dizer que o ex-presidente segue preso para evitar que a conjuntura leve-o à esquerda. Com a prisão, torna-se cada vez menos provável reproduzir o pacto lulista: sem um líder popular de massas e em condições econômicas desfavoráveis, o grande capital privado mostra-se indisposto ao diálogo. Estes sinais de esgotamento infelizmente não impediram o petismo de apostar em velhas práticas, de maneira que para garantir a viabilidade eleitoral do partido, isolou-se Ciro Gomes por meio de acordos com golpistas do MDB e do PSB no nordeste. No atual quadro, o pragmatismo eleitoral tem seus desgastes diante das bases partidárias mais engajadas na luta contra o golpe. Nesse sentido, uma eventual candidatura de Haddad nasce enredada de expectativas com a eleitorado de esquerda ao mesmo tempo em que se compromete com acenos e acordos lamentáveis.
Cada vez mais isolado e após ter sido abandonado pelo “centrão” fisiológico e conservador e pelo PSB, Ciro Gomes consolidou chapa presidencial com Kátia Abreu, que mais demonstra a fragilidade de sua abrangência nacional do que uma efetiva aliança com o agronegócio. Ao fim e ao cabo, Ciro parece não ter entendido porque há algumas semanas foi hostilizado por industriais na FIESP enquanto lhes propunha um programa industrialista fundado na regulação do mercado financeiro. Se num primeiro plano a postura destes empresários parece incompreensível, o fim das possibilidades de pacto social indicam que os industriais esperam seu naco do orçamento à custa do estado social e não da redução das vantagens de seus parceiros de classe. Se não aceitam nem Lula com seu trunfo de apoio popular, quanto mais Ciro, um líder notavelmente mais fraco. Estes industriais não acreditam em privilégios para si em detrimento do capital financeiro e do agronegócio. Alguns empresários do setor preferem Alckmin, outros optam por Bolsonaro e suas bobagens, certos de que apesar de tudo, é o único que por não ter compromissos com a civilidade pode entregar algum industrialismo, especulação financeira e privilégios ao agronegócio sob uma chuva de bombas de gás lacrimogêneo. Ainda não há unidade política entre os diversos segmentos do capital, exceto quanto ao fato de que a próxima liderança deverá ser impetuosa contra as camadas populares. Nesse ínterim, travado no sul do país por Álvaro Dias (Podemos), Alckmin se perde entre a direita e a extrema-direita, enquanto o silêncio crônico de Marina Silva explica-se provavelmente por ela não ter muito a dizer. Mundo afora há uma profunda crise do centro político justamente pela impossibilidade de cumprir suas promessas de conciliação. No Brasil, ganham terreno as candidaturas outsiders, embora tudo indique que elas ainda não tenham força para se impor sobre os grandes partidos. Assim, a crise do centro político não quer dizer que seus representantes não possam obter a vitória eleitoral, mas sim que, num cenário de guerra social, quem se viabilizar pelo centro terá de escolher um dos lados ou será emparedado pelo conflito estrutural.
Propostas de destruição do estado social virão acompanhadas de repressão ante a eminente resistência popular
Desregulação econômica e barbárie
Os liberais autoritários reafirmam a velha aliança entre a burguesia nacional submissa e a burguesia internacional imperialista, só que agora estão despidos de projetos de desenvolvimento nacional típicos da década de 1950 e 1960. Do projeto de FHC restou a meta de valorização do capital, todavia, abandonou-se a forma soft, preocupada com a construção democrática de uma ordem liberal. Diante das dificuldades de liberalizar e desregular as instituições pela via democrática, apelou-se ao golpe e a selvageria. A “ponte para o futuro” do capitalismo exige desregulação brutal e desmonte da institucionalidade que racionalizava a exploração. Por isso, para os liberais autoritários, é hora do congelamento de investimentos em saúde e educação por vinte anos, das propostas de desvinculação total das receitas orçamentárias, da aceitação de formas modernas de trabalho escravo, do fim dos direitos trabalhistas, da ameaça aos direitos previdenciários e até mesmo da aceitação de veneno na comida para agradar o agronegócio e a indústria química. Defendem o “bolsa empresário” ao mesmo tempo em que impõem cercos militares a guetos sociais, prisões arbitrárias e fazem vistas grossas a assassinatos que atingem não só os mais pauperizados (como, ademais, sempre ocorreu), mas também seus adversários políticos, como denota o caso de Marielle Franco. A eventual vitória eleitoral dos liberais autoritários legitimará o permanente estado de sítio social, a incivilidade e a imposição forçada dos interesses do capital, num cenário semelhante ao golpe de 1964, com a diferença de que aí um modo de regulação liberal foi imposto (a partir de inúmeras mudanças legislativas no período ditatorial) para derrotar o apelo popular por reformas estruturais. Agora pretendem impor outra agenda: dada a urgência da entrega dos recursos orçamentários ao capital privado, o poder econômico exige a desregulação total, não tolerando sequer a “pax lulista”. O candidato do capital nas eleições de outubro de 2018 será, portanto, autoritário e será quem oferecer maiores chances de vitória para o projeto de espoliação social que segue em curso. O cálculo é pragmático e imediatista. Pouco importa que a pessoa eleita tenha enormes dificuldades para governar, afinal, o esfarelamento da república brasileira – e o esgotamento dos grandes partidos que punham ordem ao caos – deve fortalecer a miríade fisiológica que elevará exponencialmente os custos políticos da governabilidade. Ao capital tudo se resume à urgência da ampliação dos lucros privados ainda que isso custe a democracia e o futuro. Desse ponto de vista, o “amanhã” e suas crises são apenas problemas futuros a gerenciar de forma cada vez mais violenta.
Para o capital privado o momento é de guerra social e vale tudo para vencê-la, desde a violência até a exploração política do absurdo. No horizonte, Trump enjaula crianças imigrantes e torna-se exemplo para seus seguidores brasileiros. De outra parte, o esfacelamento progressivo de todas as instituições modernas rumo a consecução de metas políticas urgentes quebrou o compromisso com a racionalidade que é intrínseca a institucionalidade. É nessa chave que se imiscuem MBL, Bolsonaro e o malabarismo argumentativo dos membros do sistema de Justiça. Em épocas como a atual, pouco importa o discurso racional, de maneira que o descrédito das instituições sociais, políticas e culturais que chancelavam a verdade, ajuda a criar o cenário da “pós verdade”, das fake news e das decisões judiciais sem provas mas pautadas em convicções. “Terra plana” e “nazismo de esquerda” são as faces cômicas da farsa que se tornou a modernidade. Diante da urgência da vitória, a burguesia apostará em qualquer saída que possa lhe garantir êxito político, ainda que irracional, temporário e pontual. As apostas se alteram com a mesma fluidez do capital financeirizado: entre 2005 e 2016, o tucanato e outras figuras da direita liberal apostaram na mobilização da ultradireita para emplacar seu voo ao poder central, todavia, acabaram atolados em corrupção, foram ultrapassados pelos fascistas e desapareceram do espectro político. Em 2018 a direita que ganha espaço é abertamente estúpida, autoritária e enceta discursos de ódio como prenúncio das vítimas sociais que darão concretude ao permanente estado de sítio social que se avizinha.
A atualidade da luta democrática e popular
Com a agressividade do capital e suas expressões eleitorais, a luta popular converteu-se na única e talvez última defensora legítima da democracia e da cidadania. Contudo, isso aponta para uma nova forma de sociabilidade que não pode mais incluir acordos com setores do grande capital privado, afinal são exatamente esses segmentos que tem apostado na dilaceração social. Do ponto de vista programático, continua atual que diante da impermeabilidade do Estado e do capitalismo às demandas populares, a luta por reformas estruturais e radicais seja a síntese que pode construir a unidade do campo popular e mobilizar o povo brasileiro para tornar-se protagonista de grandes transformações sociais. Prometeu-se o fim da história sob o triunfo do capitalismo, mas os liberais autoritários entregam o fim do futuro e a prisão à aridez do presente. Diante disso, a maior potência da esquerda é de que ela é a única que pode articular a esperança e viabilizar o futuro.
https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/49839/eleicoes-2018-liberalismo-autoritario-e-o-fim-do-futuro
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