Manoela Frade – “Principal inimigo do brasileiro passou a ser o pensar diferente”.
Para o economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pedro Fonseca, “o Brasil não se enxerga como nação e o principal inimigo do brasileiro passou a ser o pensar diferente”. Essa radicalização, disse, o faz lembrar “a Espanha antes da Guerra Civil, quando para um espanhol, o principal inimigo era seu vizinho. Essa fragmentação atrapalha a constituição de um pacto nacional”. A análise foi feita durante a palestra ‘Conjuntura e Projeto Econômico para o Brasil’ realizada dia 5 de setembro, na sede da ADUFRGS-Sindical em Porto Alegre.
Na opinião do professor, o Brasil vive uma crise de identidade e uma ausência de projeto de nação. “Somos diferentes, sim, mas temos um mesmo destino comum, só que não dialogamos”. Para ele, pensar esse projeto depende de consensos construídos dentro de um ambiente democrático, com estabilização econômica e a defesa do meio ambiente. “É inadmissível qualquer projeto sem essas três coisas”.
Impasse
Na palestra, Pedro Fonseca repassou a história econômica do país para contextualizar o cenário atual de “crise econômica, política e ética”. Para isso, o professor analisou as escolhas de cada um dos últimos governos (Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer). E afirmou que o Brasil vive um impasse com uma cisão elite/nação. “Chamo de radicalismo e irracionalismo a falta de conteúdo numa discussão no Brasil. Hoje ela é meramente emocional”. Segundo ele, as redes sociais refletem o quadro de extremismos. “O Brasil hoje é incapaz de qualquer diálogo para chegar em um consenso”.
A problema, afirmou, é que para estabelecer um projeto de nação, ele precisa ser de Estado, não só de um governo, e para isso, a sociedade deve se reconhecer nele. “Não acredito em projeto de cima para baixo. O marco civilizatório é esse, para pensar daqui para diante. Não é repetir o passado. Atualizar um projeto é pensar em novas bases”.
Oportunidade
Um dos caminhos possíveis, a reforma tributária, defendeu, é uma oportunidade de criar um novo pacto social. “Fala-se muito de corte de gastos, mas temos que ver a questão dos impostos. Nem tanto aumentar a carga tributária, mas melhor distribuí-la”.
Hoje, 51% da arrecadação brasileira vem da tributação indireta. “Aquele imposto que a pessoa paga sem sentir, como o imposto sobre o consumo”, explicou. O problema disso é que não interessa a faixa de renda, todos pagam de maneira igual sobre o consumo. “Por isso, nos países desenvolvidos a tributação direta é maior. Paga-se menos sobre o consumo e mais sobre a propriedade, por exemplo”. No Brasil, apenas 22% da arrecadação vem da tributação direta (18% do Imposto de Renda e 4% sobre a propriedade).
O professor apresentou um quadro mostrando a discrepância entre o imposto direto pago no Brasil e em outros países. No Brasil há quatro faixas de renda e uma alíquota máxima de 27,5%. Na China, por exemplo, que na opinião do professor conseguiu executar um projeto de desenvolvimento, há nove faixas e uma alíquota máxima de 45%. Na Holanda, são quatro faixas e alíquota máxima de 60%.
“Essas distorções foram se acumulando no Brasil. Costumo dizer para colegas que passam no concurso para professor que eles terão a mesma alíquota que o Neymar. Se você ganha 5 mil reais, 50 mil ou 200 mil, você está na mesma alíquota. Isso tem que ser discutido” O professor defende a progressividade do imposto sobre a renda. “Não dá pra tratar da mesma forma uma pessoa que ganha 10 mil e uma pessoa que ganha 100 mil. Imposto não é só uma questão de arrecadação, é uma questão de justiça social, de vivência em sociedade. É uma questão de pacto social”.
Outro ponto é a isenção de imposto para lucros e dividendos. “O Brasil e a Estônia são os únicos países do mundo que não cobram imposto de renda dos lucros e dividendos de acionistas. Isso significa que o capital financeiro pode aplicar dinheiro com pouquíssimo imposto”. Nessa lógica, os brasileiros super-ricos pagam menos imposto, proporcionalmente a sua renda, do que um cidadão assalariado.
Segundo o professor, o Brasil já teve alíquotas maiores, chegando a 60% no governo Jango. Foi o presidente José Sarney que reduziu para 25% a alíquota máxima e isentou os ricos. “É uma social democracia ao contrário. Quem acaba pagando é a classe média”. O resultado é uma concentração de renda tal que 10% dos mais ricos detém 50% da renda. “Apenas dois países da América Latina têm distribuição de renda pior do que o Brasil: Honduras e Haiti”.
“Brasil não se enxerga como nação e o principal inimigo passou a ser o vizinho”
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