Matheus Pichonelli – Quando alguém me pede para pular do 10º andar, eu costumo dizer que não, obrigado, pois sou um sujeito moderno. Explico, em seguida, que ser moderno não é estar na moda. Desde o fim da Idade Média, é ser consciente de pensamentos e responsável pelos atos.
E um aspecto central da nossa consciência, mesmo em tempos pós-modernos, é não colocar nossa integridade, nossa inteligência ou a nossa dignidade a serviço de qualquer comando. Não pulo, logo, existo.
Não faz muito tempo, achava que essa relação entre nós, indivíduos dotados de consciência e inteligência em um sistema democrático que aceitava todas as aptidões, era uma coisa “dada”. E que ferramentas como internet e redes sociais seriam o big bang do nosso universo em expansão.
Conectados, poderíamos viver cada vez mais com menos; teríamos informações suficientes para criar nossas próprias marcas, gostos e histórias em cidades sustentáveis — e menos dependentes de deslocamentos e combustíveis poluentes.
Quem não tinha voz começaria a falar; quem se imaginava sozinho poderia se conectar. E conexão era algo mais do que uma linha de banda larga; era a possibilidade de encontros e identidades.
Com tantas vozes, ninguém precisaria ser chamado de “aberração” por desrespeitar uma ideia de “normalidade”. Normal, afinal, era ser diferente – sobretudo respeitar as diferenças.
Essa projeção de futuro estava ilustrada no filme “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho“, de Daniel Ribeiro. De mãos dadas, o menino com deficiência visual e o amigo já não eram rejeitados; rejeitado era o babaca que tentava fazer piada e hostilizar uma forma legítima de amar e se relacionar.
Quando o filme foi lançado, em 2014, muito se falava sobre diversidade e relações horizontalizadas, sem líderes formais — uma revolução para quem aprendeu calado o que era certo e errado em sala de aula, na igreja, em casa, no trabalho.
Nesse novo mundo, as decisões seriam compartilhadas, e não impostas por quem detinha “a verdade”. Aquela liderança autoritária, do “meu contra o seu”, do “é ou não é”, que não respeitava diferenças nem ouvia contraposições, estava com os dias contados.
Um exemplo desse novo modelo de gestão era o Canadá do primeiro-ministro Justin Trudeau, que em 2015 nomeou um governo igualitário de 30 ministérios, dividido entre 15 homens, entre eles quatro ministros de origem estrangeira, e 15 mulheres. Quando perguntado por que, ele respondeu: “Porque é 2015“.
Enquanto isso, por aqui, diversidade virava sinônimo de “ataque” contra a família, pensada como modelo único; estrangeiro virava “escória” e candidato que ensinava criança a pegar em arma e defendia porrada para “corrigir” a sexualidade virava “mito”. Vai entender.
Vendo as manifestações de amor irracional demonstrada nessa eleição, com hashtags em defesa justamente de quem hostiliza a diversidade, o contraditório e até mesmo o sistema de votação, penso que esse mundo imaginado por nós na virada da década ficou apenas na ilusão.
Cem anos atrás, o ditador italiano Benito Mussolini usou pela primeira vez a expressão fascismo como um símbolo de unidade e de poder na Roma antiga. A palavra vinha do italiano “fascio”, que significa “feixe”. Imagine um graveto: a ideia é que um graveto pode ser facilmente quebrado; mas, em conjunto, encaram qualquer machado. Parece lindo, não?
O problema é que, se a pessoa não está de acordo com a ideia de ser graveto e questiona que unidade é essa, para que serve, para onde leva, com quem e contra quem está lutando, é prontamente acusada de estar contra a ordem. Torna-se inimiga. E uma inimiga prestes a ser destruída. Como um graveto solitário.
Cem anos depois, após o trauma de duas grandes Guerras, a expectativa era viver em um mundo conectado e em expansão, livre de preconceitos e perseguições.
A realidade é que, com as redes sociais, nos tornamos indivíduos apequenados e escravizados pelo esgoto de WhatsApp; presos às telas de celular, agimos como robôs que não pensam por si e distribuem a rodo frases-feitas, grosserias, mentiras, perversidade e verdades torturadas contra as quais parece não haver argumento. Quem não está junto, está contra. Quem não obedece, está fora. Como assim?
Em pleno 2018, a paixão por um “líder supremo” é o fracasso de uma ideia de civilização que minha geração alimentou.
Reagir a isso, como milhões de mulheres fizeram no últimos sábado, é colocar a esperança à frente do ódio, da raiva e do medo. É fazer com que o fascínio pelas trevas seja, no fim, o último soluço de um passado do qual precisamos nos despedir.
https://matheuspichonelli.blogosfera.uol.com.br/2018/10/02/em-pleno-2018-venerar-lider-supremo-e-o-fracasso-de-uma-geracao/
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