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Um partido de picaretas

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Paul Krugman – Esta coluna não é sobre Donald Trump.

Não é sobre o esquema fraudulento que levava o nome de Trump University. Não é sobre seu histórico de não pagar empreiteiros, que resultou em centenas de processos judiciais. Não é sobre ele ter lucrado pessoalmente com cassinos que afundaram sob seu comando. Não é nem mesmo sobre as dúvidas persistentes quanto a ele ser mesmo tão rico quanto afirma, ou sobre saber ao certo se ele fez alguma coisa na vida a não ser viver dos ganhos de sua herança.

Não, minha questão, enquanto os democratas desmantelam alegremente o histórico de Trump nos negócios, é por que seus adversários pela indicação no Partido Republicano jamais fizeram o mesmo. Como é que uma pessoa que parece mais e mais um trapaceiro barato conseguiu abrir caminho com tanta força no processo de indicação do Partido Republicano?

Porque, afinal, nenhuma dessas sujeiras estava muito bem escondida. As histórias sobre a Trump University já circulavam muito antes de terem ganhado a importância que agora têm. Foi necessário algum esforço de reportagem para revelar os detalhes sobre outras das práticas de negócios de Trump, mas estamos falando de trabalho jornalístico comum, ainda que habilidoso, não de revelações ao modo Watergate.

Assim, por que é que nenhum dos adversários de Trump nas primárias decidiu fazer de suas práticas enganosas de negócios uma questão política? Foi simples incompetência ou será que existe algo de estrutural no moderno Partido Republicano que impede a agremiação de confrontar picaretas?

Eu argumentaria que o segundo motivo é a resposta.

Rick Perlstein, que documentou a ascensão do moderno conservadorismo em uma série de livros reveladores, aponta que sempre houve uma estreita associação entre o movimento e as operações de trapaceiros comuns, pessoas que usam as listas de doadores de verbas de campanha, os sites da direita, e assim por diante a fim de vender curas milagrosas e esquemas de enriquecimento rápido.

Às vezes a conexão política é direta: alertas tenebrosos sobre a depressão/hiperinflação iminentes, das quais você só pode se proteger comprando DVDs de Ron Paul (“o currículo de Ron Paul”) ou ações de minas de ouro promovidas por Glenn Beck. Às vezes ela parece ser apenas um reflexo da opinião dos trapaceiros: se pessoas se deixaram convencer de que o presidente Barack Obama é muçulmano, também poderiam ser convencidas de que existem oportunidades de ganhar dinheiro fácil que a elite mantém escondidas dos cidadãos comuns.

Há também um padrão notável de astros do conservadorismo político envolvidos em supostas causas ativistas que na verdade são apenas um caminho para o enriquecimento pessoal. Por exemplo, o SarahPAC, comitê de ação política de Sarah Palin, só doa uma pequena porcentagem do dinheiro que arrecada a candidatos, e gasta pesadamente com as viagens de Palin e bancando seus consultores.

E há a questão da ideologia. Se sua premissa fundamental é a de que o lucro é sempre um bom motivo e o governo é a raiz de todos os males, se você trata qualquer sugestão, digamos, de que os executivos financeiros se comportaram mal nos anos que antecederam a crise financeira como prova de que quem faz essa afirmação é inimigo da livre empresa, se não socialista escancarado, como será possível condenar as práticas de negócios de alguém?

Pense nisso: ainda que os jornais estejam repletos de reportagens sobre alunos fraudados e empreiteiros que sofreram calotes, os republicanos do Congresso não estão medindo esforços para eliminar a chamada “regra fiduciária” que se aplica aos consultores financeiros de aposentadoria, uma nova norma que requereria que estes sirvam aos interesses de seus clientes e os impediria de receber comissão por encaminhar clientes a maus investimentos.

Paul Ryan, o presidente da Câmara dos Deputados, fez da revogação dessa norma parte do “plano de combate à pobreza” de seu partido. Assim, o Partido Republicano na verdade está defendendo o direito do setor financeiro a iludir seus clientes, o que torna difícil atacar figuras como Donald Trump.

Por fim, a trapaça que ocupa posição central em parte tão grande da política republicana torna difícil ao partido se opor a outras trapaças, mais comerciais. É interessante apontar que Marco Rubio de fato tentou transformar a Trump University em causa política, mas o fez tarde demais, depois que sua candidatura já havia virado piada por sua repetição incansável das mesmas queixas.

E a verdade é que a queixa repetida por Rubio —insinuações de que o presidente estaria enfraquecendo deliberadamente os Estados Unidos— serve como exemplo das falsas poções políticas vendidas como se fossem poções mágicas que curam pressão alta em três minutos.

A realidade é que Rubio era tão trapaceiro quanto Trump, mas não era tão bom na trapaça, o que explica que, sob pressão, ele se limitasse a repetir a mesma decoreba. Assim, ele, como os demais pré-candidatos à indicação republicana, não tinha como fazer das práticas inescrupulosas de Trump uma questão política. Mas pelo menos até agora não parece que Hillary Clinton e seus aliados terão o mesmo problema.

Nos próximos meses, os republicanos afirmarão que existem escândalos semelhantes do lado democrata, mas nada do que conseguiram expor até o momento chega nem mesmo perto de qualquer uma das muitas trapaças de Trump que vêm ocupando as notícias. Eles também afirmarão que Trump não reflete de fato os valores do partido. Mas a verdade é que, no fundo, ele o faz. E foi por isso que seus adversários não foram capazes de detê-lo.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/2016/06/1781106-um-partido-de-picaretas.shtml

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