David Coates – Sob a liderança de Bill Clinton e Tony Blair, os partidos de centro-esquerda abandonaram suas políticas mais progressistas por uma aceitação da ortodoxia.
A batalha das primárias do Partido Democrata entre Hillary Clinton e Bernie Sanders está sendo travada à sombra do “neoliberalismo” – à sombra das políticas econômicas e da filosofia econômica geral abraçadas, com sucesso, por Ronald Reagan nos Estados Unidos e por Margaret Thatcher no Reino Unido. Neoliberalismo é aquela filosofia econômica que prefere o mercado a governos como alocador de recursos e prefere soluções a problemas sociais individuais e privadas antes que coletivas e públicas. Nas últimas três décadas, foi a ortodoxia que comandou os dois lados do Atlântico, mas quando o neoliberalismo foi proposto pela primeira vez – na segunda metade da década de 70 – ainda não o era. Significou, então, uma ruptura revolucionária com a ortodoxia anterior – aquela ligada aos escritos de John Maynard Keynes e às políticas do New Deal e que tinha mercados geridos pelos governos e osproblemas sociais resolvidos pelo por políticas de gasto público.
A revolução neoliberal de Reagan/Thatcher manteve os Democratas fora da Casa Branca e os Trabalhistas fora do poder em Londres, durante três ciclos eleitorais. Ao fim do terceiro ciclo, os líderes políticos dos dois partidos chegaram à mesma visão. Decidiram que a única maneira de voltar ao poder seria atendendo às demandas do eleitorado de Reagan e Thatcher nos termos neoliberais.
Sob a liderança de Bill Clinton nos EUA e Tony Blair no Reino Unido, ambos partidos de centro-esquerda abandonaram suas políticas mais progressistas iniciais por uma aceitação explícita e acomodação aos princípios da nova ortodoxia conservadora. Eles desistiram de seus papéis de progressistas na “taxação e no gasto” para adotar “novas” posturas. Eles se afastaram das políticas industriais ativas que regulavam os negócios e acabaram com o “bem estar social como o conhecemos”. Para deixar ainda mais clara sua acomodação aos princípios neoliberais para seus eleitores passaram a se autodenominar “Novos Democratas ou “Democratas Centristas” e “Novos Trabalhistas”.
Para Bill Clinton e Tony Blair, ser um progressista nos anos 1990 significava ser um Reaganista/Thatcherista mais civilizado e bondoso e tomar como garantido, sem nunca questionar, os princípios e práticas neoliberais essenciais que incluíam:
(Lista A)
– Diminuir impostos corporativos e pessoais para encorajar inovações, o empreendedorismo e a criação de empregos;
– Redução da rede de bem estar social para evitar dependência e aumentar o incentivo ao trabalho;
– A desregulação de mercados de trabalho pelo enfraquecimento dos sindicatos;
– A desregulação paralela da atividade empresarial, e a comemoração da desigualdade de renda
– A privatização de empresas públicas e a exposição do setor público às forças de mercado.
A “terceira via”, que aceitou as políticas Reaganistas/Thatcheristas funcionou por um tempo. Houve um grande crescimento da oferta de empregos nos EUA nos anos 1990, e os Novos Trabalhistas de fato expandiram a economia do Reino Unido sem recessões entre os anos de 1997 a 2007. Mas depois as rodas do ônibus do neoliberalismo travaram. Instituições financeiras frouxamente reguladas desencadearam, primeiro uma enorme crise de crédito e depois a maior recessão econômica já conhecida desde 1930. Entre o final de 2008 e princípios de 2009, ninguém mais era um neoliberal apaixonado. Administração de demanda keynesiana, grandes injeções de gasto público e uma direção rigorosa do sistema bancário estiveram em voga novamente. Mas só por um breve período. Logo os conservadores de ambos os países encontraram outras explicações para a crise dizendo a seus eleitores que foram os gastos do governo que causaram a crise (ao contrário do que realmente aconteceu). Até mesmo Democratas moderados como Barack Obama se acharam incapazes de governar do outro lado, porque a ala Republicana da classe política estava, novamente, retrocedendo para posições neoliberais ainda mais extremas..
Divergência
Duas coisas, então, aconteceram que vieram a orientar as escolhas que se tem agora. No lado Democrata aqui nos EUA, tanto um desafio moderado como um radical à ortodoxia neoliberal começaram a se formar. Hillary Clinton e Bernie Sanders podem, agora, personificar esses desafios, mas ele não são seus únicos arquitetos. Ao contrário, ao longo de toda a coalizão Democrata como um todo, os últimos sete anos testemunharam a presença crescente dessas duas tendências de preferências políticas, conectadas mas concorrendo uma com a outra, no debate de políticas progressistas.
A lista moderada inclui:
(Lista B)
– A manutenção da demanda através de gastos públicos e de tolerância com a dívida pública
– A prevenção de outras crises financeiras ao tornar mais rígida a supervisão financeira
– A rota da infraestrutura para o crescimento (gasto público em modernização de estradas, pontes, ferrovias e internet)
– Taxação progressiva para reduzir a desigualdade excessiva e para distribuir o custo dos recursos para o bem estar social entre aqueles mais capazes de suporta-lo
– Maiores direitos para as mulheres e minorias no trabalho, mais assistência infantil e licença parental remunerada
– Movimento em direção a políticas energéticas sem carbono
A lista mais radical inclui a agenda moderada mas acrescenta o que segue:
(Lista C)
– Mais direitos para os sindicatos, e um forte aumento no salário mínimo e na previdência social;
– Ataque sistêmico nas fontes de pobreza, com ações afirmativas enquanto a pobreza persistir;
– A desconstrução do sistema de encarceramento em massa e o fim da política conhecida como “guerra às drogas”;
– Nova política de comércio exterior para reverter a terceirização de empregos bem remunerados;
– O desmembramento dos bancos que são “grande demais para quebrar”
– Menos gastos com as forças armadas e com guerras internacionais: mais atenção com a nação em seu interior e menos no exterior
Essas listagens contêm dimensões norte-americanas muito específicas (como os importantes fim do encarceramento em massa e redução das guerras no exterior). Mas elas não são, em sua essência, listas exclusivas aos norte-americanos. Mudanças paralelas sobre esses entendimentos e as políticas estão em debate e disputa em muitos partidos de centro-esquerda da Europeu Ocidental agora. Elas certamente estão no Partido Trabalhista britânico, onde sua liderança mudou recentemente para Jeremy Corbyn, em muitas formas um equivalente a Bernie Sanders no Reino Unido. Das mesma forma, o ministro da Economia francesa, Emmanuel Macron, candidato potencial à presidência, está promovendo uma estratégia de “terceira via” no Partido Socialista francês contra seus rivais do centro ou da esquerda como Arnaud Montebourg – e estão encontrando uma forte resistência. Sigmar Gabriel, líder dos social-democratas da Alemanha ou SPD, está sob ataque da esquerda de dentro e fora desse partido pela sua conciliação, como vice-chanceler com as políticas conservadoras de Angela Merkel.
Em todas as economias capitalistas avançadas, a batalha pós-2008 para o retorno à prosperidade generalizada e segurança do emprego, é, de fato, necessário à centro-esquerda de reexaminar a sabedoria de sua acomodação inicial ao neoliberalismo. É essa reavaliação que está no coração do embate atual nas primárias presidenciais do Partido Democrata, entre Clinton e Sanders.
Desafios previsíveis
As três políticas em vigência aqui listadas não são as mesmas. Seus centros de gravidade são diferentes porque as análises que as embasam também diferem. E porque elas são diferentes, assim como as histórias que as conduziram, Clinton, em particular, tem um problema em dobro com sua base eleitoral em potencial.
Seu primeiro problema é este. Quando ela era uma primeira-dama politicamente ativa durante a presidência de seu marido, a política econômica no mandato operou de acordo com a Lista A. Então uma pergunta que Hillary deve responder agora é se a política econômica em uma segunda presidência Clinton será similar àquela, ou será diferente? Seus oponentes Republicanos tentarão esfregá-la com a esponja ‘Bill Clinton’, apontando para a infidelidade sexual e uma possível corrupção financeira ou pior. Seus críticos progressistas deveriam se preocupar mais com a extensão com que as atividades globais da Fundação Clinton estão apontando para o compromisso de seu marido com os princípios neoliberais. Porque se não houve uma ruptura, e ele continua entre seus conselheiros, ela, de fato, realizou uma ruptura, e quanto ela conseguirá suportar nessa ruptura?
E então há o segundo problema, o maior deles. Se a resposta para a primeira pergunta é que sim, as políticas serão diferentes, mas operadas na Lista B (que é basicamente a política econômica bloqueada do mandato Obama), ou irão se se estender para abranger algumas dimensões (ou a totalidade) da Lista C, como agora acreditam serem essenciais muitos apoiadores radicais de Sanders? Quão radicalizada Clinton se tornou? O quanto disso é show e o quanto disso é real?
O maior medo da esquerda na coalizão Democrata, é que a ruptura com a lista Clinton original (Lista A) ainda seja tênue e que Clinton dirá coisas radicais (das outras listas incluindo a Lista C) somente para ser eleita. E então, quando estiver no cargo, ela retornará à Lista A, triangulando com Republicanos neoliberais à maneira do primeiro mandato Clinton. É, portanto, uma tarefa vital para ela entre agora e novembro reassegurar seus apoiadores progressistas de que ela não irá fazer nada disso, porque somente se essa garantia for próxima – somente se a profundidade da ruptura com seu próprio passado estiver clara – a vasta maioria dos mobilizados por Sanders irá se portar como soldados na batalha eleitoral para salvar os EUA de um mandato Trump. E ela irá precisar desses soldados.
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/As-primarias-Democratas-a-sombra-do-neoliberalismo/6/36228
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