Laura Carvalho – No que pode ser interpretado como mais um passo rumo ao abandono definitivo de um dos pilares do chamado tripé macroeconômico instituído no país em 1999, o governo anunciou na terça-feira (15) uma revisão das metas fiscais dos próximos quatro anos, adiando para 2021 qualquer previsão de superavit primário.
Os deficit previstos passaram de R$ 139 bilhões, R$ 129 bilhões e R$ 65 bilhões em 2017, 2018 e 2019, respectivamente, para R$ 159 bilhões nos próximos dois anos e
R$ 139 bilhões em 2019.
Assim, em 2020, ao invés do superavit de R$ 10 bilhões, o governo passou a prever um deficit de R$ 65 bilhões.
Se o plano for cumprido —o que é difícil de acreditar para quem assistiu a quatro pedidos de redução da meta desde o início do ajuste fiscal—, viveremos um total de sete anos de deficit primários no Brasil.
Há apenas dois anos e meio, quando Joaquim Levy assumia o Ministério da Fazenda, a meta era levar o país do deficit de 0,6% do PIB em 2014 para um superavit de 2% do PIB em 2016 e 2017.
Apesar do ritmo ousado do ajuste proposto, que ignorava o agravamento da crise pelos cortes de investimentos públicos praticados, os números não destoavam muito daquilo que havíamos experimentado no passado recente: o superavit foi de 1,7% do PIB em 2013, 2,2% do PIB em 2012 e 2,9% do PIB em 2011, por exemplo.
Mas, desde o início do ajuste, a arrecadação menor fez o deficit aumentar para 1,9% do PIB em 2015 e 2,5% do PIB em 2016 —patamar próximo ao que deve ficar em 2017, considerando as expectativas atuais de crescimento da economia.
Tais perspectivas surpreendem menos pelo resultado em si, que nos aproxima de um grande número de países que vêm praticando deficit primários anualmente, e mais pela tranquilidade com que foram recebidas em um país que costumava se orgulhar de seus vultosos superavit primários de 3% do PIB.
Subitamente conscientes de que o governo não é capaz de controlar o total que arrecada —uma das principais críticas feitas ao regime fiscal brasileiro desde sua implementação—, muitos analistas passaram a atribuir ao superavit primário um caráter apenas residual.
A única meta efetiva passou a ser o teto de gastos, cujo cumprimento depende não só dos cortes já em andamento mas também da eliminação de despesas obrigatórias com a Previdência e o funcionalismo.
O que é curioso nessa abordagem é que ela parece deixar claro que a preocupação principal não é mesmo com a dinâmica da dívida pública. Afinal, sua estabilidade em relação ao PIB depende da obtenção de superavit primários e/ou da queda da taxa de juros que incide sobre a dívida e da retomada do crescimento.
Pouco importa, do ponto de vista do controle da dívida, se tais superavit são obtidos pelo aumento de impostos sobre os mais ricos ou pelo corte de serviços públicos, por exemplo.
Mas o caminho tomado não tem sido só o de evitar a qualquer preço o aumento de impostos enquanto forma de ajuste, mas sim o de abandonar o próprio controle da dívida pública enquanto objetivo primordial da política macroeconômica.
O problema é que esse abandono não se deu em nome de uma expansão de investimentos em infraestrutura ou educação, que traria retorno de longo prazo para o país.
Tampouco se deu para a adoção de um regime fiscal mais em linha com o praticado em outros países: uma meta para o resultado primário estrutural, por exemplo, conferiria ao governo alguma margem de manobra diante de flutuações inesperadas, evitando sucessivas reduções na meta.
O que estamos presenciando é ao abandono das metas de superavit primário em nome da redução do tamanho do Estado, que passa a ser um fim em si mesmo.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/2017/08/1910390-reducao-das-metas-consolida-mudanca-nos-pilares-da-politica-economica.shtml
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