Boaventura de Souza Santos – Referência mundial no campo da ciência social, o premiado pensador Boaventura de Sousa Santos esteve no Brasil para lançar seu novo livro A difícil democracia (Boitempo Editorial). Em uma análise primorosa da situação política atual, Boaventura discute o que chama de “democracia de baixa intensidade”, reflete sobre as causas das crises que envolvem países da América Latina, Europa e África e, principalmente, alerta para a urgente necessidade de ‘reinventar as esquerdas’, subtítulo da obra. O sociólogo chama a atenção para as consequências políticas, econômicas e sociais após períodos em que o poder (ou apenas o governo) esteve com as esquerdas. Alerta para a ameaça fascista aberta sob a bandeira do combate à corrupção, que se impõe como proteção à democracia.
“A frustração pode plasmar-se numa opção política pelo fascismo, sobretudo se a frustração for vivida muito intensamente, se for acirrada pela mídia reacionária, se houver à mão bodes expiatórios, estrangeiros ou estratos sociais historicamente vítimas de racismo e sexismo”, escreve. Para ele, o crescimento de movimentos fascistas “é funcional aos governos de direita reacionária na medida em que lhe permite legitimar mais autoritarismo e mais cortes nos direitos sociais e econômicos, mais criminalização no protesto social em nome da defesa da democracia.”
Autor reconhecido e premiado no mundo todo, Boaventura escreve sobre sociologia do direito, sociologia política, epistemologia e estudos pós-coloniais, movimentos sociais, globalização, democracia participativa, reforma do Estado e direitos humanos, além de fazer trabalho de campo em Portugal, no Brasil, na Colômbia, em Moçambique, em Angola, em Cabo Verde, na Bolívia e no Equador. Entre seus livros mais importantes estão Um discurso sobre as ciências (1988), Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade (1994), Reinventar a democracia (1998), Democracia e participação: o caso do orçamento participativo de Porto Alegre (2002), Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos (2013), A cor do tempo quando foge: uma história do presente – crônicas 1986-2013 (2014), O direito dos oprimidos (2014) e A justiça popular em Cabo Verde (2015).
Boaventura recebeu a reportagem dos Jornalistas Livres para uma conversa sobre Brasil, colonialismo, esquerdas e democracia. “O capitalismo nunca atua sozinho. Ele atua com o colonialismo e atua com o patriarcado, isto é, com o racismo e com a violência contra as mulheres. Não é uma forma de dominação que seja capaz de conviver exclusivamente com o trabalho assalariado. Tem que desqualificar seres humanos, sejam os trabalhadores, sejam os jovens negros, as mulheres negras, as mulheres em geral, e portanto o colonialismo não acabou. Nós vivemos em sociedades coloniais com imaginários pós coloniais.”
Sobre o Brasil, Boaventura afirma: “O País estará em um impasse durante um tempo. O neoliberalismo é uma farsa e está sendo implementado aqui exatamente como farsa, até que as forças populares de esquerda se dêem conta que é possível uma alternativa política. Os partidos de esquerda, em nenhuma condição, se devem aliar a partidos de direita. A esquerda tem que se aliar com a esquerda. Se não é possível uma aliança com outros partidos de esquerda, mantenha-se na oposição até que essas condições sejam criadas. Não podemos governar na base de conciliação com grupos de direita que no momento oportuno nos largam, como aconteceu com o PMDB e com o PSDB, não sejamos ingênuos.”
Ele diz que a saída pode estar em um novo partido de esquerda, que esteja baseado mais nos movimentos sociais e menos nos interesses partidários. “O presidente Lula é um fator muito importante. Se ele voltar à presidência, não vai poder governar como governou. Se ele não voltar a ser presidente, o mito estará intacto. A aceitação que ele continua a ter é absolutamente notável e todos os cientistas políticos deveriam estudar no mundo. Lula foi uma parte muito importante do passado, vai ser uma parte importante do futuro. Mas é preciso que digamos publicamente que temos consciência para pressionar eventualmente um presidente Lula ou um candidato Lula a atenuar um pouco a ideia da conciliação e a unir-se mais ao movimento popular. Nós não vamos estar numa década de Lula paz e amor. Não há condições para isso.”
Deixe uma resposta