Wladimir Pomar – Alguns intelectuais têm procurado apresentar o que chamam “crise do globalismo”, ou “desglobalização” como resultado de uma “perda de controle”. Primeiro, da Grã-Bretanha e da City de Londres, que teriam perdido a capacidade de influência sobre a União Europeia (UE). Depois, de Wall Street, que teria perdido o controle e a influência sobre o governo dos EUA com o triunfo de Donald Trump. A vitória de Le Pen, na França, se houvesse ocorrido, certamente teria constituído mais um elemento dessa “crise do globalismo”
Assim, a chegada de Trump ao governo dos EUA continua representando, para eles, a maior vitória de uma “política nacionalista industrialista contra a oligarquia financeira global” e contra a “oligarquia financeira continental”. Política que se expressaria, de início, nas medidas contra a China, na saída dos Tratados TransPacíficos, nas medidas contra o México e na saída do NAFTA. Seu objetivo central residiria em “relocalizar os investimentos industriais nos Estados Unidos”, retirando-os dos países emergentes e revertendo um processo que, segundo pensam erroneamente, teria se iniciado em 1991.
Para dar mais peso a tal análise, esses intelectuais consideram que o “nacionalismo industrialista” relembraria a política dos EUA na segunda guerra mundial. Naquela ocasião os EUA teriam participado como os “grandes provedores de bens industriais”, propiciando um salto em sua industrialização. Só teriam ingressado “diretamente na guerra quando esta já estava definida pelo esgotamento de ambos os bandos”, permitindo que se tornassem “o grande vencedor do Ocidente”.
Subordinaram a Grã-Bretanha, impuseram o dólar como moeda dominante e saíram daquela guerra (o modo de resolver a crise e a guerra financeira de 1929) como a grande “potência capitalista imperialista”. O que lhes permitiu aplicar uma política “nacionalista industrialista expansivo imperialista”, ou “continentalista imperialista”, em confronto com o “continentalismo soviético”.
A confusão histórica é mais impressionante do que a verborragia conceitual. Não há dúvida de que os EUA participaram da segunda guerra mundial como principais provedores de bens industriais, principalmente armamentos. Nem que tal guerra foi “o modo de resolver a crise capitalista” de então. Mas a provisão de armamentos se estendeu bem além do final daquela guerra, tendo como pretexto, logo depois, a corrida armamentista contra a União Soviética, que incluiu a Guerra da Coréia e as diversas guerras contra os movimentos anticoloniais, nos anos 1950 e 1960.
Portanto, o salto na “escala industrial” norte-americana, permitindo imensa elevação da produtividade e da acumulação de capital, se estendeu até o início dos anos 1970. E incluiu a exportação de capitais excedentes para a recuperação da Europa e do Japão e para a industrialização de países retardatários, de modo a evitar a queda da taxa de lucro.
Além disso, voltando à segunda guerra mundial, os EUA não conseguiram conservar o papel único de “provedores” para os dois lados (o que fizeram por algum tempo), porque já eram um país imperialista. Confrontavam-se com as pretensões japonesas no Pacífico, com os ataques dos submarinos alemães a seus comboios marítimos e com a realidade da contraofensiva soviética na frente oriental.
Assim, no final de 1942, quando entraram na guerra, os “bandos” em luta ainda não haviam se esgotado, as forças antifascistas e antinazistas reagiam e cresciam em todo o mundo, e a ausência dos EUA no “bando” em crescimento poderia criar mais problemas do que benesses a essa potência capitalista.
É preciso considerar ainda que a “segunda guerra mundial”, se “resolveu” a crise capitalista iniciada em 1929, proporcionando ao capital mais um salto tecnológico e produtivo, primeiro nos EUA e depois na Europa ocidental e no Japão, fez tudo isso às custas da mortandade de mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo. Portanto, a suposição de que Trump pretende seguir o “mesmo caminho” (guerra mundial) com seu plano “nacionalista industrialista antioligárquico financeiro”, não pode significar algo tão genérico como “aprofundar a luta e a crise econômica como luta e crise institucional política” contra o globalismo. É muito mais grave.
Charge Los Angeles Times
Na prática, se a pretensão de Trump for seguir o caminho “nacionalista industrialista” dos EUA na segunda guerra mundial, isso nos coloca a todos diante, pelo menos, das seguintes questões: a) tal plano é viável para reverter a tendência da queda da taxa de lucro do capital? b) o povo norte-americano está disposto a pagar a conta de alguns bilhões de mortos em todo o mundo, inclusive em seu território?
Não esqueçamos que Trump foi eleito apesar de haver obtido três milhões de votos a menos que sua contendora. Somente uma “democracia” que permite à minoria vencer pôde gerar o fenômeno Trump. Talvez por isso, ao invés de responderem a tais questões, os teóricos do “nacionalismo industrialista” de Trump argumentem que o abandono do “Acordo Transpacífico” atinge as transnacionais localizadas na China, forçando-as a retornar aos EUA, ao mesmo tempo em que apontam a pretensão de Trump aderir ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês) e “cooperar com a China multipolar” – ao invés de se opor a ela – na construção das duas “novas rotas da seda”, iniciadas em 2008.
Ainda mais estranho é supor que Trump, instituindo seu pretenso universalismo não financeiro em confronto com o globalismo financeiro, no mundo e nos Estados Unidos, sinalizaria terem se tornado ineficazes tanto as guerras (Donbass e Síria, por exemplo) quanto a lei Dodd-Frank, instituída em 2008 para evitar a quebra dos grandes bancos através da flexibilização quantitativa. Como se sabe, essa lei estatizou as dívidas dos grandes bancos e emprestou e eles bilhões de dólares a uma taxa de 0%, criando uma bolha financeira que superou em mais de 500% a que explodiu em 2008.
As suposições teóricas sobre as guerras localizadas viraram pó com os ataques norte-americanos à Síria, as contendas com a Rússia e as ameaças explícitas de ataque à Coréia do Norte. Algo idêntico ocorreu em relação à esperança de que a lei Dodd-Frank seria substituída pelo Glass-Steagall Act, assestando um golpe no “globalismo financeiro de Wall Street” e dando início a uma “guerra de morte” contra o capital financeiro globalizado. Na prática, quem agora está à frente de tudo, de forma escancarada, é Wall Street, que ribomba os tambores de guerra nazifascistas, tomando como pretexto ditadores não-aliados ou algo parecido.
Por tudo isso, para levar a sério as verdadeiras intenções de Trump, é bom não subestimar o renascimento do fascismo e do nazismo, tanto nos EUA quanto no resto do mundo, nem confundir as forças que disputam o poder nas chamadas “democracias capitalistas”. Por exemplo, há quem suponha que, na França, existiria uma estranha coalizão de socialistas, capitalistas, grandes empresários, donas de casa e operários contra Le Pen, uma candidata que “apenas estaria repetindo um comportamento gaulista” de um passado não muito longínquo, em oposição a um candidato (Macron) do poderoso sistema financeiro, ou da Nova Ordem Mundial, ou da banca. Nessas condições, chamar Le Pen (ou Trump) de fascista ou nazista não passaria de diversionismo.
Nos anos 1930 tal confusão também se espalhou, levando boa parte da esquerda a subestimar o crescimento nazifascista e a demorar demasiadamente a tomá-lo como o mais perigoso e destrutivo. Os prejuízos foram imensos e tal experiência deveria ser levada em conta diante do ressurgimento mundial dessa tendência nacionalista extremada que procura esconder seu viés imperialista e guerreiro.
O fato de Trump, assim como Le Pen e outros candidatos nazifascistas haverem obtido altas votações em áreas da periferia e entre os eleitores mais pobres, do mesmo modo que Hitler nos anos 1930, apenas significa que os partidos de esquerda estão com estratégias e táticas incorretas no tratamento dos efeitos da crise capitalista global e das políticas a serem adotadas para superá-los.
Para enfrentar o ressurgimento dessas correntes burguesas tétricas e profundamente destrutivas será preciso, por um lado, lutar e fazer alianças para derrotá-las em todos os campos da luta social e política e, por outro, intensificar as lutas para superar os problemas causados pelo novo nível de desenvolvimento capitalista.
Ou seja, por um lado, ter flexibilidade tática para impedir as correntes fascistas e nazistas de galgarem governos e ampliarem sua força nos sistemas de poder. Por outro, intensificar a disputa estratégica para efetivar mudanças econômicas, sociais e políticas que deem solução aos desempregos conjuntural e estrutural (por exemplo, com a redução das jornadas de trabalho e a instituição de um seguro desemprego que permita a requalificação profissional etc.), instituam uma redistribuição menos desigual da renda e da riqueza (incluindo tanto um sistema tributário progressivo sobre as altas rendas e riquezas quanto a garantia de crescente renda mínima, a elevação salarial etc.), maior participação popular nos assuntos governamentais e estatais etc. etc.
Essa combinação de esvaziamento político tático das correntes nazifascistas com o enfrentamento estratégico dos graves problemas do novo nível de desenvolvimento capitalista nos países centrais recoloca a necessidade do socialismo como transição para uma formação econômico-social superior. Não foi por acaso que surgiu nos EUA uma corrente abertamente socialista e que na França e em outros países europeus o velho socialismo socialdemocrata esteja em crise terminal. E que, no Brasil e em outros “emergentes”, o caminho do desenvolvimento econômico, social e político, se ainda precisa da participação ativa de forças produtivas privadas, também demanda a participação cada vez mais diretiva de instrumentos econômicos e políticos de viés crescentemente sociais. O socialismo retorna à ordem do dia.
http://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12556-por-falar-em-trump
Deixe uma resposta