Teoria

Como “intelectuais” franceses arruinaram o ocidente: pós-modernismo e seus impactos, explicados

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Helen Pluckrose – O pós-modernismo representa uma ameaça não só à democracia liberal, senão à própria modernidade. Isto pode soar ousado ou até hiperbólico, mas a verdade é que o conjunto de ideias e valores nas raízes do pós-modernismo rompeu os limites da academia e ganhou grande poder cultural na sociedade ocidental. Os “sintomas” irracionais e identitários são fáceis de reconhecer, e muito criticados, mas o ethos que lhes subjaz não é entendido o suficiente. Isso se deve em parte aos pós-modernos raramente se explicarem com clareza, e em parte às contradições e inconsistências inerentes a um estilo de pensamento que nega a existência de uma realidade estável ou de conhecimento confiável. No entanto, há ideias consistentes nas raízes do pós-modernismo, e entendê-las é essencial se quisermos rebatê-las. Subjazem aos problemas que vemos hoje no ativismo da justiça social, minam a credibilidade da esquerda e perigam nos devolver a uma cultura irracional, tribal e “pré-moderna”.

O pós-modernismo, grosso modo, é um movimento artístico e filosófico que começou na França, nos anos 1960, produziu uma arte perplexante, e uma teoria mais perplexante ainda. Aproximou-se da arte de vanguarda e surrealista e de ideias filosóficas anteriores – em especial as de Nietzsche e Heidegger, por seu antirrealismo e rejeição do conceito do indivíduo unificado e coerente. Reagiu ao humanismo liberal dos movimentos modernistas artísticos e intelectuais, cujos proponentes eram vistos como universalizadores ingênuos da experiência ocidental, de classe média e de homem.

Rejeitou a filosofia que valoriza a ética, a razão e a clareza com a mesma acusação. O estruturalismo, movimento que (com confiança amiúde excessiva) pretendeu analisar a cultura e a psicologia humanas conforme estruturas consistentes de relações, foi atacado. O marxismo, com seu entendimento da sociedade através de classes e estruturas econômicas, foi visto como igualmente rígido e simplista. Acima de tudo, pós-modernos atacaram a ciência e seu propósito de alcançar conhecimento objetivo acerca duma realidade que exista independente das percepções humanas, as quais têm por só mais uma forma de ideologia dominada por suposições burguesas ocidentais. Decididamente esquerdista, o pós-modernismo tem um ethos tanto niilista quanto revolucionário que raciocinava conforme um Zeitgeist ocidental pós-guerra e pós-império. À medida que o pós-modernismo continuou a desenvolver-se e diversificar-se, sua fase desconstrutiva niilista, inicialmente mais forte, tornou-se secundária (mas ainda fundamental) à sua fase revolucionária de “política identitária”.

Tem sido uma querela a questão de se o pós-modernismo é uma reação à modernidade. A era moderna é o período da história que testemunhou o humanismo da Renascença, o Iluminismo, a Revolução Científica e o desenvolvimento de valores liberais e direitos humanos – o período em que as sociedades ocidentais pouco a pouco vieram a valorizar mais a razão e a ciência do que a fé e as superstições enquanto vias para o conhecimento, e desenvolveram o conceito de pessoa como membro individual da espécie humana merecedor de direitos e liberdades, em vez de parte de vários coletivos sujeita a rígidos papéis hierárquicos na sociedade.

A Enciclopédia Britânica diz que o pós-modernismo é “em grande medida uma reação às suposições e valores filosóficos do período moderno da história ocidental (em especial a europeia)”, enquanto a Enciclopédia Stanford de Filosofia nega e diz que “suas diferenças residem antes na própria modernidade, e o pós-modernismo é uma continuação do pensamento moderno em outro modo.” Sugiro que a diferença reside em vermos a modernidade nos termos de sua produção ou de sua destruição. Se virmos a essência da modernidade como o desenvolvimento da ciência e da razão, bem como do humanismo e do liberalismo universal, os pós-modernos são-lhe opostos. Se virmos a modernidade como o despedaçamento das estruturas de poder, incluindo o feudalismo, a igreja, o patriarcado e o império, os pós-modernos estão tentando continuá-la, mas seus alvos são agora a ciência e a razão, bem como o humanismo e o liberalismo universal. Por conseguinte, as raízes do pós-modernismo são inerentemente políticas e revolucionárias, se bem que de um jeito destrutivo, ou, como diriam eles, desconstrutivo.

O termo “pós-moderno” foi cunhado por Jean-François Lyotard em seu livro de 1979, A condição pós-moderna. Ele definiu a condição pós-moderna como “uma incredulidade quanto às metanarrativas”. Metanarrativa é uma explicação coesiva de amplo alcance para fenômenos vastos. As religiões e outras ideologias totalizantes são metanarrativas, em suas tentativas de explicar o significado da vida ou todos os males da sociedade. Lyotard defendeu a substituição delas por “mininarrativas” para chegar a “verdades” menores e mais pessoais. Ele se dirigiu ao cristianismo e ao marxismo desse jeito, mas também à ciência.

Em sua opinião, “há uma interligação estrita entre o tipo de linguagem chamado ciência e o tipo chamado ética e política” (p. 8). Com ligar a ciência ao conhecimento que ela produz para o governo e o poder, ele rejeita sua pretensão de objetividade. Lyotard descreve esta condição incrédula pós-moderna como geral, e defende que a partir do fim do séc. XIX “uma erosão interna do princípios de legitimidade do conhecimento” começou a causar uma mudança no estado do conhecimento (p. 39). Pelos anos 60, a “dúvida” resultante e a “desmoralização” dos cientistas teve “impacto sobre o problema central da legitimação.” (p. 8) Nenhuma quantidade de cientistas dizendo-lhe que não estão desmoralizados, nem com mais dúvidas do que convém aos praticantes de um método cujos resultados são sempre provisórios e cujas hipóteses nunca estão “provadas”, poderia fazê-lo hesitar.

Vemos em Lyotard uma relatividade epistêmica explícita (crença em verdades ou fatos pessoal ou culturalmente específicos) e a defesa de privilegiar-se a “experiência vivida” [“vivência”] em detrimento da evidência empírica. Vemos também a promoção de uma versão de pluralismo que privilegia as perspectivas de grupos minoritários em detrimento do consenso geral de cientistas ou da ética liberal democrata, que são representadas como autoritárias e dogmáticas. Isso é consistente com o pensamento pós-moderno.

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A obra de Foucault também está centrada na linguagem e no relativismo, apesar de ele os aplicar à história e à cultura. Ele chamou esta abordagem de “arqueologia”, porque via a si mesmo como “desenterrando” aspectos da cultura histórica através dos discursos registrados (uma “fala” que assume um ponto de vista particular). Para Foucault, o discurso controla o que pode ser “conhecido” e, em diferentes períodos e lugares, diferentes sistemas de poder institucional controlam o discurso. Além disso, o conhecimento é um produto direto do poder. “Em qualquer dada cultura e em qualquer dado momento há sempre apenas uma ‘episteme’ que define as condições de possibilidade de todo conhecimento, seja ele expresso na teoria ou silenciosamente investido na prática”. [1]

Além disso, as pessoas são elas próprias construídas culturalmente. “O indivíduo, com sua identidade e características, é a produção de uma relação de poder exercida sobre os corpos, multiplicidades, movimentos, desejos, forças”. [2] Ele [o poder] não deixa quase nenhum espaço para a agência individual ou autonomia. Como Christopher Butler diz, Foucault “confia em crenças sobre o mal inerente da posição de classe do indivíduo, ou sua posição profissional, vista como “discurso”, independentemente da moralidade da conduta individual”. [3] Ele apresenta o feudalismo medieval e a moderna democracia liberal como igualmente opressivos, e advoga criticando e atacando instituições para desmascarar a “violência política que sempre tem sido exercida de forma obscura através delas.” [4]

Vemos em Foucault a expressão mais extrema do relativismo cultural lida através de estruturas de poder, na qual a humanidade compartilhada, bem como a individualidade, estão quase inteiramente ausentes. Ao contrário, as pessoas são construídas por suas posições em relação a ideias culturais dominantes, quer como opressoras, quer como oprimidas. Judith Butler se apoia em Foucault em seu papel fundacional na teoria queer, focando na natureza culturalmente construída do gênero, como fez Edward Said em seu papel similar em relação ao pós-colonialismo e “orientalismo”, bem como Kimberlé Crenshaw, no seu desenvolvimento da “interseccionalidade” e defesa das identidades políticas. Vemos também a igualação da linguagem à violência e à coerção, e da razão e do liberalismo universalista à opressão.

Foi Jacques Derrida quem introduziu o conceito de “desconstrução”, e também ele quem argumentou a favor do construtivismo cultural e da relatividade pessoal e cultural. Focou-se ainda mais explicitamente na linguagem. A frase mais conhecida do autor, “não há nada fora do texto”, se relaciona com sua rejeição à ideia de que palavras se refiram a qualquer coisa para além delas. Pelo contrário, “há apenas contextos sem os quais nenhum ponto de apoio absoluto”. [5]

Sendo assim, o autor de um texto não é a autoridade em termos de seu significado. O leitor ou ouvinte constrói seu próprio significado igualmente válido, e qualquer texto “engendra indefinidamente novos contextos de uma forma totalmente não saturável”. Derrida cunhou o termo différance, que ele derivou do verbo “differer”, que quer dizer tanto “retardar” quanto “diferir”. Isso serve para indicar que não apenas o significado nunca se fecha, mas também é construído pelas diferenças, especialmente pelas oposições. A palavra “jovem” só faz sentido no seu relacionamento com a palavra “velho”; ele argumentava, seguindo Saussure, que o significado é construído pelo conflito entre essas oposições elementares, que, para ele, sempre formam um positivo e um negativo. “Homem” é positivo e “mulher” é negativo. “Ocidente” é positivo; e “oriente”, negativo. Ele insistiu que “Não estamos lidando com uma existência pacífica lado a lado, mas sim com uma hierarquia violenta. Um dos dois termos governa o outro (axiologicamente, logicamente, etc.), ou está por cima do outro. Para desconstruir a oposição, em primeiro lugar, é necessário inverter a hierarquia num dado momento”. [6] Desconstrução, assim, envolve inverter as hierarquias percebidas, tornando “mulher” e “oriente” positivos e “homem” e “ocidente” negativos. Isso deve ser feito ironicamente, para revelar a natureza culturalmente construída e arbitrária dessas oposições percebidas, num conflito desigual.

Vemos em Derrida mais relativismo, tanto cultural quanto epistêmico, e mais justificativas para as políticas identitárias. Há uma negação explícita de que as diferenças possam ser outra coisa senão opositoras e, portanto, há uma rejeição dos valores liberais do Iluminismo de superar a diferenças e focar-se nos direitos humanos universais, e liberdades e empoderamento individuais. Encontramos aqui as bases da “misandria irônica”, do mantra de que “não existe racismo reverso”, e da ideia de que a identidade determina o que pode ser entendido. Encontramos ainda a rejeição da necessidade de clareza no discurso e no argumento, assim de entender o ponto de vista do outro e evitar a má interpretação. A intenção de quem discursa é irrelevante. O que importa é o impacto do discurso. Isso, somado a ideias foucauldianas, subjaz à crença corrente na natureza profundamente danosa da “microagressão” e do uso “errado” de termos relacionados ao gênero, raça ou sexualidade.

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Lyotard, Foucault e Derrida são apenas três dos pais fundadores do pós-modernismo, mas suas ideias compartilham temas em comum com outros “teóricos” influentes, e foram utilizadas por pós-modernos posteriores que as aplicaram em um crescente espectro de disciplinas no interior das ciências sociais e humanidades. Já vimos que isso inclui uma sensibilidade intensa para a linguagem no nível da palavra, e um sentimento de que o que o orador quer dizer é menos importante do que o que é percebido, não importa quão radical seja a interpretação. A humanidade compartilhada e a individualidade são essencialmente ilusões, e as pessoas são propagadoras ou vítimas de discursos que dependem de sua posição social: uma posição que é dependente da identidade, muito mais que de seu engajamento individual na sociedade. A moralidade é culturalmente relativa, assim como a própria realidade. A evidência empírica é suspeita, e também o são quaisquer ideias culturalmente dominantes – tais como a ciência, a razão e o liberalismo universalista. Estes são valores iluministas ingênuos, totalizantes e opressores, e há uma necessidade moral de esmagá-los. Ainda mais importantes são a vivência, as narrativas e as crenças dos grupos “marginalizados” que são igualmente “verdadeiras”, mas precisam agora ser privilegiadas sobre os valores do Iluminismo para reverter a opressiva, injusta e inteiramente arbitrária construção social da realidade, da moralidade e do conhecimento.

O desejo de esmagar o status quo, desafiar os valores e instituições amplamente aceitos e erguer os marginalizados é absolutamente liberal em seu ethos. Opor-se a isso é decerto conservador. Essa é a realidade histórica, mas nós estamos em um ponto único da história onde o status quo é de perfeita consistência liberal, com um liberalismo que exalta os valores da liberdade, direitos iguais e oportunidades para todos, independente do gênero, raça ou sexualidade. O resultado é a confusão em que liberais veteranos que desejam conservar esta espécie de status quo liberal são considerados conservadores e aqueles que buscam evitar o conservadorismo a todo custo estão defendendo o irracionalismo e o antiliberalismo. Enquanto os primeiros pós-modernos tentaram em geral desafiar discursos com discursos, os ativistas motivados por suas ideias estão se tornando mais autoritários, e seguindo-as até às suas conclusões lógicas. A liberdade de expressão [free speech] está sob ameaça porque o discurso [speech] agora é perigoso. Tão perigoso que as pessoas podem, considerando-se liberais, justificar que se o responda com violência. A necessidade de defender um ponto persuasivamente, utilizando o argumento racional foi, agora, substituída pelas referências à identidade e ao ódio puro.

Mesmo com todas as evidências de que o racismo, o sexismo, a homofobia, a transfobia e a xenofobia são sempre menores nas sociedades ocidentais, acadêmicos esquerdistas e os ativistas da justiça social exibem um pessimismo fatalista, possibilitado pelas “leituras” práticas interpretativas pós-modernas, que valorizam o viés da confirmação. O poder autoritário dos acadêmicos e ativistas pós-modernos parecem invisíveis para si próprios, conquanto evidente para todos os outros. Como diz Andrew Sullivan sobre a interseccionalidade:

Coloca uma ortodoxia sob a qual toda a experiência humana é explicada – e através da qual todo discurso precisa ser filtrado… Qual o puritanismo outrora familiar na Nova Inglaterra, a interseccionalidade controla a linguagem e os próprios termos do discurso. [7]

O pós-modernismo se tornou uma metanarrativa lyotardiana, um sistema de poder discursivo e uma hierarquia opressora de Derrida.

O problema lógico da autorreferenciação foi apontado aos pós-modernos por filósofos com bastante constância, mas isso é algo que eles têm que abordar de forma convincente. Como Christopher Butler apontou, “a plausibilidade da proposição de Lyotard sobre o declínio das metanarrativas no final do século XX depende, em última instância, de um apelo à condição cultural de uma minoria intelectual”. Em outras palavras, a hipótese de Lyotard deriva diretamente dos discursos que o rodeavam na sua bolha acadêmica burguesa e é, de fato, uma metanarrativa sobre a qual ele não ficou nem um pouco incrédulo. Igualmente, o argumento de Foucault de que o conhecimento é historicamente contingente precisa ser, ele mesmo, historicamente contingente; outrossim, perguntamo-nos por que Derrida se deu ao trabalho de explicar tanto a infinita maleabilidade dos textos numa tal amplitude, se eu poderia ler todas as suas obras e afirmar que elas são histórias sobre coelhinhos com o mesmo grau de autoridade.

Esta não é, claro, a única crítica comumente feita ao pós-modernismo. O problema mais gritante do relativismo cultural e epistêmico foi muito bem tratado por filósofos e cientistas. O filósofo Davi Detmer, em Challenging Postmodernism, diz:

Considere este exemplo, dado por Erazim Kohak: “quando eu tento, sem sucesso, enfiar uma bola de tênis dentro de uma garrafa de vinho, eu não preciso tentar várias garrafas de vinho e várias bolas de tênis; antes de usar o canhão de indução de Mill, eu chego, intuitivamente, à hipótese de que bolas de tênis não cabem dentro de garrafas de vinho’… Estamos agora em uma posição de virar a mesa [contra as afirmações de pós-modernos sobre a relatividade cultural] e perguntar: se eu julgo que bolas de tênis não entram dentro de garrafas de vinho, você pode me dizer, precisamente, como meu gênero, localização espacial e histórica, classe, etnicidade, etc. determina a objetividade dessa constatação? [8]

Entretanto, ele não encontrou pós-modernos dispostos a explicar seu raciocínio, e descreve uma desconcertante conversa com uma filósofa pós-moderna, Laurie Calhoun:

Quando eu tive a oportunidade de questioná-la sobre se é um fato ou não que girafas são mais altas do que formigas, ela replicou que este não era um fato, mas sim um artigo de fé religiosa em nossa cultura.

Os físicos Alan Sokal e Jean Bricmont trataram do mesmo problema de uma perspectiva científica em Imposturas Intelectuais: o abuso da ciência por pensadores pós-modernos.

Quem pode, agora, negar a sério a “grande narrativa” da evolução, exceto alguém preso por uma narrativa mestra muito menos plausível, como o criacionismo? E quem gostaria de negar as verdades da física básica? A resposta é “alguns pós-modernos”.

E

Há, na verdade, algo muito estranho na crença de que, digamos, procurar por leis causais ou uma teoria unificada, ou em questionar-se sobre se átomos realmente obedecem às leis da mecânica quântica, as atividades dos cientistas são, de alguma forma, inerentemente “burguesas”, “eurocêntricas”, “masculinistas” ou mesmo “militaristas”.

O quanto o pós-modernismo é uma ameaça à ciência? Há, certamente, alguns ataques externos. Nos protestos recentes contra uma palestra de Charles Murray em Middlebury, os manifestantes gritaram, em um jogral:

A ciência sempre foi utilizada pala legitimar o racismo, o sexismo, o classismo, a transfobia, o capacitismo e a homofobia, todos vistos como fatos e racionais, e apoiados pelo governo e pelo Estado. No mundo de hoje, há pouco que seja um “fato” verdadeiro. [9]

Quando os organizadores da Marcha pela Ciência tuitaram que “Colonização, racismo, imigração, direitos, direitos indígenas, sexismo, capacitismo, queer-trans-intersexfobia e justiça econômica são questões científicas” [10] muitos cientistas criticaram esta politização da ciência, e este descarrilamento do foco na preservação da ciência em prol da ideologia interseccionalista. Na África do Sul, os movimentos progressistas de estudantes #CiênciaDeveAcabar e #DescolonizeACiência anunciaram que a ciência é apenas uma forma de saber que as pessoas foram ensinadas a aceitar. Eles sugeriram a bruxaria como uma alternativa. [11]

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Apesar disso, a ciência como uma metodologia não está indo a lugar algum. Ela não pode ser “adaptada” para incluir o relativismo e “saberes alternativos”. Pode, no entanto, perder a confiança do público, e assim o financiamento estatal – e isso não é uma ameaça que deve ser subestimada. Ademais, numa época em que os líderes mundiais duvidam da mudança climática, os pais acreditam em falsas afirmações sobre vacinas causarem autismo e as pessoas se voltam para homeopatas e naturopatas como soluções para doenças graves, é perigoso num nível de ameaça à nossa existência destruir ainda mais a confiança das pessoas nas ciências empíricas.

As ciências sociais e humanidades, no entanto, estão em perigo de perder todo reconhecimento. Algumas disciplinas dentro das ciências sociais já perderam. A antropologia cultural, a sociologia, os estudos culturais e os estudos de gênero, por exemplo, já sucumbiram quase totalmente não apenas ao relativismo moral, mas também ao relativismo epistêmico. A literatura inglesa também, de acordo com minha experiência, é ensinada a partir de uma ortodoxia pós-moderna. A filosofia, como nós vimos, está dividida, assim como a história.

Historiadores empíricos amiúde são criticados pelos pós-modernos entre nós por afirmarem que sabem o que realmente aconteceu no passado. Christopher Butler retoma a acusação de Diane Purkiss de que Keith Thomas estava permitindo um mito que fundava a identidade histórica masculina na “falta de poder e de fala das mulheres” quando ele trouxe evidência de que mulheres acusadas de bruxaria em geral eram indigentes sem poder algum. Presumivelmente, deveria ter afirmado, contra a evidência, que elas eram ricas, ou melhor ainda, homens. Como Butler diz:

Parece que as afirmações empíricas de Thomas conflitavam com o princípio rival de Purkiss organizador da narrativa histórica: o de que ela deve ser utilizada para apoiar a noções contemporâneas de empoderamento feminino (p. 36).

Tive o mesmo problema ao tentar escrever sobre raça e gênero na virada do século XVII. Argumentei que o público de Shakespeare não achou tão difícil de entender a atração de Desdêmona pelo negro Otelo, que era cristão e soldado de Veneza, porque o preconceito contra a cor da pele só se tornou dominante mais para o fim do século XVII, quando o tráfico negreiro atlântico ganhou força, e as diferenças religiosas e nacionais eram bem mais profundas antes disso. Um eminente professor me disse que isso era problemático, e perguntou-me como as comunidades negras nos EUA contemporâneos sentir-se-iam a respeito de minha afirmação. Se, hoje, afro-americanos se sentirem mal com algo, segue-se que isso não pode ter ocorrido no século XVII, ou que é moralmente errado mencionar o fato. Como Christopher Butler disse,

O pensamento pós-moderno vê a cultura contendo um número de histórias perpetuamente em competição, cuja efetividade depende menos do apelo a um padrão de juízo independente do que do apelo às comunidades nas quais elas circulam.

Eu temo pelo futuro das humanidades.

Os perigos do pós-modernismo, porém, não estão limitados a nichos da sociedade que orbitam ao redor da academia a da justiça social. Ideias relativistas, sensibilidade à linguagem e foco na identidade sobre a humanidade ou individualidade ganharam dominância na sociedade mais ampla. É muito mais fácil dizer como você se sente do que examinar rigorosamente as evidências. A liberdade de “interpretar” a realidade de acordo com os valores próprios de cada um alimenta a tendência realmente humana do viés da confirmação e do raciocínio motivado.

Tem se tornado senso comum dizer que a extrema direita está, agora, usando as políticas identitárias e o relativismo epistêmico num caminho muito semelhante à da esquerda pós-moderna. Claro, a extrema direita sempre se baseou em temáticas de raça, gênero e sexualidade e foi propensa a visões irracionais e anticientíficas, mas o pós-modernismo produziu uma cultura mais amplamente receptiva a isso. Kenan Malik descreve a mudança:

Quando sugeri mais cedo que a ideia de “fatos alternativos” baseou-se em “um conjunto de conceitos que, nas últimas décadas, foram utilizados por radicais”, eu não estava sugerindo que Kellyane Conway ou Steve Bannon, muito menos Donald Trump, tinham lido Foucault ou Baudrillard… mas sim que alas da academia e da esquerda, nas últimas décadas, ajudaram a criar uma cultura que relativiza as perspectivas sobre os fatos e o conhecimento – o que foi visto de forma inofensiva – e, assim, tornaram mais fácil para que a direita reacionária não apenas reapropriasse ideias reacionárias, mas também que promovesse essas ideias” [12]

Este “conjunto de conceitos” ameaça nos levar para uma época anterior ao Iluminismo, quando a “razão” era vista não apenas como inferior à fé, mas também como um pecado. James K. A. Smith, um teólogo protestante e professor de teologia, viu rapidamente as vantagens do pós-modernismo para o cristianismo e viu-o como “uma corrente de ar fresco do Espírito para relativizar os ossos secos da igreja” (p. 18). Em Who’s Afraid of Postmodernism? Taking Derrida, Lyotard, and Foucault to Church, ele diz:

Um envolvimento sério com o pós-modernismo nos encorajará a olhar para trás. Veremos que muito que está sob o rótulo de filosofia pós-moderna tem um olho em fontes antigas e medievais, e constituem uma significativa recuperação de formas pré-modernas de conhecer, ser e fazer” (p. 25)

E

O pós-modernismo pode ser um catalisador para a Igreja retomar sua fé não como um sistema de verdade ditado por uma razão neutra, mas sim como uma história que requer “olhos para ver e ouvidos para ouvir” (p. 125)

Nós, na esquerda, devemos ter muito medo do que o “nosso lado” produziu. Claro, nem todo o problema na sociedade hoje em dia é culpa do pensamento pós-moderno, e não ajuda em nada sugerir que seja. O crescimento do populismo e do nacionalismo nos EUA e na Europa também se deve a uma extrema-direita de longa data e ao medo do islamismo promovido pela crise dos refugiados. Filiar-se a uma posição rígida “antijusticeiros sociais” e criticar tudo que vem desta porção da esquerda é também um efeito do raciocínio motivado e do viés da confirmação. A esquerda não é responsável pela extrema-direita, nem pela direita religiosa, nem pelo nacionalismo secular, mas é responsável por não se preocupar com questões razoáveis, tornando mais difícil para que pessoas razoáveis a apoiem. É responsável pela sua própria fragmentação, pelas exigências de pureza e pelo dissídio, que fazem até a extrema-direita parecer coesa e coerente em comparação.

Para recuperar a credibilidade, a esquerda necessita retomar um forte, coerente e razoável liberalismo. Para isso, precisamos superar em discurso a esquerda pós-moderna. Precisamos  enfrentar suas oposições, divisões e hierarquias com nossos princípios universais da liberdade, igualdade e justiça. É necessária uma consistência de princípios liberais para opormo-nos a todas as tentativas de avaliar ou limitar pessoas pela raça, gênero ou sexualidade. Precisamos expressar nossas preocupações com imigração, globalismo e políticas identitárias autoritárias que estão dando poder à extrema-direita, em vez de tratar pessoas que as expressam de “racista”, “sexista” ou “homofóbico” e acusá-las de querer cometer violência discursiva. Podemos fazer isso enquanto continuamos a nos opor às frações autoritárias da direita que são genuinamente racistas, sexistas e homofóbicas, mas que agora podem se esconder atrás de uma fachada de oposição razoável à esquerda pós-moderna.

Nossa crise atual não é da esquerda contra a direita, mas da consistência, da razão, da humildade e do liberalismo universalista contra a inconsistência, o irracionalismo, a certeza fanática e o autoritarismo tribalista. O futuro da liberdade, igualdade e justiça parece igualmente sombrio tanto com a esquerda pós-moderna quanto com a direita pós-verdade vencendo a guerra atual. Aqueles dentre nós que valorizam a democracia liberal e os frutos do Iluminismo e da Revolução Científica – e a própria modernidade – precisam oferecer uma opção melhor do que ambas.

http://xibolete.uk/intelectuais-franceses/

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