Ricardo Alvarez – Em menos de um ano de governo e apoiado num Congresso apodrecido e sem representatividade, Michel Temer (PMDB) produziu estragos que serão sentidos por décadas não apenas dentre os trabalhadores, mas por toda a nação. O que está em jogo? A desconstrução da ideia de Brasil.
O circuito do raciocínio não precisa ser muito elaborado para compreender o rumo que as coisas tomam no Brasil.
Congelar o orçamento por vinte anos, desmontar a CLT e destruir a previdência pública, apesar de parecerem medidas maldosas e desconexas de um governo perdido e descaracterizado, na verdade atende a demandas históricas das elites nacionais que esfregam as mãos desejosas pelos efeitos do desmonte do frágil estado de bem-estar-social erguido por décadas com sofrência e luta.
É esta condição que garante o apoio ao governo Temer, que não se restringe ao parlamento.
As bases destas medidas se articulam a partir de duas vertentes: a primarização da economia e a capilarização do rentismo.
A crescente agressividade do agronegócio
Há décadas que os pequenos produtores – que abastecem 70% do consumo nacional de alimentos -, lutam pela terra, contra o latifúndio e apoio à produção. Recebem balas, expulsão de suas terras e porta na cara dos agentes financiadores de safra. O resultado em médio e longo prazo é o aumento dos preços dos alimentos, algo que já é perceptível para as famílias.
Soja, milho, cana de açúcar, minério de ferro, carne de frango e bovina, manganês, dentre outras commodities, ocupam os primeiros lugares de nossa pauta exportadora. Vende-se exaustivamente o vigor do agronegócio mas ele esconde a matança dos povos indígenas, o desterro e a destruição ambiental. A tragédia em Minas Gerais com o rompimento da barragem e a transformação do rio Doce em lama não foi um ponto fora da curva.
Assistir uma sessão da Câmara e os discursos dos representantes do agronegócio é reviver um Brasil pré-Estado Novo. Deputados desta bancada invariavelmente apoiam retirada de direitos sociais, facilidades e vantagens para o capital e projetos de falsa moral.
Nos últimos anos este setor tem ampliado sua importância na macroeconomia não tanto pelo valor gerado e pela importância social, mas pela opção política de transformar o Brasil numa potência agroexportadora, provocando a reprimarização de nossa economia. São Paulo virou um mar de cana e o centro-oeste um oceano de soja.
E, diga-se, esta opção vem desde a redemocratização com a eleição de Collor de Mello. Figurões de botas e cintos de couro com grandes fivelas, ostentando capivaras criminais e feudos intermináveis, viram ministros, senadores e deputados sem o menor compromisso com a civilidade. A recente crise da carne, por exemplo, mostra isso com clareza e é muito mais um sintoma de um país que se curvou ao setor do que esta bobagem de “ataque ao capital nacional”.
O rentismo e a sedução do ganho fácil
A segunda vertente deste processo de desconstrução nacional passa pelo domínio dos especuladores tentaculados entre os agentes econômicos.
Alguns creditam à eles a condição de parasitas da economia que impedem empresários de iniciativa em desenvolverem suas atividades. Nada mais falso. O grande capital curvou-se às facilidades e rentabilidades do rentismo, que se espalhou pelos setores mais importantes da economia nacional.
No varejo as vendas se difundiram na forma de carnês. Para automóveis consórcio. Grandes oligopólios contam com bancos próprios. Até na construção civil, setor de histórica falta de liquidez, existem complexos mecanismos de financiamento que possibilitaram negociações mais rápidas com base em papéis e títulos imobiliários.
Há também fortes vínculos entre empresas produtoras e o mercado financeiro, sociedades, acordos, fusões, criação de holdings, enfim, há uma mescla de interesses que há tempos reduziu uma pretensa distensão entre capital produtivo e capital especulativo à pó. Os interesses convergem.
Mesmo os trabalhadores não vivem mais sem um banco, seja para o crédito de seus salários e aposentadorias, seja para o pagamento de contas e crediários. O crédito consignado, o uso do FGTS no mercado acionário e a explosão das lojas de crédito pessoal completam este cenário.
A extensão dos tentáculos do rentismo chega inclusive ao tesouro nacional, que é espoliado cotidianamente em tenebrosas transações através de títulos públicos geradores de ganhos fáceis e lucros exorbitantes. Os juros estratosféricos praticados pelos sucessivos governos após a redemocratização é a garantia da rentabilidade e a opção preferencial da prestação do serviço. O sistema financeiro nacional trocou o empréstimo produtivo pela roda viva do comércio de papéis.
O desempenho das ações na BOVESPA em 2016 reafirma este cenário. Das 10 empresas mais rentáveis 6 são do ramo financeiro (1º Itaú, 2º Bradesco, 5º Banco do Brasil, 6º Santander, 9º BB Seguridade e 10º Cielo), uma é mineradora (3º Vale) e a única indústria nesta lista é uma cervejaria (4º Ambev) que produz com bens de consumo não duráveis de baixo valor agregado. Completam a lista duas privatizadas da área de infra-estrutura (7º Energia Paulista e a 8º Telefônica).
O que fazer?
A manutenção do governo Temer é vital para a direita ganhar tempo, respirar e se articular em busca de consensos eleitorais até uma eventual eleição em 2018. Para isso conta com a LavaJato, parcelas da alta corte do judiciário, uma equipe de jornalistas e blogueiros nos jornais, rádios, revistas, sites, redes sociais que insistem em atacar permanentemente a esquerda, os movimentos sociais e o movimento sindical.
A esquerda deve, por sua vez, construir seus consensos em torno de um programa de mudanças na estrutura do Estado, na defesa de um programa democrático popular para as eleições gerais e na radicalização da democracia e da participação popular.
A luta contra o desmonte da previdência e a terceirização está revitalizando a luta social golpeada após os movimentos verde-amarelo, as ações seletivas da “República de Curitiba” e dos constantes ataques da grande mídia.
Estamos no caminho certo da retomada das lutas populares. O Fora Temer é uma bandeira que ultrapassa os limites de um governo anti-popular. Neste sentido é preciso aprender com os erros dos governos petistas: o Brasil precisa de um programa de mudanças que supere o assistencialismo, as políticas compensatórias e os afagos na burguesia.
Errar o mesmo erro tem nome.
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