Geografia

Os 30 anos dos Acordos de Oslo e o fracasso da paz entre palestinos e israelenses

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Apesar de alguns avanços, no mesmo ano da assinatura dos Acordos de Oslo, já existiam cerca de 110 mil colonos israelenses vivendo em assentamentos ilegais espalhados pelas regiões da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental.

“Sinto o cheiro distinto da morte pela aba da tenda. Emanando dos restos das pessoas mortas há uma semana e que só agora foram recuperadas, trazidas para esta clínica de campo para serem ensacadas e catalogadas. O menor cadáver é uma criança do tamanho do meu braço. Os outros restos consistem em apenas partes do corpo – eu tenho o vislumbre de um pé e meia perna. Eu vejo um homem no canto, sozinho, agachado soluçando baixinho. É tudo o que resta de seus parentes, alguém que trabalha no acampamento me contou”. (CNN, 2024).

Créditos: Kobi Gideon / Creative Commons

As imagens de Israel e da Palestina, atualmente, são absolutamente impactantes e desesperadoras. A destruição de Gaza ocasiona imagens e testemunhos de muito sofrimento. As incursões e os bombardeios aéreos em resposta aos ataques do Hamas de outubro de 2023 transformaram a vida e a rotina de 2 milhões de seres humanos. Os moradores que ainda permanecem em Gaza convivem com o mau cheiro e o luto por milhares de mortos, em um espaço geográfico muito pequeno. Do outro lado do muro, milhares de israelenses pressionam o governo de Israel a aprovar um cessar fogo e a libertar os reféns, vivos ou mortos, em manifestações de rua cada vez mais massivas.

Por outra parte, a história da prolongada e gradual ocupação da Cisjordânia produz experiências dramáticas. Em uma reportagem do Globo (2024), Maynara Nafe, palestina-brasileira, de 21 anos, narra um testemunho sobre o aumento vertiginoso da violência nos arredores dos assentamentos israelenses. De acordo com Nafe, sua família, “tem se alimentado do que plantam, pois, uma simples ida ao mercado pode fazer com que nunca mais voltem para casa. Minhas tias dormem com véu, pois a qualquer momento alguém pode invadir a casa”.

Há mais de 30 anos, em 1993, os Acordos de Paz de Oslo assinados para o estabelecimento do fim do conflito Israel-Palestina geraram muitas expectativas, entre palestinos, israelense e, sobretudo na audiência internacional ansiosa pelo fim da violência no Oriente Médio.

Embora os integrantes do Hamas e seus simpatizantes fossem contrários a quaisquer possibilidades de acordo com os israelenses, os Acordos de Oslo contavam com o apoio de um terço da população palestina que ansiavam por dias mais tranquilos, mais autonomia e normalidade (BBC, 2023). Os Acordos geraram a Autoridade Palestina, a fim de garantir um governo autônomo que, à princípio deveria ter um caráter provisório, com duração de 5 anos, enquanto as negociações avançassem em torno dos assuntos concernentes ao conflito. Após o período de transição, a Autoridade Palestina deveria ser substituída por um governo eleito democraticamente.

Dessa feita, um “futuro governo palestino” administraria o seu próprio Estado independente, situado nos territórios da Cisjordânia, Faixa de Gaza e, em sua “capital”, Jerusalém Oriental.

Além da estruturação do Estado palestino, como resultado dos Acordos de Oslo, alguns líderes da extinta Organização pela Libertação da Palestina (OLP), até então sob o status de clandestinidade, regressaram do exílio no exterior. Para tanto, a OLP havia concordado em renunciar à luta armada e a reconhecer o direito do Estado de Israel de coexistir em paz com o futuro Estado da Palestina. A recém-formada Autoridade Palestina, através de seu presidente, Yasser Arafat, passou, de fato, a ter condições de prover serviços básicos a toda sua população, como saúde, educação e segurança em algumas regiões da Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.

Apesar de alguns avanços, logo no início, no mesmo ano da assinatura dos Acordos de Oslo, em 1993, já existiam cerca de 110 mil colonos israelenses vivendo em assentamentos ilegais espalhados pelas regiões da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental (BBC, 2023). Contudo, ao invés de diminuir, ou ao menos, de congelar a construção de assentamentos em territórios ocupados, os Acordos não foram capazes de suspender a continuidade da ocupação. Nesse período, os territórios da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental continuaram a ser ocupados ilegalmente, de maneira progressiva. O que, rapidamente, tornou a iniciativa de paz uma falácia entre toda a população palestina, residentes dos territórios palestinos, nos campos de refugiados e na diáspora.

Atualmente, existem mais de 700 mil colonos nos territórios palestinos ocupados (BBC, 2023). A Cisjordânia e Jerusalém Oriental tornaram-se regiões descontínuas, passaram a constituir pequenas “ilhas” de cidades palestinas em meio a milhares de assentamentos. Isso inviabilizou de vez a solução de dois Estados para dois povos, através do estabelecimento de um Estado palestino em um espaço contínuo, com fronteiras seguras e reconhecidas pelo Direito Internacional.

A enorme resistência aos Acordos do lado israelense decretou a morte do então primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin. Momentos após assinar os Acordos e cumprimentar o então presidente da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, Rabin foi assassinado em um atentado cometido por um colono fundamentalista. A morte de Rabin, imediatamente, foi precedida por uma gradual radicalização da sociedade e da política israelense. O governo de Israel passou a, cada vez mais, se associar a uma ala nacionalista e religiosa que demandam a anexação da Cisjordânia e a aceleração do processo de “judaização” de toda a cidade de Jerusalém.

Aliado a esses acontecimentos, Arafat estabeleceu uma Autoridade Palestina problemática, com graves denúncias de corrupção (SAID, 2003, p. 109). A população palestina sitiada, passou a ter que conviver com a ocupação de Israel e com o autoritarismo e a brutalidade da força policial da Autoridade Palestina. O prazo de 5 anos de governo provisório nunca foi respeitado. As últimas eleições para a presidência da Autoridade Palestina foram no ano de 2009, ou seja, não já eleições na Palestina há 15 anos.

O gradual enfraquecimento da Autoridade Palestina frente ao aumento da brutalização da ocupação ocasionou uma ampla revolta popular e, consequentemente, um aumento avassalador da violência. A segunda Intifada, em 2000, conhecida como Intifada Al Aqsa, devido à presença provocativa de Ariel Sharon ao Monte do Templo, em Jerusalém, escoltado por cerca de mil policiais fortemente armados que fecharam o acesso à mesquita Al-Aqsa aos palestinos muçulmanos, ocasionou fortes manifestações de rua em praticamente todas as cidades palestinas.

Além do campo de batalhas, a segunda Intifada fortaleceu o Hamas, através dos ataques suicidas contra diversos alvos situados nas cidades israelenses, como os cafés, os hotéis, ônibus etc. Os ataques e o número elevado de vítimas israelenses ganharam notoriedade e tornaram o Hamas a força política de maior expressão na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.

A popularidade do Hamas foi definitivamente comprovada com a vitória nas eleições parlamentares da Palestina em 2006. A escolha palestina pelo Hamas ocorreu em razão da luta armada contra Israel e em decorrência da construção de uma rede de assistência à população carente, sobretudo na Faixa de Gaza (HROUB, 2008).

No ano seguinte, em 2007, como consequência dos resultados das eleições palestinas, houve confrontos armados entre as duas principais forças políticas, o Hamas e o Fatah, a guerra civil instalada ficou conhecida popularmente como a “Batalha de Gaza”. Ao final, dezenas de palestinos foram assassinados nesse período. Políticos e funcionários do Fatah foram expulsos de Gaza. Consequentemente, o Fatah passou a manter o controle da Cisjordânia, enquanto o Hamas tomou um controle violento da Faixa de Gaza.

Em resposta à liderança do Hamas em Gaza, Israel isolou o território palestino, através da construção de um muro que separa a Faixa de Gaza das cidades israelenses. Além do isolamento geográfico, Israel e o Egito impuseram um bloqueio econômico e comercial. O controle por terra, água e mar são mantidas sob um forte esquema militar. O bloqueio de Gaza restringe a entrada de praticamente todos os tipos de suprimentos, como alimentos, materiais escolares, insumos médicos, itens de construção civil, combustíveis etc. Algumas organizações de Direitos Humanos, como a Anistia Internacional, classificam o bloqueio de Gaza como punição coletiva capaz de gerar uma grave crise humanitária na região (BBC, 2010).

O governo de Israel justifica que o bloqueio visa enfraquecer o poderio do Hamas, a fim de impedir os constantes ataques com foguetes a Israel. Contudo, os ataques se intensificaram com o passar do tempo e com a ajuda do governo iraniano e, mais tarde, do Qatar. O apoio político e financeiro desses dois Estados proporcionou, inclusive, a construção de um sofisticado esquema de túneis, visando, sobretudo, o armazenamento de armamentos pesados e a luta armada contra o inimigo israelense.

Desde o fracasso dos Acordos de Paz de Oslo, houve um acirrado fortalecimento do Hamas e o enfraquecimento da Autoridade Palestina. Em Israel, o enfraquecimento do Partido Trabalhista e de setores de esquerda israelense e, em contrapartida, a expansão do Likud e da extrema direita nacionalista e religiosa, contribui com um sentimento de frustração em relação à existência de um projeto de paz consistente para toda a região.

A tragédia dos ataques do Hamas no dia 7 de outubro de 2023 e a resposta israelense em Gaza contribuem para que muitos ativistas de Direitos Humanos se tornem céticos sobre a paz. Uma delas é a ativista israelense, Ada Sagi, de 75 anos, sequestrada em outubro de 2023 e mantida refém por 53 dias. Em uma entrevista à BBC (2024) afirmou categoricamente que não acredita mais na paz entre israelenses e palestinos.

No lado palestino, um dos grandes interlocutores críticos dos Acordos de Oslo, Edward Said (2003), reagiu sobre o que seria um acordo de reconciliação firmado sob condição inescrupulosa do povo palestino esquecer toda a história da ocupação da Palestina. Tal condição vem justamente por parte daqueles que ensinam o mundo acerca da importância de não esquecer o passado (p. 315).

A realidade revela que é impossível haver reconciliação quando se nega cidadania e dignidade para um povo. Um acordo de paz consistente exige que os princípios da igualdade e da liberdade, de todos os envolvidos, sejam assegurados, ao contrário a paz permanecerá sendo apenas uma miragem em um horizonte muito distante.

Luciana Garcia de Oliveira é Mestre no Programa de Estudos Judaicos e Árabes do Departamento de Letras Orientais da USP. Uma das responsáveis pela tradução de Escritos Judaicos de Hannah Arendt, publicado pelo selo Amarilys (2016) e coautora do Routledge Handbook of Islam and Race, com previsão de lançamento em 2024.

REFERÊNCIA:

CAUSIN, Juliana e MARIANO, Laura. Palestinos no Brasil falam do luto e da angústia de ter familiares sob bombas e escombros. O Globo, dia 12 de novembro de 2023, disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/11/12/palestinos-no-brasil-falam-do-luto-e-da-angustia-de-ter-familiares-sob-bombas-e-escombros.ghtml.

DAMON, Arwa. Opinião: Como o sofrimento em Gaza é diferente de outros conflitos. CNN-Brasil, dia 6 de maio de 2024, disponível em:

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/opiniao-como-o-sofrimento-em-gaza-e-diferente-de-outros-conflitos/.

Hamas: o que é o grupo palestino que enfrenta Israel. BBC-Brasil, dia 7 de outubro de 2023, disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cqq726xz7dpo.

HROUB, Khaled. Hamas – Um guia para iniciantes. Rio de Janeiro: Difel, 2008.

KNELL, Yolande. 30 anos dos Acordos de Oslo: por que palestinos dizem que tratado de paz com Israel foi um erro. BBC – Brasil, dia 15 de setembro de 2023, disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cz4g507l8lgo.

KHALIL, Hafsa. O relato emocionante de ex-refém do Hamas: “não acredito mais na paz”. Correio Braziliense, dia 19 de junho de 2024, disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2024/06/6881088-o-relato-emocionante-de-ex-refem-do-hamas-nao-acredito-mais-na-paz.html.

SAID, Edward. Uprising against Oslo. In. The end of the peace process – Oslo and after. New York: Vintage Books, 2003.

SAID, Edward. Truth and Reconciliation. In. The end of the peace process – Oslo and after. New York: Vintage Books, 2003.

SHARP, Heather. Entenda como funciona o bloqueio à Faixa de Gaza. BBC-Brasil, 31 de maio de 2010, disponível em:

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/05/100531_entendabloqueiogaza_ji;

Fonte da matéria: Os 30 anos dos Acordos de Oslo e o fracasso da paz entre palestinos e israelenses – Le Monde Diplomatique – https://diplomatique.org.br/os-30-anos-dos-acordos-de-oslo-e-o-fracasso-da-paz-entre-palestinos-e-israelenses/

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