Política

Os espinhos na carne de Crivella

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RONALDO DE ALMEIDA – É de Paulo a expressão “espinho na carne” (II Coríntios, 12:7). A Bíblia não identifica o espinho, mas sua função era evitar a exaltação do apóstolo.

O prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), evocou essa metáfora para explicar a capa da revista “Veja” publicada pouco antes da votação de segundo turno. Nela, aparece fichado pela polícia quando jovem. Ele foi levado à delegacia por tentar tirar, na marra, o vigilante e sua família de um terreno da Igreja Universal.

Entretanto, outros espinhos lhe maltrataram a carne no segundo turno e, agora eleito, fica a dúvida de como e o quanto permanecerão lá.

O primeiro é de ordem política. Fala-se que agora a Universal governará o Rio. A crítica é excessiva e faz parte da lógica acusatória dos processos eleitorais.

Se a Universal proporcionou a ele votos e militância, o que importa após o pleito é a composição do sistema político, dos planos municipal ao federal. Isso foi explorado pela campanha de Marcelo Freixo (PSOL).

Os apoiadores de Crivella, visíveis e invisíveis, vão de Anthony Garotinho (PR) a antigos quadros do PMDB, um deles acusado de corrupção na gestão do prefeito Eduardo Paes (PMDB). Os atores políticos se deslocam, mas os interesses permanecem.

No plano nacional, o PRB deslizou da coalizão presidida pelo PT para a do PMDB. Crivella, assim, safou-se do desgaste de Lula e Dilma Rousseff, embora tenha participado (e a Universal também) de toda a era petista, abandonando-a semanas antes da votação do impeachment na Câmara dos Deputados.

Esse ferrão foi espetado em Freixo, embora o PSOL nunca tenha participado das gestões petistas. Coisas da política.

O segundo espinho é da ordem das religiões. O marketing de Crivella marcou distância da Universal, sem, contudo, perder o seu eleitorado. No programa de TV, centrado no discurso do Estado mínimo, enfatizou o empreendedorismo sem falar de religião, enquanto nas igrejas pregava-se o empreendedorismo sem fazer referência à política.

Ressonância de sentidos sem identificação entre os emissores. Ou, ainda, os programas mantiveram a linha pluralista, mas nas reuniões com segmentos sociais, nunca divulgadas à imprensa, Crivella condenava a ideologia de gênero, a destruição da família e a liberação das drogas. Dizia que Freixo representava esse perigo.

Não creio em perseguição implacável aos LGBTs, mas pouco fará para promover suas pautas e até mesmo será obstáculo a algumas delas. Ao contrário, dará impulsos, mesmo que indiretos, a pautas conservadoras, evangélicas ou não.

Não por acaso recebeu o apoio do arcebispo do Rio de Janeiro e no discurso da vitória agradeceu à Igreja Católica, às outras religiões, aos agnósticos e aos ateus. O compromisso de Crivella é com o moralmente conservador e o economicamente liberal que perpassam religiosos e não religiosos.

O último espinho é da ordem dos negócios. No segundo turno, ao caracterizar Crivella como religioso intolerante, o jornal “O Globo” protagonizou mais um capítulo da longa novela que teve, em um dos ápices, o episódio “chute na santa”, em 1995. Ou, ainda, a fotografia de Crivella na capa da “Veja” remete, de imediato, à de seu tio, o bispo Edir Macedo, atrás das grades em 1992, acusado de charlatanismo e estelionato.

O expediente jornalístico é o mesmo. Trata-se da disputa nos meios de comunicação e da desconfiança contra atores políticos e econômicos emergentes cuja fonte de recursos é isenta de tributos: o dízimo. No interior do conservadorismo liberal também há segmentações.

Crivella afirmou que sua candidatura não tinha vínculos com a TV Record e a Igreja Universal. Todavia, religião, política e interesses nos meios de comunicação mais se retroalimentam do que se anulam nele.

Sua candidatura emergiu de um grupo religioso-político-econômico (essa é a unidade de análise) que encontrou ancoragem eleitoral em um segmento em expansão e soube depois ampliá-lo, alcançando ao final a coroa de espinhos que lhe cabe.

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