José Eustáquio Diniz Alves – O preço dos alimentos tem batido recordes históricos no triênio 2021-2023.
“De pé ó vítimas da fome;
De pé famélicos da terra”
Hino da Internacional Socialista
O aumento do preço da energia, a pandemia da covid-19, a Guerra da Ucrânia e demais conflitos bélicos, a degradação dos solos, a crise hídrica e a emergência climática e ambiental estão encarecendo o custo da produção e distribuição de alimentos no século XXI. Está cada vez mais difícil produzir alimentos e saciar a demanda internacional.
O Índice de Preços dos Alimentos (FFPI) da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) atingiu o nível mais alto em um século no ano de 2022, com índice real de 140,6 pontos. Em 2023, o FFPI caiu e voltou para o patamar pré guerra iniciada pela invasão russa na Ucrânia. Mesmo com a queda no corrente ano, o FFPI está bem acima dos preços médios do segundo quinquênio da década passada.
O Índice de Preços dos Alimentos apresentou média de 121,5 pontos em setembro de 2023, marcando uma estabilidade em relação a agosto de 2023, abaixo de todos os valores de 2022, embora acima de todos os valores de 2020, conforme mostra o gráfico abaixo.
Considerando o longo prazo, o gráfico abaixo mostra o Índice de Preços dos Alimentos, em termos nominal e real. Nota-se que os valores máximos da série ocorreram em 2022 e os dois triênios com as maiores altas foram 1973-1975 e 2021-2023. Isto significa que estes dois triênios apresentam o mais altos valores em mais de 100 anos e a atual década (2021-30) deve apresentar patamares recordes no preço da comida, afetando a segurança alimentar de bilhões de pessoas.
O que fez o preço dos alimentos subir em 1973 foi a guerra entre Israel e países árabes, que teve início em 06 de outubro de 1973, durante o feriado judaico do Yom Kippur (Dia do Perdão), quando uma coalizão de países árabes, liderados por Egito e Síria, lançaram ataques contra as forças israelenses no Sinai e nas colinas de Golã. Uma das consequências desta guerra foi a crise de energia, o aumento do preço do petróleo e a consequente elevação do preço dos alimentos.
Cinquenta anos depois da guerra do Yom Kippur, os conflitos voltam a escalar de forma preocupante com o governo de Israel declarando guerra após o ataque do movimento islâmico Hamas no dia 07 de outubro de 2023. Ainda não é possível estabelecer previsões, mas este conflito pode fazer o preço dos alimentos, que já estão muito altos, subirem ainda mais.
O fato é que existem muitos fatores que ameaçam a segurança alimentar global. A atual alta trienal do preço dos alimentos contraria as teorias dos tecnófilos cornucopianos que acreditavam na constante redução do preço global da comida.
Em 1980, Julian Simon e Paul Ehrlich fizeram uma aposta que ficou famosa. Julian Simon defendia a ideia de que os avanços tecnológicos são capazes de superar os limites da Terra criando meios para sustentar uma população crescente. Paul Ehrlich – que escreveu o livro “A bomba Populacional”, em 1968 – sustentava que o crescimento populacional iria pressionar os recursos naturais e que os avanços tecnológicos seriam incapazes de contrabalançar as leis dos rendimentos decrescentes. Como resultado o aumento dos preços dos alimentos e das matérias primas seria inevitável.
Ehrlich apostou que o preço das commodities aumentaria até 1990. Simon apostou que os preços diminuiriam. Dez anos depois, Ehrlich perdeu a aposta, pois os preços caíram na década de 1980 e continuaram em nível baixo até o fim da década de 1990. Este fato foi bastante comemorado entre os ideólogos cornucopianos. Mas nos anos 2000 a tendência se inverteu e os preços dos alimentos começaram a subir no longo prazo.
Em 2011, quando a população global atingiu 7 bilhões, o economista David Lam e o demógrafo Stan Becker renovaram a aposta. Lam previu que os alimentos ficariam mais baratos nos 10 anos seguintes, apesar do contínuo crescimento populacional. Becker previu que os preços dos alimentos subiriam, por causa dos danos que os humanos estavam causando ao planeta. Becker venceu e, seguindo seus desejos, Lam assinou um cheque de US$ 194 para o Population Media Center, uma organização sem fins lucrativos com sede em Vermont, que promove ações visando a estabilização da população internacionalmente.
O fato é que a população mundial tinha menos de 4 bilhões em 1973 e chegou a 8 bilhões de habitantes em 15 de novembro de 2022 (mais que dobrando em 50 anos e aumentando 1 bilhão a mais do que em 2011). Enquanto isto crescem os impactos danosos das mudanças climáticas sobre a produção de alimentos e sobre as condições de vida da população global. Todavia, em vez de investir em sustentabilidade e estabilidade do clima, os maiores países estão gastando mais de US$ 2 trilhões em despesas militares e em gastos de guerra e destruição e aumentam as disputas geopolíticas.
Enquanto crescem as atividades antrópicas, a crise climática se aprofunda. Os meses de junho, julho, agosto e setembro de 2023 foram os mais quentes em 120 mil anos e o ano de 2023 caminha para ser o ano mais quente já registrado, com anomalia de 1,4º Celsius em relação ao período 1850-1900. Talvez o impacto do El Niño seja ainda maior sobre as temperaturas de 2024 que podem ultrapassar o limite mínimo de 1,5º C, do acordo de Paris. Evidentemente, a aceleração do aquecimento global é uma péssima notícia para o preço dos alimentos.
Os desastres provocados pela crise climática se espalham pelo mundo, com incêndios no Canadá, Europa, Sibéria, Ásia e Oceania. A Grécia viveu dias infernais de queimadas seguidos de inundações que afetaram a produção de alimentos no país. A Índia também sofreu com enchentes e proibiu a exportação de arroz para garantir o abastecimento interno do país. O Rio Grande do Sul foi afetado por seca e agora, em setembro de 2023, por inundações catastróficas.
Relatório da UNICEF divulgado 06/10/2023, mostra que mais de 113 milhões de deslocamentos de crianças ocorrerão nas próximas três décadas, por conta tempestades, inundações, incêndios e outros fenômenos meteorológicos extremos, como os riscos de inundações de rios, ventos ciclônicos e inundações que se seguem a uma tempestade. Como se sabe, as crianças são as principais vítimas da fome em todo o mundo e os países com maiores taxas de fecundidade são os que apresentam maiores índices de pobreza.
Como mostrei no artigo “O blá-blá-blá dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, publicado aqui no Ecodebate (Alves, 25/09/2023), o mundo está longe de atingir a meta de eliminar a fome global.
Ao contrário, a pobreza e a insegurança alimentar estão aumentando e, se nada for feito para mitigar as crises climática e ambiental e se não forem interrompidos os conflitos armados, bilhões de pessoas podem pagar um alto preço pela sobrevivência nas próximas décadas.
Referências:
FAO, World Food Situation, 06/10/2023
https://www.fao.org/worldfoodsituation/foodpricesindex/en/
UNICEF. Children displaced in a changing climate: preparing for a future already underway, 06/10/2023
https://www.unicef.org/media/145951/file/Climate%20displacement%20report%20(English).pdf
ALVES, JED. O blá-blá-blá dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Ecodebate, 25/09/2023
https://www.ecodebate.com.br/2023/09/25/o-bla-bla-bla-dos-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods/
ALVES, JED. Mundo lotado e as apostas sobre o futuro da população global, Ecodebate, 30/08/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/08/30/mundo-lotado-e-as-apostas-sobre-o-futuro-da-populacao-global/
ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21
https://www.youtube.com/watch?v=QVWun2bJry0&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=9
Renata Lo Prete. O Assunto #415: Comida cara, tensão social em alta, G1, 22/03/2021
https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2021/03/22/o-assunto-415-comida-cara-tensao-social-em-alta.ghtml
Fonte da matéria: Crise climática, degradação ambiental e conflitos armados encarecem o preço dos alimentos – https://www.ecodebate.com.br/2023/10/09/crise-climatica-degradacao-ambiental-e-conflitos-armados-encarecem-o-preco-dos-alimentos/
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