VICTOR PICCHI GANDIN – Nas eleições municipais disputadas em 2016 na cidade de São Paulo, cujos principais concorrentes foram João Doria (PSDB) e Fernando Haddad (PT), era comum a ideia de que, caso eleito, Doria utilizaria seu mandato para a Prefeitura como “escada” para um cargo maior.
A coluna de humor “Sensacionalista”, publicada pelo jornal Folha de São Paulo, chegou a ironizar esta situação no dia da eleição (02/10/2016), com a manchete “Eleitores decidem hoje quem vai largar o mandato em dois anos para concorrer ao Governo de SP”.
Doria, então com o discurso de “gestor” e “nova política”, acabou sendo eleito em primeiro turno, derrotando com ampla vantagem o candidato que mais tarde ficaria em segundo lugar na disputa para a Presidência da República.
Nesta eleição de 2018, como muitos imaginavam que aconteceria, a brincadeira do “Sensacionalista” se concretizou. Apesar das negativas, Doria deixou a Prefeitura de São Paulo para disputar o Governo do Estado, no qual foi eleito, deixando seu vice, Bruno Covas (PSDB) para concluir seu mandato na capital paulista.
Já governando a cidade, o tucano teve que enfrentar um novo desafio, a nível pessoal, ao ser diagnosticado com câncer. Confiante no tratamento, o neto do ex-governador Mário Covas (PSDB) optou por disputar a reeleição, buscando um novo mandato, agora “cheio”, na Prefeitura de São Paulo.
A eleição de 2020 em São Paulo contou com 13 candidatos a prefeito (além de Filipe Sabará, do partido Novo, cuja candidatura foi indeferida). Participaram nomes como Márcio França (PSB), ex-governador que agora terminou em terceiro lugar, e Celso Russomano (Republicanos), conhecido por seu “derretimento” após a largada inicial das campanhas eleitorais (desta vez, o candidato viu seu percentual de votos diminuir ainda mais, terminando em quarto lugar).
Pensando na disputa desde o início, a grande surpresa desta eleição foi a ida de Guilherme Boulos (PSOL) ao segundo turno. Quatro anos antes, Luiza Erundina, a então candidata por seu partido, havia somado apenas 184 mil votos. Em nosso ano atual, Boulos acabou tendo uma votação muito expressiva, maior do que a obtida pelo PT na capital paulista em 2016, com Fernando Haddad, e em 2020, com Jilmar Tatto.
Chama a atenção também o fato de que Boulos foi candidato a Presidente da República em 2018, ocasião em que, podendo ser votado em todo o território nacional, somou pouco mais de 600 mil votos. Já como candidato a prefeito, podendo ser votado apenas na cidade de São Paulo, Boulos recebeu mais de um milhão de votos.
A ida do PSOL ao segundo turno mostra como o PT vem perdendo espaço como partido representante da esquerda em grandes centros urbanos. Por outro lado, acabou originando também uma união entre nomes de correntes diversas deste espectro político, uma rara aliança, que pode ser uma espécie de ensaio para as eleições presidenciais de 2022.
Boulos cresceu muito ao longo de sua campanha eleitoral à Prefeitura. Talvez o próprio candidato não se imaginava disputando tão em pé de igualdade com o atual prefeito de São Paulo. O PSOL costuma lançar candidaturas “ideológicas”, para firmar posição, mas desta vez existe chance real de governar a maior cidade do país em número de habitantes.
Ao observar esta situação, Bruno Covas (PSDB) acabou adaptando seu discurso. O prefeito, que desde o início do horário eleitoral não menciona seu padrinho político João Doria, e vinha apostando na apresentação de propostas diversas e em sua história de superação pessoal sob o mote “Força, foco e fé”, agora busca não perder votos para Guilherme Boulos no segundo turno.
Covas viu que o contexto desta eleição paulistana é diferente daquele que nacionalmente elegeu Jair Bolsonaro (ex-PSL) em 2018. A disputa em São Paulo acabou configurando-se na velha polarização “esquerda x PSDB”, mas na campanha de Covas não apareceram pautas específicas associadas à direita nem referências ao atual presidente. Covas não procurou antagonizar com Boulos, mas, ao contrário, conquistar parte do eleitorado que se identifica com o candidato do PSOL.
É nítido que, desde o final do primeiro turno, com muito mais evidência agora no segundo, a campanha e as propagandas de Bruno Covas estão apostando nas mesmas bandeiras que são carregadas por Boulos. Redução de desigualdades sociais, soluções para o problema dos moradores de rua, projetos específicos para a periferia e combate à fome estão dando o tom da campanha de… Covas.
Não podemos deixar de mencionar que o candidato também continua abordando bastante o tema da Saúde. Porém, ficou claro que, ao ver o crescimento de Boulos, a campanha de Covas procurou apostar justamente nos pontos que já eram levantados por Boulos desde o início, visando o eleitorado da periferia e mais preocupado com questões sociais. Não que o candidato não se preocupasse com isso antes, mas agora tem exaltado muito mais estas características. Até um novo jingle, no estilo funk, com frases como “na perifa ele fez 12 CEUs”, foi criado.
A eleição deste domingo será disputada por um candidato sonhador, idealista, que, com o resultado do primeiro turno, mostrou confiança para tentar repetir o feito de sua vice, Luiza Erundina, que foi eleita em 1988. Do outro lado, há o primeiro colocado no primeiro turno, que conseguiu se desvincular de Doria e deixar sua própria marca, mas que também acabou adaptando muito seu discurso em relação ao de seu adversário. Trata-se de uma eleição emblemática para acompanharmos qual será o resultado.
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