Helder Lara Ferreira Filho e João Pedro Ferreira Arbache – Em virtude dos recentes debates sobre investimentos em educação, acalorados pelo Fundeb e pela trajetória da dívida pública, muito têm se criticado os gastos naquela área. Dentre essas críticas, em sua última coluna sobre educação, Marcos Lisboa (2020) se utiliza de dados interpretando-os de forma questionável. Os gastos com educação seriam maiores no Brasil do que em “89% dos países”, o que deixa implícito que o Estado gasta demais e colhe resultados ruins e insuficientes. Ou seja, deveria reduzir seus gastos e aumentar sua eficiência.
Primeiramente, comparar gastos usando a despesa em proporção do PIB como métrica pode ser enganoso. De fato, o Brasil tem um gasto relativamente elevado em percentual do PIB, particularmente se comparado com países de renda per capita similar. No entanto, com essas informações, o máximo que se pode dizer é que o país tem um maior esforço fiscal com a educação do que 89% dos países. Isso porque não faz sentido comparar a despesa com proporção do PIB e imediatamente alinhar esse dado com resultados daquela despesa (no caso, educação).
O correto nessa matéria é analisar o gasto por aluno (de preferência em dólares em poder de paridade de compra) para verificar se gastamos muito ou pouco em relação a outros países. O PIB maior de determinados países em relação a outros, ou melhor, o PIB per capita maior daqueles, pode levar a interpretações e conclusões equivocadas.
A vantagem de se utilizar o gasto por aluno também corrige a comparação por outro problema, qual seja, as diferenças demográficas de cada país. Por exemplo, países mais envelhecidos têm menos alunos comparativamente aos mais jovens. Vale citar um exemplo em que dados de 2016 mostram que o país investiu cerca de 38 mil dólares por aluno dos 6 aos 15 anos, enquanto a média da OCDE foi de 91 mil dólares; portanto, menos da metade.
É possível perceber, a partir do gráfico acima, que existe uma inequívoca tendência de melhores resultados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) com maiores investimentos em educação. Ademais, pode-se verificar como investir mais tem ainda maior relevância para países que partem de condições iniciais de baixo investimento em educação.
Além disso, fica clara também a falha ao dizer que o Brasil investe bastante em educação. Ao contrário, está entre os países que menos investem nessa área. Ao estar abaixo da linha de tendência, pode-se perceber que há potenciais ganhos de eficiência. Entretanto, o ideal é fazer os dois movimentos, a saber, aumentar os investimentos e, paralelamente, elevar a eficiência dos gastos. Outro ponto a se considerar é que o Brasil possui uma herança muito negativa em termos educacionais. Logo, era de se esperar que os investimentos caminhassem na frente em relação à eficiência, até que os ganhos de aprendizagem de gestão educacional e dos maiores recursos maturassem.
Em segundo lugar, tampouco é verdade que gastamos tão mal no país como diz o senso comum. Quando observamos nossas despesas per capita (em dólar PPP) e os resultados alcançados dessas despesas no tocante ao bem-estar da população (utilizando como proxy, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH), temos o resultado praticamente em linha com o esperado dado um conjunto de países, como se verifica em Ferreira Filho (2018).
De fato, o problema maior do país não é tanto sua qualificação e resultados alcançados, mas o valor possível a ser investido. Em outras palavras, temos de repensar nosso modelo de desenvolvimento se quisermos aumentar nossa taxa de crescimento do PIB, o que possibilitaria maiores despesas e, em consequência, melhores resultados em várias áreas, incluindo educação.
Em terceiro lugar, são questionáveis as críticas às despesas em educação, esta que, de acordo com a própria linha de pensamento econômico dominante, determina considerável parte do crescimento econômico de longo prazo de um país. Ou seja, a ideia de reduzir gastos por conta da questão fiscal vai à total contramão do receituário para ampliar o crescimento sustentável do Brasil.
Em outro artigo recentemente publicado, o próprio Lisboa (2020b) percebe esse ponto e cita a influência da educação sobre a desigualdade, a geração de renda e a qualidade de vida, além de reconhecer os tão sabidos efeitos de transbordamento que esta tem sobre toda a economia.
Nesse segundo artigo e em alguns outros semelhantes, com relação ao Fundeb, há a defesa de que evidências apontariam que políticas educacionais devem ser focadas na gestão em cada escola, em metas de desempenho, na formação e na valorização de bons professores, em detrimento do aumento salarial da categoria.
Este é apenas um lado da discussão, que de fato merece atenção. No entanto, é também necessário verificar outras importantes evidências, como qual tipo de indivíduo é atraído para a carreira do magistério.
Como se pode ver pelo gráfico acima, na média, futuros professores apresentam um resultado no PISA bastante inferior que futuros profissionais de outras carreiras, como a de engenheiros. A diferença fica ainda maior se observada apenas a situação brasileira. Há diversos motivos para isso, mas, certamente, o baixo salário é um deles.
Segue-se que a menor atratividade dessa carreira tem uma tendência de atrair profissionais menos qualificados, na média, o que pode contribuir para piores resultados na aprendizagem dos alunos. Essa questão da falta de valorização dos professores pode ser verificada abaixo, com a comparação da remuneração de professores com a de outros profissionais.
É necessário considerar se o custo fiscal de se pagar maiores salários para os professores, de modo a atrair indivíduos mais competentes suplantaria ou não os efeitos que possivelmente seriam observados na melhoria da educação e, por conseguinte, no crescimento potencial do país, além dos efeitos da justiça social.
Adicionalmente, também é pertinente questionar por que incomoda tanto professores ganharem mais. E por que esse incômodo não se apresenta no mesmo ímpeto por parte de muitos ao não se discutir penduricalhos na remuneração de servidores do judiciário, ou o tratamento especial na previdência e nos aumentos recentes na remuneração de militares relativamente aos civis.
Por fim, vale ressaltar que tudo isso exposto no texto não quer dizer que não possamos melhorar nossa composição de gastos (por exemplo, privilegiando educação, ciência e tecnologia, e investimentos públicos) – ver proposta em Ferreira Filho e Oreiro (2020) – e tampouco que não podemos melhorar a eficiência de nossas despesas públicas.
O ponto é que o problema não é somente uma questão de gestão e eficiência das despesas públicas, mas algo bem mais profundo do que isso, que afeta nossa capacidade de desenvolvimento e catch-up com os países mais ricos. Portanto, vamos conversar sobre o Estado brasileiro, mas sem espantalhos.
Referências
Ferreira Filho, H. L. Por que somos tão insatisfeitos com os serviços públicos?. Brasil Debate, <http://brasildebate.com.br/por-que-somos-tao-insatisfeitos-com-os-servicos-publicos/>, 31 ago. 2018.
Ferreira Filho, H. L.; Oreiro, J. L.. Entre narrativas e fatos sobre a questão fiscal: por um novo teto de gastos – parte 2. Brasil Debate, < http://brasildebate.com.br/entre-narrativas-e-fatos-sobre-a-questao-fiscal-por-um-novo-teto-de-gastos-parte-2/>, 2020.
Lisboa, M. Vamos conversar sobre o Estado brasileiro?. Folha de São Paulo, < https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2020/07/vamos-conversar-sobre-o-estado-brasileiro.shtml>, 2020.
Lisboa, M. Novo Fundeb amplia velhos problemas. Folha de São Paulo, < https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2020/07/novo-fundeb-amplia-velhos-problemas.shtml>, 2020b.
Fonte da matéria:
(https://brasildebate.com.br/educacao-e-preciso-mais-eficiencia-mas-tambem-investimentos/?fbclid=IwAR0yoD4hCFeiYWDsTscZASYXcrNgkZyCFnrHGti2Gw_WZL21D1fyh_5l0O8)
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