Tiago Jokura – Pergunta de Malu Dias, de São Paulo (SP).
Querida e quarentenada Malu: o primeiro vírus de que se tem notícia não estava em morcegos nem em infectados por uma gripezinha: ele apareceu em uma planta popularmente queimada para fins recreativos. Sim, foi no fumo que surgiu o primeiro vírus catalogado pelo homem, o “vírus do mosaico do tabaco” (TMV, na sigla em inglês), há 122 anos.
Quem deu à luz a descoberta foi o biólogo holandês Martinus Beijerinck, considerado um dos pais da virologia. Embora seu estudo seja de 1898, ele seguiu os passos de outros cientistas para chegar lá: a primeira pista apareceu 12 anos antes, em 1886, quando o alemão Adolf Mayer descreveu uma doença transmissível entre plantas de tabaco.
Mais tarde, em 1892, o russo Dmitri Ivanovsky observou que não eram bactérias que disseminavam a doença, mas organismos ainda menores. Ele chegou a essa conclusão depois de amassar folhas de tabaco infectadas e passar o suco verde resultante por filtros de Chamberland, tecnologia de ponta da época inventada pelo microbiologista francês Charles Chamberland, colega de laboratório de Louis Pasteur. Se os agentes infecciosos fossem bacterianos, seriam barrados na filtragem, o que não aconteceu. O líquido saiu do outro lado sem bactérias, mas não tinha nada de detox: continuava infectado.
Repetindo a filtragem de Ivanovsky, Beijerinck observou que o agente infeccioso era capaz de se reproduzir e se multiplicar no interior das células das plantas de tabaco. A partir dessa observação, Beijerinck uso o termo “vírus” para descrever que o agente infeccioso no tabaco era não-bacteriano – entretanto, a palavra vírus, que significa “veneno” no original grego, já havia sido usada para descrever agentes infecciosos (não observados nem identificados na ocasião) em 1728.
Ok, Beijerinck lacrou que havia um agente menor que uma bactéria por trás da doença e o batizou de vírus, mas o pai da criança não compreendeu por completo a natureza do filho. Como os vírus podem ser até 100 vezes menores do que uma bactéria, era impossível observá-los em microscópios óticos. Restou a Beijerinck supor que os vírus se comportavam como líquido, usando a expressão “contagium vivum fluidum” (algo como “fluido de contaminação vivo”, em latim) para descrever o TMV.
Mas a fluidez de Beijerinck foi contrariada 50 anos depois, por um futuro vencedor do Nobel e do prêmio Pulitzer (um precursor de Bob Dylan). O bioquímico e virologista americano Wendell Stanley cristalizou o TMV e estabeleceu que os vírus eram, na verdade, partículas. Mas o próprio Stanley também não tinha o conhecimento completo sobre os vírus, já que acreditava que eles fossem pura proteína – mais tarde, descobriu-se que além disso há RNA e até lipídios (gordura) na estrutura viral.
De lá para cá, o TMV foi um modelo-chave que fundamentou o próprio campo do conhecimento que ele ajudou a fundar: a virologia. Aos poucos, cientistas de várias especialidades se debruçaram sobre ele e, a partir daí, passaram a compreender melhor o funcionamento dessas estruturas que nem podem ser consideradas, a rigor, como formas de vida – mas isso é assunto para outro post.
Depois de muitos e muitos tijolinhos de conhecimento empilhados ao longo dos últimos cento e tantos anos temos uma robusta e cada vez mais ampla compreensão de quem sejam, onde vivem e do que se alimentam os vírus. Já são cerca de 5 mil espécies identificadas – embora haja milhões delas por aí.
E não falta informação sobre como é a estrutura físico-química deles, como se espalham, e até como podem ter esse espalhamento controlado. O que não impede uma nova variedade, de um tipo de vírus já conhecido (os coronavírus, no caso, já são conhecidos em animais desde os anos 1930 e em humanos desde os anos 1960), de nos desafiar como espécie.
Parte importante desse desafio está sendo cumprida por incansáveis construtores civis do conhecimento: de acordo com levantamento feito por Sabine Righetti e Estêvão Gamba, “até o final de março, pesquisadores do mundo todo já tinham publicado 642 estudos — um a cada três horas” sobre o novo coronavírus, nas palavras de Righetti.
Que toda essa informação viraliza e afete a vida das pessoas de maneira tão ou mais eficiente que o covid-19. Viva a ciência. Fique em casa.
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