VICTOR PICCHI GANDIN — Devido à pandemia do novo coronavírus, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), diversos eventos foram cancelados, torneios esportivos foram adiados e fez-se necessária a adoção do distanciamento social como forma de retardar a propagação do vírus. O assunto tomou conta do noticiário e pessoas do mundo inteiro passaram a preocupar-se com a saúde em primeiro lugar. Neste contexto, de forma bastante compreensível, não houve tanta discussão em torno de um acontecimento muito importante a ocorrer no Brasil, as eleições municipais de 2020.
Em circunstâncias normais, o calendário eleitoral das Eleições 2020 marca o dia 03/04 como a data final da chamada “janela partidária”, o dia 04/04 como o prazo final para que aqueles que desejam ser candidatos nas eleições de 2020 estejam filiados ao partido político pelo qual desejam concorrer e o dia 15/08 como o último dia para registro de candidaturas, fase ocorrida após as convenções partidárias e antes da abertura oficial do período de campanha eleitoral. Nas urnas, o primeiro turno do pleito está marcado para o dia 04/10.
Na realidade prática, a pandemia de coronavírus pode trazer grandes impactos também na corrida eleitoral. Ao evitar aglomerações e reuniões, eventuais candidatos podem acabar, de imediato, perdendo o prazo para filiação partidária e não participando da definição de possíveis pré-candidaturas. Posteriormente, ainda que o esperado para a época seja um início de controle do surto, o coronavírus pode afetar também a fase de campanha eleitoral.
Os brasileiros estarão retomando suas atividades aos poucos e sobrará pouco espaço para o acompanhamento da corrida eleitoral. Os candidatos, por sua vez, perderão um valioso tempo em que poderiam se apresentar publicamente, considerando que no próprio período oficial de campanha diversas preocupações ainda deverão estar vigentes, e certamente a população ainda preferirá evitar exposições desnecessárias.
Tudo isso leva a uma possibilidade de haver uma campanha “fria”, com alta abstenção no dia da eleição, recaindo maiores chances de vitória a candidatos conhecidos ou velhos “caciques” políticos, que já fazem parte da rotina política e continuarão tendo visibilidade, incidindo maior dificuldade aos novos candidatos e novas lideranças, que não terão uma situação de normalidade para apresentar suas propostas, ainda que o meio digital seja atualmente uma ferramenta muito importante de propaganda eleitoral.
Tais problemas poderiam ser resolvidos com uma alteração no calendário eleitoral, adiando-se o pleito de 2020 para o fim do ano, ou, no máximo, início de 2021. No entanto, no dia 19/03, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, por unanimidade, confirmar o dia 04/04 como data limite para a filiação partidária de quem pretende concorrer às eleições municipais deste ano. O tribunal alegou que não tem o poder de alterar o calendário previsto pela legislação eleitoral.
O ministro Luís Roberto Barroso, que deverá estar à frente da Justiça Eleitoral durante a realização das eleições, reforçou que tais prazos “não estão à disposição do TSE”, mas “constam da legislação federal”. Sendo assim, uma possibilidade de alteração no calendário eleitoral poderia concretizar-se de outra maneira, através de uma PEC – Proposta de Emenda à Constituição. No mesmo dia da decisão do TSE, o deputado federal homônimo ao Ministro da Economia, Paulo Guedes (PT/MG), protocolou na Câmara uma proposta de emenda que muda a data das eleições de 2020.
A ideia da PEC é transferir o pleito eleitoral para o dia 13/12, algo bastante razoável. Todavia, tal proposta criaria mais uma “jabuticaba” nas regras eleitorais brasileiras. No Brasil, pode haver segundo turno nas cidades com mais de 200 mil eleitores (92 municípios encaixavam-se nesta possibilidade na última eleição municipal, ocorrida em 2016). Dentre este grupo de municípios, ocorre segundo turno quando o candidato mais votado a prefeito não alcança mais da metade dos votos válidos.
Segundo a nova proposta, o adiamento da eleição de 2020 nos levaria a uma eleição de turno único, eliminando assim um dia de votações. Os eleitores fariam, no mesmo dia, duas votações para prefeito. Escolheriam o seu candidato a prefeito e um candidato que, “excluído o seu, teria sua preferência para assumir a prefeitura de seu município”. Em caso de nenhum dos concorrentes alcançar 50% dos votos mais um para vencer no “primeiro turno”, seria feita uma segunda contagem de votos sobre a segunda votação, ficando eleito aquele “que obtiver o maior somatório final”. Na prática, o eleitor estaria escolhendo sua “principal preferência” e sua segunda preferência.
Apesar das dificuldades do momento, tal assunto merece discussão. Para apresentar uma PEC, seu parlamentar proponente deve inicialmente buscar assinaturas de seus pares. Posteriormente, uma Proposta de Emenda à Constituição é discutida e votada em dois turnos, em cada casa do Congresso Nacional, sendo aprovada se obtiver 3/5 dos votos dos deputados (308) e dos votos dos senadores (49).
Em tempos de poucas sessões, trabalhos feitos de forma remota e imprevisibilidade quanto ao alcance de quórum nas votações, tal caminhada pode esbarrar em diversas limitações. Além disso, em um momento como este, interesses diversos se misturam e devemos tomar cuidado com eventuais oportunismos. Por exemplo, não é hora de, apressada e atropeladamente, discutirmos uma mudança nas regras do sistema eleitoral em si, mas sim de repensarmos os prazos que competem ao pleito já marcado para 2020.
Parlamentares como o senador Major Olímpio (PSL/SP) anunciaram a intenção de prorrogar os atuais mandatos municipais até 2022, de maneira que os atuais prefeitos ficariam seis e não quatro anos em seus cargos, não passando pelo crivo das urnas para testar se tal continuidade é merecida e desejada por seus eleitores. Desta maneira, atuais prefeitos em segundo mandato poderiam ficar dez anos seguidos no cargo, até que em 2022 o calendário eleitoral brasileiro seria unificado.
O argumento mais comum em direção a tal proposta, além da proteção de quase três anos contra o coronavírus, é o de que a realização de uma única eleição a cada quatro anos (em vez de eleições municipais intercaladas com eleições nacionais/estaduais) baratearia o processo. Contudo, diversos outros aspectos devem ser ponderados. Um calendário eleitoral unificado daria outra “cara” às eleições brasileiras. Questões locais mais específicas poderiam ser deixadas de lado em campanhas nas quais prevaleceria um posicionamento contra ou a favor dos presidenciáveis e candidatos a governador. O eleitor demoraria mais tempo na cabine de votação, filas seriam mais demoradas e muitos cidadãos entrariam em “parafuso”, tendo que votar no mesmo dia para presidente, governador, um ou dois senadores, deputado federal, deputado estadual, prefeito e vereador.
Votar em sete ou oito cargos de uma única vez ocasionaria uma diminuição na inteligibilidade do processo eleitoral. Diversos eleitores acabariam votando em parlamentares apoiados pelos candidatos majoritários sem poder dedicar tempo necessário para avaliar todos os candidatos e debruçar-se sobre as questões mais geograficamente localizadas das cidades em que moram. Discussões políticas e eleitorais tenderiam a diminuir, sem o “clima” provocado pelas eleições que na prática ocorrem a cada dois anos, e o voto para alguns cargos correria o risco de ser considerado algo “menor” em meio a um mar de cargos em disputa.
Por isso, é necessário ter cautela. Devemos nos proteger do avanço do coronavírus. De uma forma ou de outra, as eleições serão afetadas pela crise. A manutenção do calendário atual, além do perigo do avanço da Covid-19, traria perdas na campanha e favoreceria candidatos já conhecidos do eleitor. A prorrogação de mandatos até o final de 2022 também favoreceria, demasiadamente, aqueles que já estão no poder. A atitude mais sensata e adequada vem a ser o adiamento das eleições – incluindo as etapas anteriores do calendário eleitoral -, para o segundo semestre de nosso ano atual, realizando-se o pleito municipal mais ao final de 2020, até que a crise seja superada e eleições nacionais e estaduais, outra face da política brasileira, ocorram normalmente em 2022.
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