Francine Oliveira – Estudos recentes revelam: alguns povos originários das Américas classificavam seres humanos segundo cinco gêneros distintos. Redução aos opostos homem-mulher veio com europeus
Muitos conservadores continuam a insistir em uma “ideologia de gênero” que negaria a “natureza” humana ao afirmar que os gêneros são culturalmente construídos. Para eles, só existiriam dois gêneros, correspondentes aos sexos “masculino” e “feminino”, algo que já estaria determinado por “Deus” antes do nascimento.
No entanto, a ideia restrita dos papéis de gênero como a conhecemos hoje, baseada no binário homem/mulher, apenas foi incorporada pelas tribos norte-americanas após a chegada dos europeus, com a imposição das crenças cristãs.
A visão diferenciada dos gêneros, que existia em muitas comunidades indígenas, não apenas na América do Norte, mostra como a cultura de um povo influencia os papéis de gênero e a maneira como enxergamos as expressões e sexualidades de acordo com nossas crenças.
Para os nativos norte-americanos, havia um grupo de regras específicas que tanto homens quanto mulheres deveriam obedecer para que fossem considerados “normais” dentro de uma tribo. As pessoas que reuniam em si características femininas e masculinas eram vistas com reverência, pois se acreditava que tinham grande poder.
Segundo o site Indian Country Today, especializado em notícias sobre povos indígenas, entre os norte-americanos eram reconhecidos cinco gêneros diferentes: masculino, feminino, dois-espíritos masculino, dois-espíritos feminino e o que hoje chamaríamos de transgênero. As nomenclaturas são diferentes para cada tribo, de acordo com os dialetos, mas referem-se a identidades de gênero semelhantes.
A crença dos indígenas norte-americanos era a de que algumas pessoas nasciam com um espírito feminino e outro masculino que se expressavam perfeitamente em um mesmo corpo. Não havia questões morais associadas nem aos gêneros nem à sexualidade; uma pessoa era julgada pela sociedade conforme seu caráter e de acordo com o que contribuía para a tribo.
Desde 1989, nativo-americanos que militavam pela diversidade sexual e de gêneros resgataram o termo “dois-espíritos” (em inglês, two-spirit) para reafirmar sua identidade trans. Assim, “dois-espíritos” passou a ser uma expressão universal para identificar nativos e seus descendentes, que se considerassem transgênero, entre as tribos norte-americanas.
Quando chegaram ao território norte-americano, exploradores que testemunharam a presença desses indivíduos que não se encaixavam no padrão binário do masculino e feminino consideraram aquilo um pecado, uma espécie de maldição que recaiu sobre aquelas comunidades por não se dedicarem ao cristianismo.
A extinção das crenças nativas também aconteceu por todo o continente americano. Colonizadores espanhóis também se empenharam em destruir códices (manuscritos gravados em madeira) aztecas que mencionavam dois-espíritos e seus poderes mágicos. No Brasil, portugueses igualmente se esforçaram para erradicar as identidades de gêneros e comportamentos sexuais que hoje seriam considerados como transgeneridade e homossexualidade.
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