Álvaro Miranda – Crise da democracia não é de natureza moral ou de representação política carcomida. Faz parte das crises do capitalismo.
O diagnóstico sobre o avanço do neofascismo pelo mundo vem criando uma nuvem cinzenta e, muitas vezes, pouco esclarecedora da paisagem atual. Ela se manifesta em publicação de livros, trabalhos, protestos e movimentos diversos no Brasil e em outros países. A eleição de governos de direita seria o indicador evidente da tendência. Entretanto, esse clima turvado não mostra, por outro lado, que também tem ocorrido o avanço da esquerda e das forças progressistas em diferentes lugares, arenas e situações.
São inúmeros os trabalhos publicados aqui e lá fora dando conta tanto do avanço da direita como também da esquerda. São muitos também os atos, eventos e movimentos democráticos não noticiados pelos meios de comunicação hegemônicos.
Nunca se publicou e traduziu tanta literatura marxista como nos últimos anos. Isso, diferentemente, por exemplo, da década de 1990, no lastro da queda do Muro de Berlim, quando certo discurso falacioso pós-modernista se encaixou como luva bem adaptada ao receituário neoliberal do Consenso de Washington. Discurso balançando a bandeira do fim da história, da “modernização” e do suposto anacronismo da utopia socialista.
Curioso que, na época, ninguém falava do avanço da direita – mas que, na verdade, era já a direita, ela mesma, em amavios de tom democrático, conforme a história recente veio comprovar depois. No Brasil, esse obscurantismo enganador alcançou sucesso por ter se espraiado no lastro da redemocratização da década de 1980, com os governadores sendo os primeiros eleitos pelo voto direto em 1982, sete anos antes do primeiro presidente da República pelo voto popular, após 25 anos de ditadura e de um governo alçado ao poder de forma indireta.
A nuvem cinzenta é composta por gotículas da pressa analítica e da falta de informação borrifada por injeções de cinismo tanto de políticos como também de muitos intelectuais encastelados nos seus departamentos acadêmicos. Sem falar de jornalistas pusilânimes cheios da empáfia creditícia de uma incerta opinião pública forjada para esconder interesses privatistas.
Exemplos são muitos, mas bastam dois só na América Latina: a tentativa de golpe fracassada ao estilo “organizações tabajara” contra Nicolas Maduro, na Venezuela, e agora a quase certa derrocada de Maurício Macri, na Argentina.
Em relação ao Brasil, lembro que a possibilidade de golpe por Jair Bolsonaro é algo que contrasta com a disposição de certos setores militares para os quais seu compromisso seria com o Brasil, e não com a família Bolsonaro, seja lá o que signifique esse compromisso nas questões macroestruturais da economia.
Bolsonaro e sua família não sabem lidar com a política, daí partirem sempre para o confronto. No campo das relações democráticas não sabem matar a bola no peito e sair jogando – por isso ficam incensando sentimentos golpistas. É o desespero num barco à deriva.
Oportuna essa reflexão para não cairmos na armadilha da “onda” que contamina deus e o mundo de forma irrefletida. Para não sucumbirmos à tendência depressiva de acreditar que chegamos a um ponto sem volta e sem alternativas. Principalmente no plano econômico o fundo do poço só tem uma saída, que é dar a volta por cima. O Brasil encarna esse drama e está sendo colocado à prova por sua descida ladeira abaixo do abismo após o golpe que derrubou Dilma Rousseff em 2016. A economia vai derrubar Bolsonaro.
As crises do capitalismo não são iguais, nem demonstram o suposto caráter “cíclico” de que tanto falam. Crise da democracia não é de natureza moral ou de representação política carcomida. Faz parte das crises do capitalismo. Cada uma aponta para soluções transitórias – mas nunca estas soluções são as mesmas das crises passadas. Sempre apontam para incógnitas sem respostas no presente, ainda mais numa terra devastada como o Brasil. Daí um misto de perplexidade e ansiedade para uns e sentimento depressivo para outros.
Há quem interprete que a eleição de governos considerados de esquerda durante a década de 2000 na América Latina teria sido uma reação inevitável ao receituário neoliberal da década anterior. Isso não significa, entretanto, que reações do tipo “ciclos do capitalismo” só acontecem em períodos demarcados em decênios. Cada crise apresenta suas próprias características e consequências, bem como seu modo diacrônico.
Entretanto, têm sempre em comum aumento do desemprego, retração da atividade econômica, pressões para aumento dos lucros das empresas mediante demissões, desmonte de legislações e desregulamentações. Na sociedade sem sentido que só valoriza o valor, a democracia sempre será um dilema, aliás, como inerente à sua natureza. Daí que governos democráticos não são para qualquer aventureiro.
Isso tudo dentro de um quadro geopolítico maior de desbalanceamento nas relações comerciais e manutenção da recessão em uns países para que outros possam continuar tocando o barco do sistema capitalista a níveis mantenedores dos padrões alcançados. Ou pelo menos tentando minimizar perdas. No hemisfério norte, fortalecimento do estado. Aqui e em outras plagas, ataque ao estado. Em outras palavras, com aumento, enfim, de pressões de uns sobre outros, no caso, das forças hegemônicas sobre países mais fracos.
Enfim, se não tivermos um olhar crítico e analítico, ponderando as contradições dos processos sociais, políticos e econômicos, cairemos na depressão visionária com essa nuvem lacrimejando nossas esperanças. Parece até que a denúncia do seu avanço é incensada pelo próprio neofascismo para nos fazer acreditar que não existem mais alternativas possíveis. Denunciemos e lutemos, mas não joguemos a toalha para a imposição de falsas verdades.
https://jornalggn.com.br/artigos/forcas-democraticas-tambem-crescem-ao-lado-do-neofascismo-mundo-afora-por-alvaro-miranda/
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