Breno Altman – Itamaraty não desiste de se posicionar como xerife das disputas internas na Venezuela.
Com a posse do presidente venezuelano para um terceiro mandato, nesta sexta-feira (10/01), volta à baila o imbróglio diplomático no qual se meteu o governo Lula quando resolveu negar reconhecimento à reeleição de Nicolás Maduro, ocorrida no dia 28 de julho de 2024. Além de reforçar a posição de inimigos do chavismo, mesmo assumindo tom mais moderado, também resolveu punir o aliado histórico, vetando seu ingresso no BRICS.
O prêmio por essa atitude foram escassos aplausos recebidos de setores liberais e conservadores, mas às custas de desorganizar ainda mais nossa região, às vésperas da ascensão de Donald Trump ao comando dos Estados Unidos. Desde o início do século, afinal, o eixo Brasil-Venezuela vinha sendo, com exceção do hiato 2016-2022, um pilar da integração sul-americana como bloco contra-hegemônico.
O governo brasileiro atropelou, nesse episódio, o princípio da autodeterminação de povos e nações, arrogando-se juiz de processo eleitoral alheio, para o que não tinha qualquer autoridade delegada: o Brasil não fez parte do Acordo de Barbados sequer como facilitador e o papel de “testemunha”, reivindicado pelo Itamaraty, inexiste nos termos desse pacto.
Tal grau de intervencionismo é caso ímpar na política externa dos governos petistas. Por acaso a chancelaria brasileira puniu a monarquia absoluta da Arábia Saudita em qualquer espaço internacional? Rompeu com Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano que governa sem mandato desde maio? Reclamou do francês Emmanuel Macron, empenhado em formar gabinetes antagônicos ao resultado das urnas.
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O presidente Lula, em diversas entrevistas, afirmou respeitar incondicionalmente as instituições das demais nações, até como preceito de proteção à soberania brasileira. Ainda assim, apesar da Corte Suprema venezuelana já ter emitido veredito definitivo sobre a corrida presidencial, o Itamaraty não desiste de se posicionar como xerife das disputas internas no país vizinho.
O cenário torna-se todavia mais delicado se levarmos em conta que Nicolás Maduro enfrenta grupos de extrema direita com forte tradição golpista e apoiados abertamente por ingerências imperialistas. No passado recente, Estados Unidos e União Europeia deram guarida a um presidente autoproclamado, a quem transferiram ilegalmente gigantescas riquezas, e ensaiam repetir essa violência.
O mandatário venezuelano jamais hesitou em oferecer solidariedade contra os movimentos antidemocráticos verde-e-amarelos, do golpe contra a presidente Dilma Rousseff à intentona bolsonarista. Não é razoável, quando novamente seu país se vê às voltas com o fascismo interno e a agressão externa, que o Brasil esteja do lado errado da história.
No mais, sem a retomada da aliança com a Venezuela, o governo Lula provavelmente será incapaz de impulsionar uma coalizão regional que possa servir de base e escudo para os próprios interesses nacionais. Essa empreitada depende, na atualidade, do quarteto formado por Brasil, México, Colômbia e Venezuela. Divididos, esses países não irão longe.
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Ao se fazer representar, na posse de Nicolás Maduro, pela embaixadora residente, segundo está anunciado, o governo brasileiro dá um tímido primeiro passo para voltar aos trilhos, recuperar o tempo perdido e se colocar, nesse tema, à altura dos desafios que vivemos.
(*) Breno Altman é jornalista, fundador de Opera Mundi e autor do livro Contra o Sionismo: Retrato de uma Doutrina Colonial e Racista (Alameda Editorial).
(*) Texto publicado originalmente em Folha de S.P.
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