Plinio Teodoro – Ataque especulativo contra Lula e os brasileiros beneficiados pelas políticas sociais parte dos predadores da Faria Lima cevados pelo libera geral no mercado financeiro promovido por Campos Neto e Paulo Guedes durante o governo Bolsonaro.
Em 12 de dezembro, quando o presidente Lula se recuperava na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, dois dias após passar por uma trepanação – procedimento cirúrgico feito em regime de urgência para drenagem de uma hemorragia intracraniana decorrente da queda sofrida em 19 de outubro -, o Brazil Journal revelava em editorial estampado na capa do site o clima de festa entre os membros da matilha que habita os prédios espelhados da Faria Lima, onde esses predadores cevados pelas teses neoliberais do sistema financeiro alimentam a sua sanha.
“O imponderável da saúde do presidente Lula e um Banco Central mais duro do que o previsto estão furando ‘a bolha do pessimismo exagerado'”, inicia o site porta-voz da burguesia financista.
“Chega a ser mórbido – mas há uma realidade econômica por trás de um ambiente em que os ativos se valorizam quando o Presidente está na UTI”, segue o texto, revelando os aspectos tétrico e cruel que norteiam os agentes que promovem o vale-tudo no octógono das bolsas de valores.
Um dia antes, Roberto Campos Neto, alçado por Jair Bolsonaro (PL) à presidência do “autônomo” Banco Central (BC), comandaria sua última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que elevou em 1 ponto percentual a Selic, jogando a taxa básica de juros da economia para astronômicos 12,25%.
O clima de um levante especulativo fervilhava na Faria Lima. E se aguçava diante das chantagens promovidas por Arthur Lira (PP-AL) para colocar em votação na Câmara o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24, que é a proposta do governo Lula de ajuste fiscal.
Raposa política, Lira, no apagar das luzes de seu segundo mandato como presidente da Câmara, promovia buscava driblar as regras negociadas pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), para barrar o chamado “orçamento secreto”.
O golpe consistiu em transformar emendas feitas pelas comissões permanentes da casa legislativa em “emendas de líderes”, ocultando os nomes dos deputados solicitantes – deixando tudo como dantes no quartel de Lira. E resultou na liberação de R$ 4,2 bilhões em recursos, redirecionando R$ 73,8 milhões para Alagoas, seu nicho político que se transformou no estado campeão nacional de emendas.
Apito de cachorro
O “apito de cachorro” – termo usado na ultradireita neofascista para provocar reações em massa – para desencadear o ataque da matilha ao mercado cambial foi dado pela ata do Copom, divulgada na terça-feira, 17. O documento, último com Campos Neto na presidência do BC, traça um cenário de terror para o futuro da economia brasileira baseado nas “projeções” feitas pelos 171 – simbólico número que no Código Penal define o crime de estelionato – agentes financeiros ouvidos pela pesquisa Focus.
“Concluiu-se que os determinantes de prazo mais curto, como a taxa de câmbio e a inflação corrente, se deterioraram, assim como os determinantes de médio prazo, como o hiato do produto e as expectativas de inflação. O Comitê se debruçou então sobre as projeções. No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de R$5,95/US$2, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC)”, diz o texto.
Com base nas previsões dos 171 agentes, a ata cria um clima caótico com a “desancoragem da inflação”, que na prática se traduz na expectativa de alta de 4,9% nos preços em 2024 – parcos 0,4% acima do teto da meta.
“Diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões”, ameaça, em seguida, o Copom.
Cerca de uma hora depois, com o pânico instalado na Bolsa de Valores, o dólar bateu R$ 6,20 e os predadores da Faria Lima deixaram suas jaulas para por em marcha um novo golpe – três anos depois de Lula ser diplomado e vencer o levante liderado pela organização criminosa (OrCrim) golpista de Bolsonaro.
“Carne e sangue”
Em entrevista à Fórum, Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, afirma que a fuga de dólares não encontra qualquer lastro nos fundamentos econômicos e muito menos nos números reais da economia brasileira.
“Primeiro a questão econômica stricto sensu: não existe nenhuma razão para que a economia brasileira apresente uma taxa de câmbio dessa magnitude, acima de R$ 6. Isso realmente é impensável porque os modelos macroeconômicos não permitem. E tanto não [permitem] que você tem uma escalada nesses últimos dias que é claramente especulativa”, explica.
Segundo Kliass, muito distante da ladainha neoliberal sobre a volatilidade do mercado de câmbio – em que os preços das moedas se ajustariam entre oferta e demanda –, há um forte atributo político tomado por esse seleto grupo de especuladores que promovem a jogatina nas bolsas de valores.
“O pessoal enche a boca para falar do mercado de câmbio como se fosse o mercado da batatinha, do tomate na feira, onde se tem uma quantidade enorme de agentes de oferta e os agentes da demanda que vão se articulando para promover um câmbio de equilíbrio. Isso não existe”, alerta.
“O mercado de câmbio ele é hiperconcentrado, são pouquíssimos e mastodônticos agentes – grandes bancos, grandes financeiras, instituições do mercado – que mexem com ativos, com a bolsa. E tudo isso é decidido por pouca gente. Portanto, não existe nesse sentido um ‘mercado’, pensando em milhares e milhões de agentes, em que você tira uma média. Não! Eles resolveram partir para a especulação e ai você sai do terreno da economia, dos fundamentos econômicos e vira puramente político”, emenda.
Segundo Kliass, as tratativas feitas pelo Ministério da Fazenda com os banqueiros sobre o ajuste fiscal – que incluíam cortes em setores essenciais como educação e saúde, além do controle sobre o aumento real do salário mínimo e as ações sociais do governo para a população mais pobre – não foram cumpridas a contento. E isso provocou a ira da burguesia financista.
“Do meu ponto de vista, o que aconteceu foi que você teve promessas que o ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad fez ao logo dos dois anos – pegando especificamente a questão fiscal – que não foram cumpridas. O Lula acabou colocando um freio no momento. Na ideia, por exemplo, de desvincular os pisos de saúde e educação, de desvincular completamente os benefícios da Previdência em relação ao salário mínimo – essa era a proposta do Haddad e da área econômica, que estava convergindo para isso. E a Faria Lima estava toda animada porque o discurso era o quê? Vamos fazer reformas estruturais para redução das despesas, que significava mudar a Constituição. O Lula percebeu o risco envolvido nisso, deu um freio e mudou. E manteve o espírito de austeridade, só que não no nível em que havia sido prometido para a Faria Lima. E eles perceberam que era o momento de realizar ganhos, o governo relativamente enfraquecido no final de ano, naquela loucura toda [Lula no hospital e votações sobre ajuste fiscal, orçamento e reforma tributária emperradas no Congresso], e começaram o ataque especulativo com esse argumento de que o Brasil precisa de reformas estruturais nas despesas – como se não estivessem felizes com o projeto das ‘maldades’ que o Haddad mandou. Eles estão. Só que, como foi oferecido mais, eles se agarraram nesse mal”, afirma.
Kliass então traça um comparativo com o que aconteceu durante o governo Cristina Kirchner na Argentina em 2008, quando um grupo de especuladores promoveu um ataque com os chamados “fundos abutres” comprando papéis da dívida pública a preço de lixo e cobrando litígio milionário na Justiça dos Estados Unidos.
“É aquela coisa do chacal. E não cabe analogia somente com os abutres – os fundos especulativos que atrapalham as economias do ‘terceiro mundo’ e da Argentina em especial. No nosso caso não. É chacal, os caras querem carne e sangue. E como foi oferecido para eles carne e sangue, eles estão cobrando”, explica.
BC e o tigre sem dentes
Doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor adjunto do departamento de economia da Universidade de Brasilia (UnB), José Luis Oreiro afirmou em entrevista a Luiz Carlos Azenha na TV Fórum que os chacais do mercado só promoveram a especulação porque atualmente a autoridade de Regulação, Organização, Supervisão e Resolução de instituições do Sistema Financeiro do país é um “tigre sem dentes”.
“O Banco Central do Brasil no momento é como um tigre desdentado ou seja um tigre que perdeu os dentes”, diz sobre o processo de desregulamentação promovido há anos por meio das tresloucadas teses neoliberais e que teve seu ápice com a ascensão de Paulo Guedes ao “super” Ministério da Economia de Bolsonaro.
“Em termos de comparação relativa, é como se o Banco Central tivesse uma faca e o mercado tivesse uma bazuca. Então, o que você precisa? Você precisa mudar essa correlação de forças. Para mudar essa correlação de forças, você tem que fazer uma mudança na base institucional da política cambial brasileira”, defende.
Segundo Oreiro, o processo de desregulamentação do setor financeiro no país tem origem no final do governo José Sarney, com a abertura da conta de capitais, caminhou com FHC e teve um primeiro passo crucial na chamada “crise do subprime” em 2008, quando Lula, em seu segundo mandato, conseguiu blindar o Brasil dos movimentos especulativos pelo globo.
“Uma parte da explicação do porquê que o real se desvalorizou tanto com respeito ao dólar é o fim da cobertura cambial, que foi feito lá em 2008 num outro contexto, que era um contexto de excesso de dólares, que a gente estava tentando justamente minimizar a sobrevalorização do câmbio. Agora o contexto é outro, o contexto é justamente a gente tentar impedir uma desvalorização excessiva do câmbio”, afirma.
O ápice da liberação da farra cambial, no entanto, se deu em 2021, com Paulo Guedes aderindo ao libera geral promovido pelos ultraliberais mundo afora, acabando com as barreiras “migratórias” das moedas.
“O segundo passo, e esse foi muito pior, foi feito durante o governo Bolsonaro, é uma lei de 2021 que permite que residentes no Brasil possam fazer aplicações em renda fixa no exterior por intermédio dessas plataformas digitais como a Nomad e outras, em que, por exemplo, você pode pegar o dinheiro que você tem aplicado na poupança, fundos de investimento, fundos de previdência, em vários bancos, Banco do Brasil, Banco Itaú, etc., transferir para essas plataformas e aplicar no exterior”, explica.
Segundo Oreiro, essa medida fere um dos princípios basilares da política cambial brasileira desde os anos 1930, que estipulava uma quarentena para a retirada de recursos aplicados no Brasil, privilegiando o investimento no setor produtivo e afastando especuladores.
“Agora com essa lei de 2021 pode sair o que nunca entrou. Então o que acontece? Isso aumenta muito o potencial de saída de capitais do Brasil. Porque não são só os não residentes que podem tirar dinheiro do país. Os residentes também podem. E nos últimos dois meses quem está tirando o dinheiro do Brasil não são os não residentes, são os residentes no Brasil”, diz Oreiro.
Em linha, Kliass afirma que para afastar definitivamente os chacais da economia brasileira é “é preciso é mudar as regras que operam o mercado financeiro e o mercado cambial”.
“Com essa liberação geral que foi feita, livre fluxo de capitais para dentro e para fora, você fica completamente refém da especulação. Qualquer cidadão, qualquer empresa pode ter conta em dólar no exterior. Isso é uma loucura e tem que acabar. O que entra e sai tem que pagar uma espécie de quarentena – o compromisso de que o recurso entrou e pretende ficar um período antes de poder sair. Senão você tem permanentemente a ameaça de uma revoada de dólares para o exterior e o governo ficando refém disso”.
Gritos e ranger de dentes
Oreiro conta ainda que coube a Campos Neto jogar a isca para que uma horda barulhenta – e sem qualquer responsabilidade e conhecimento sobre os fundamentos da economia – se unisse às raposas das grandes instituições bancárias nos ataques canibais à economia brasileira.
“Até 2014, o sistema financeiro brasileiro era formado pelos bancões. Então você tinha os grandes bancos de varejo, que são Banco do Brasil, Santander, Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal, e alguns bancos de investimento, como o BTG Pactual e outros. Mas no governo Bolsonaro, por iniciativa do Roberto Campos Neto, se permitiu que uma série de outras instituições, fintechs, plataformas digitais, corretoras, entrassem no mercado de varejo, de captação de recursos”.
Oreiro se refere aos chamados noise traders, que segundo ele “são os agentes que não são especializados, não têm conhecimento formal de finanças, mas atuam com base em ruído”.
Na prática, são agentes “irracionais”, que não medem as consequências das ações especulativas e criam investimentos com promessas de lucros irreais para atrair “investidores” na classe média, em uma espécie de cooptação para as lamúrias dos grandes investidores.
“Quem está tocando fogo no país é esse pessoal, que é, vamos dizer assim, o baixo clero do sistema financeiro, mas que tem volume e pode produzir esse tipo de situação”, diz.
Assim como Kliass, Oreiro acredita, no entanto, que o fator desencadeador do ataque dos chacais do mercado se deu justamente por descontentamento com o ajuste fiscal, que isentou no Imposto de Renda os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mediante à tributação daqueles que têm vencimentos mensais a partir de R$ 50 mil.
“Eles querem que o ajuste fiscal seja feito do lado da despesa. Então aqui a gente tem uma questão de economia política”, diz, sinalizando que ataque especulativo pelo mercado é um golpe contra o governo Lula.
“Quem ganhou a eleição em 2022 foi o presidente Lula, que é de esquerda, que não tem compromisso com um ajuste pelo lado do gasto, principalmente do gasto social. Então o mercado e o pessoal da direita têm que entender isso”, emenda.
Oreiro alerta ainda que não se trata de nenhum populismo o que Lula está fazendo, mas do cumprimento de uma das principais promessas de campanha.
“Não me venham dizer que isso é populismo, porque o presidente Lula não está fazendo nada de diferente do que ele havia prometido em campanha eleitoral. Foi compromisso dele colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda. E é exatamente esse pacote que foi anunciado pelo ministro Haddad algumas semanas atrás. Então, todo esse auê, no final das contas, foi produzido por isso. Porque essa turma não quer que o pobre esteja no Orçamento e não quer que eles estejam no Imposto de Renda”, afirma.
O consenso entre os dois economistas é que o ataque especulativo será passageiro, mas que é necessário uma nova regulamentação do mercado financeiro e cambial para barrar novos levantes.
Para infelicidade dos predadores da Faria Lima, Lula demonstrou recuperação acima das expectativas dos médicos e, na última quinta-feira (19), quatro dias após deixar o Hospital Sírio-Libanês, voltou saudável ao Palácio do Planalto.
De volta aos trabalho, o presidente terá que enfrentar os chacais do mercado financeiro que, em conluio com a horda da ultradireita neofascista, segue à espreita esperando a oportunidade para atacar novamente Lula e a maioria absoluta dos brasileiros que dependem das ações sociais e passam longe da jogatina das bolsas de valores.
Fonte: Alta do dólar: chacais do mercado querem carne e sangue | Revista Fórum
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