Geografia

Eleições: Ocupar periferias e reforçar o Público

Tempo de leitura: 20 min

Ermínia Maricato – A esfera local é chave para a esquerda reconectar-se com o chão de cidade, aponta urbanista. Isso requer apostar em equipamentos urbanos e na participação política. A transformação passa pelos bairros e o pleito deste ano será crucial.

Professora universitária, pesquisadora e gestora pública com experiência em diferentes esferas de governo, a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato defende que os partidos olhem com muita atenção para as eleições municipais deste ano. Mais que isso, ela defende que se dê a devida importância às cidades.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Maricato, que participou ativamente da criação do Ministério das Cidades, inaugurado no primeiro governo Lula, em 2003, e foi secretária-executiva da pasta, disse que não pretende voltar a atuar no poder público. Entretanto, apontou caminhos para recuperação das políticas públicas a partir dos municípios.

“A escala local é muito importante. As prefeituras são fundamentais para a democracia participativa e nós estamos num país que tem dimensões continentais. É preciso chamar atenção para a importância da democracia local, para as mulheres chefes de família, nem se fala. Para o pessoal das periferias, nem se fala”, destacou.

Para a arquiteta, é preciso que partidos e movimentos de esquerda se reconectem com suas bases, e isso passa pelas periferias, onde representantes de igrejas evangélicas muitas vezes suprem a ausência do Estado.

“Eu acho que a gente precisa fazer uma campanha para que todo mundo conheça melhor sua cidade. Uma campanha pela capilaridade do ativismo, essa coisa de você estar presente nos bairros”, disse.

Ermínia também acredita que o foco do urbanismo não deve estar mais nos planos e leis. “Não faltam planos, não faltam leis. Nós temos planos e leis avançados, como é o caso do Estatuto da Cidade. Toda cidade brasileira com mais de 20 mil habitantes tem plano diretor. É uma coisa que tem muito prestígio no Brasil, o planejamento urbano”, afirma. “Mas nós temos um problema estrutural que funda a desigualdade, que acaba marcando essa desigualdade tão forte e profunda na ocupação do espaço. A terra é um nó na sociedade brasileira”.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Quais são as pautas importantes que a gente tem que prestar atenção nas eleições de 2024?

Antes de mais nada, eu preciso repetir uma coisa que eu falo muito: eu não quero mais participar de governos porque é impressionante o que eu já vivi e o que a gente já escreveu, já propôs, já até praticou nas prefeituras democráticas e isso parece que passou por uma regressão.

Eu trabalho muito com uma visão marxista, que é: a produção é que fornece todos os elementos. Você estudar produção do espaço é muito mais importante do que você se apoiar apenas na regulação do espaço, que é aquilo que as leis e os planos fazem. Não faltam planos, não faltam leis. Nós temos planos e leis avançados, como é o caso do Estatuto da Cidade. Toda cidade brasileira com mais de 20 mil habitantes tem plano diretor. É uma coisa que tem muito prestígio no Brasil, o planejamento urbano.

Mas nós temos um problema estrutural que funda a desigualdade, que acaba marcando essa desigualdade tão forte e profunda na ocupação do espaço. A terra é um nó na sociedade brasileira. Existe de fato, ainda, uma ligação muito forte entre poder, terra, você pode pôr a financeirização aí no meio. A financeirização, no meu ponto de vista, veio aprofundar a desigualdade baseada na propriedade da terra urbana e na terra rural. Por exemplo, a reforma agrária é lei no Brasil. Ela é um direito previsto na Constituição! E a moradia e o transporte também, e você não vê isso na realidade. São direitos mortos, efetivamente.

Eu desenvolvi toda uma adaptação para a questão urbana da tese do Roberto Schwarz sobre as ideias fora do lugar. Os planos são muito bonitos, só que existe um problema estrutural. A maior parte da população brasileira não tem renda suficiente para adquirir uma moradia no mercado privado. Estou falando de moradia legal. Então você tem 40% do território da região metropolitana do Rio de Janeiro na mão das milícias e do crime organizado, sem Estado, sem lei.

Eu estou voltando do Guarujá [no litoral paulista]. É incrível como você vê que é mais regra do que exceção a moradia ilegal. No Brasil, a maior parte dos domicílios não segue a lei: não têm aprovação na prefeitura, não seguem lei de zoneamento, não seguem código de obras, não têm propriedade registrada em cartório.

Para mim é muito duro discutir essa questão há 50 anos. É muito difícil, tendo ocupado cargos como eu ocupei, na Prefeitura de São Paulo; a criação do Ministério das Cidades, fui eu que coordenei, no primeiro governo Lula. A gente olha e vê todo mundo repetindo as mesmas coisas, discutindo. Não é que a gente não deva discutir lei de zoneamento. É óbvio que a gente deve. Mas é alguma coisa que você discute com o mercado e com a produção pública, e que não é para a maioria. Como é que faz?

Eu costumo dizer que as pessoas não vivem sem moradia. Tem milhares de pessoas nas ruas? Tem. Mas a maior parte da população, das famílias, precisam de uma moradia e ela não surge do ar. Ela tem que ter uma estrutura, uma base, que é um pedaço de terra urbano ou rural. E eu acho que ainda nós temos realmente o nó da terra dividindo a sociedade brasileira. Mesmo na globalização neoliberal. Porque é que eu falo “mesmo na globalização”. Porque isso tem a ver com toda a nossa história. Até a libertação dos escravos, a terra não era libertada. Você nota no século 19, uma luta entre a privatização da terra, que é a propriedade privada, que é de uma lei de 1850, e a libertação dos escravos.

A propriedade da força de trabalho é o que dava poder aos fazendeiros, porque a Terra era da coroa até 1850. A partir da privatização da terra, a elite brasileira acabou concordando em libertar os escravos. Essa discussão vinha lá no começo do século 19. E aí, o que marca o poder da oligarquia brasileira? A propriedade da terra. E os escravos foram libertados sem nenhuma compensação. Até hoje você vê a dificuldade da população trabalhadora, a negra mais ainda, para ser proprietária de um pedaço de terra.

É possível considerar que reforma urbana e reforma agrária são dois lados da mesma moeda? 

Muitas vezes o movimento de reforma agrária canta ou recita: “se o campo não planta, a cidade não janta”. Parece que há uma oposição entre essas coisas: “olha, vocês dependem de nós”. E não é assim. Agora, por exemplo, uma das propostas mais importantes para cidades no Brasil, diante da crise climática, é a agricultura urbana. Eu considero da maior importância, a agricultura urbana. Ela não só preserva certas áreas, nascentes, áreas de proteção dos mananciais, áreas íngremes que não podem ser ocupadas por moradia.

Uma das coisas que o movimento internacional pelo enfrentamento da crise climática está colocando é a viagem dos alimentos. Olha o que se joga carbono na atmosfera por meio das viagens de caminhões de alimentos, que poderiam ser produzidos por um cinturão verde em volta das cidades. Isso melhoraria o clima, melhoraria o uso do solo, combateria a fome, melhoraria o preço, propiciaria renda. Essa é uma das propostas mais importantes da política urbana atual.

E não é uma novidade. A gente pode dizer que, na verdade, já houve ondas em que isso até foi feito. A gente pensa em Cotia, aqui na grande São Paulo, tem tentativas de fazer isso.

Na época do [Fernando] Haddad na prefeitura de São Paulo, teve um projeto interessantíssimo. E é um projeto que se casava com a área de proteção dos mananciais, que os loteamentos clandestinos ocupavam. Uma forma criminosa da cidade se espraiar. E o povo não tem outra saída, não tem alternativa. Você tem milhares e milhares e milhares de pessoas ocupando a área de proteção das nossas represas, que é a água que essa cidade precisa.

De certa forma, a nossa sociedade, as nossas instituições concordam com isso, porque senão a gente já teria tido outra proposta. Na minha época, no governo Erundina, a gente discutiu muito, desenhou muito, fez campanhas para impedir a ocupação dos mananciais, uma fiscalização especializada, com políticas de moradia para que as pessoas não precisassem ir para lá. Mas os governos seguintes que entraram… Eu cheguei a fazer um acordo com Fleury, governador, para a gente se unir na fiscalização dos mananciais e na solução para moradia para as pessoas que iam para dentro dos mananciais.

Qual a importância das eleições locais em um cenário de democracia ameaçada? 

A escala local é muito importante. As prefeituras são fundamentais para a democracia participativa e nós estamos num país que tem dimensões continentais. Nós temos cinco biomas no Brasil! É preciso chamar atenção para a importância da democracia local, para as mulheres chefes de família, nem se fala. Para o pessoal das periferias, nem se fala. E você sabe quando o Brasil viveu a democracia local? No final dos anos 1970, as prefeituras democráticas e populares.

É uma pena que a nossa memória de país colonizado seja tão frágil, porque na época do orçamento participativo, criado em Porto Alegre; na época dos corredores de ônibus, criados em Curitiba; da urbanização de favelas, criada no Rio de Janeiro… Eu fui em vários países do mundo falar sobre isso. O Brasil ficou famoso nos anos 80 e 90. Diadema foi uma prefeitura exemplar, uma das primeiras, mas você tem prefeituras democráticas e participativas no Brasil inteiro.

[O orçamento participativo] foi repetido em mais de 5 mil cidades do mundo todo. Tem uma bibliografia sobre ele. Por exemplo: prevenção contra risco de desmoronamento. Nós fizemos um projeto em São Paulo que foi incrível, tiramos 5 mil famílias de áreas de risco. No Recife, tem projetos maravilhosos sobre risco em favelas. Belo Horizonte, eliminação de risco em favela; o Rio de Janeiro fez urbanização de favela: o que é isso? É levar água, levar esgoto, levar transporte, levar drenagem, levar pavimentação, tirar risco. São coisas muito bem feitas que alcançaram 300 mil pessoas naquele período.

O projeto mais maravilhoso que houve nesse período foi Brizola, governador do Rio de Janeiro, com o Ciep do Darcy Ribeiro. E depois os CEUs em São Paulo. Ali, você tem o projeto que hoje nós achamos o mais importante, municipal. Você põe na periferia um equipamento para cada 20 mil pessoas, e lá você põe educação em tempo integral para crianças e adolescentes, com esporte, com arte, com cultura.

Você muda a história desse país, se você fizer esse trabalho. Você tem orquestra sinfônica onde existe esse trabalho! Heliópolis tem orquestra sinfônica! Em Natal, no bairro de Mãe Luiza, as crianças ganham medalha de matemática; tem uma orquestra sinfônica maravilhosa. Você quer dar a essa geração uma oportunidade de desenvolver seus potenciais na área do esporte, de todo tipo; na área de artes, com música.

E isso reúne uma série de políticas públicas nesse equipamento.

Isso, exatamente. Eu conversei com o Ministério da Cultura, com o Ministério das Cidades. O atual, né? Porque o que eu criei foi fechado pelo Bolsonaro. O governo está pensando nisso, mas é muito importante que isso seja discutido na cidade. Que cada região da cidade diga: o que é importante a gente colocar aqui? Uma casa de idosos, também junto com a casa para as crianças? Tem gente que fala muito também “olha, nós não temos na nossa região um lugar para fazer velório”.

São coisas que você vai vendo que se a população pudesse discutir, como fazia na nossa época lá das prefeituras democráticas. O que a região mais precisa? O que vocês mais precisam? Nós vamos demorar muito para tirar as periferias brasileiras das cidades brasileiras da mão das milícias e do crime organizado, sem dúvida. Mas a gente pode começar esse processo, principalmente para os jovens não ficarem nas ruas, terem a oportunidade de desenvolver seus talentos.

E por que é que esse tipo de democracia saiu de moda, mesmo tendo sido bem avaliada? 

Olha: foi isso que elegeu o Lula [em 2002]. O PT passou, com as prefeituras, a ser respeitado como governo. Eu me lembro tão bem disso, ‘o modo petista de governar’. Eu já pensei muito nisso, porque eu vivi aquela maravilha daquelas prefeituras, fui para muitos países mostrar o que era essa democracia participativa, descentralizada e que tinha esse sistema.

Eu defendi a proposta de reforma urbana na Assembleia Nacional Constituinte. Nós tínhamos uma proposta que vinha do movimento popular, que podia ser apresentada. E nós concordamos que o poder municipal deveria manter a autonomia e força. Tanto que hoje, a competência do do transporte, da mobilidade, de quem é? Do poder local. Competência do saneamento local, de quem é? Do poder local. De o poder local não der para a Sabesp, ela não tem a autoridade sobre o saneamento local. Então nós estávamos muito ligados ao poder local.

Sobre sua pergunta, eu enxergo o seguinte: na década de 70, nós tínhamos uma ditadura. E foi nessa época que aconteceu que o Emir Sader chama de Quando Novos Personagens Entram em Cena. É o nome do livro dele, um texto que fala dos movimentos sociais. Então você tem o movimento operário. No final dos anos 70, o movimento operário faz grandes greves e começa a aparecer como muito forte. O que mais? Comunidades eclesiais de base da igreja católica. Elas estavam nos bairros da cidade, elas eram capilares. Movimentos sociais urbanos, que era uma grande novidade: o movimento contra o custo de vida em São Paulo de 1975; as mulheres lutando por creche; as mulheres lutando por saúde. O SUS foi resultado de um processo prolongado, tanto de profissionais, luta institucional, quanto luta local.

Eu participei desses movimentos nas periferias e depois participei de governo. Você imagina o que é estar numa periferia bem precária e depois entrar no governo, ver muita contradição. Ver essa distância entre o urbanismo, planejamento urbano e a produção desse espaço de exclusão. Como é que se dava esse apartheid, essa desigualdade, e como é que se dá esse capital imobiliário para poucos. Um mercado imobiliário para poucos.

Eu vivi algum tempo no Canadá, onde um terço da população está fora do mercado e depende de subsídio público, e pude escrever o livro Metrópole na Periferia do Capitalismo. É diferente uma São Paulo de uma Vancouver, de Toronto, Quebec, de uma Paris. É diferente. Essas coisas todas geraram muitos livros, muito conhecimento técnico, muita lei, mas não mudou a realidade.

É preciso que se diga que o Brasil com Lula, ali nos anos 2000, estava na contramão do mundo. O mundo caminhou para a globalização neoliberal, contra o Estado social, contra a política pública. É “pelo mercado”, “aqui é o mercado”, “o Estado é perdulário, o Estado é corrupto”, “o mercado é que sabe fazer as coisas”, e aí nós vimos tudo isso que aconteceu, das privatizações nos conduzirem para a barbárie.

O momento atual é um momento que o mundo está sob risco. A humanidade está sob risco com a crise climática, com o aprofundamento da desigualdade, com o aprofundamento da fome. É impressionante o que está acontecendo no mundo. Pouca gente sabe que Los Angeles tem muito mais moradores de rua que São Paulo.

Claro que agora aparece a guerra no nosso cenário. A desigualdade extrema; a exploração do ser humano, que está perdendo todos os direitos trabalhistas conquistados com tanta luta durante o welfare state; as políticas públicas; a predação ambiental e social. Nós estamos vivendo um momento muito trágico, que obviamente engole o Brasil.

O Brasil tem mais de 300 anos de escravismo, mais de 400 anos de hegemonia agrária exportadora, é um país desigual durante toda a sua história, [tem] uma elite patriarcalista, patrimonialista, racista, tudo isso que a gente sabe. Mas agora essa globalização, essa internacionalização do mercado, essa financeirização das forças econômicas e do poder, isso tudo engole o Brasil.

Por que a gente saiu daquela onda tão criativa? As nossas propostas eram originais. É tudo de bom você pegar uma favela e poder falar “nós vamos transformar isso num local de moradia saudável, democrático”. O que eu mais senti foi que aquele movimento que nós tínhamos, capilarizado, no chão das cidades, ligado às comunidades de base, ele foi se encastelando na vida institucional política. Os partidos também: deixaram o chão das cidades. Deixaram os bairros, as escolas, as praças, as igrejas católicas.

E, na contramão, veio todo o ideário neoliberal, evidentemente com os think tanks que a gente conhece, que vieram principalmente dos Estados Unidos. E parte das igrejas evangélicas. Não são todas igrejas evangélicas conservadoras, empresariais, que exploram a população, mas é muito impressionante o que há, nas periferias de todo o país, de igrejas conservadoras, nesse momento, e o recuo da igreja católica, que agora, com o Papa Francisco, tenta retornar. A CNBB está com algumas manifestações muito interessantes.

Eu diria então que a institucionalização política engoliu os partidos. Tem exceção, tem movimentos novos, mas o que a gente nota é que essas igrejas, que na verdade substituíram as comunidades de base, esses núcleos do PT, que foram criados lá no começo dos anos 80, a CUT… Houve uma renovação no começo dos anos 80, era tudo de bonito. Na verdade, essas igrejas fazem um trabalho em bairros onde o Estado não está presente. Dão apoio para as mulheres, principalmente; tentam dar apoio para tirar adolescentes das drogas.

O último lugar que eu fui, foi para Niterói [na região metropolitana do Rio de Janeiro], e vi o trabalho que as igrejas evangélicas estão fazendo para dar esse suporte, esse apoio subjetivo para as mulheres, é muito impressionante. Numa situação de muita dificuldade. O transporte, a mobilidade, é uma das coisas mais graves. O quanto o povo trabalhador sofre com a mobilidade nas nossas cidades, o quanto gasta. E aí, quando você não tem que trabalhar, quando você não tem que sair para ir ao médico, você vive o exílio da periferia. Eu vi a moçada no Rio de Janeiro falar: “Ermínia, não tem ônibus no fim de semana. Se a gente não tivesse dinheiro, a gente não conseguiria sair do bairro”.

Então você pega tudo isso e pergunta: por que essa esquerda não entende que luta de classes não se dá só na fábrica? Quarenta por cento da nossa classe trabalhadora está no [trabalho] informal. O total da nossa classe trabalhadora sofre com a falta de mobilidade, de transporte. Sofre com a falta de segurança nos bairros. Sofre muito.

Eu acho que a ortodoxia da esquerda, que ainda fica repetindo coisa que alimentou a luta em em 1917, tudo bem, repetir, é preciso conhecer gente. Mas gente, por favor, mergulha na realidade! O identitarismo pode esvaziar a luta da esquerda? Pode. Como pode renovar. Eu acho, enfim, que a questão urbana no Brasil, apesar da grande diversidade das cidades, é fundamental para mudar a nossa realidade. Por causa do cotidiano da força de trabalho nas cidades.

O que a gente tem de perspectiva mais factível para mudar esse cenário, que parece desolador? 

Nós ainda temos movimentos sociais interessantes, embora eu ache que há muito desconhecimento da sociedade brasileira, como um todo, das condições urbanas, de vida. Eu tenho certeza absoluta que você tem que ter democracia local para resolver esses problemas. Você tem no Brasil 100 milhões de pessoas sem coleta de esgoto. Para onde vai o esgoto? Muito do esgoto vai para a praia, para o córrego, para o rio. Consertar essa situação não é uma coisa rápida.

O nosso processo de urbanização foi muito veloz, muito rápido. Nós tínhamos 10% da população nas cidades em 1910. Em 2000, nós tínhamos 80%. E não é Uruguai, Chile, Colômbia, é um país que tem 213 milhões de habitantes. É muita gente. Mas esse crescimento se deu deixando grande parte fora das políticas públicas.

Eu luto muito para que a gente consiga trazer de volta a democracia participativa, presencial, que é outra coisa importante. A gente também tem condições de debater, mas principalmente, de formar as crianças, que vão ser os adultos daqui 20 anos.

Aí integra com as políticas de educação, que também estão precisando de uma melhoria. 

Educação, cultura, alimentação, saúde. Tem algumas coisas que a gente podia cuidar muito bem, ou tentar cuidar muito bem, para que a gente pudesse ter uma geração nova, daqui 20 anos, que mudasse o país.

Em 2024 provavelmente vai ser inevitável esse embate entre uma coalizão de centro-esquerda contra a extrema direita, não mais aquela direita tradicional que a gente meio que se acostumou. E a extrema direita quer só aprofundar essa ideologia neoliberal. Como lidar com isso? 

Eu acho que a gente precisa fazer uma campanha para que todo mundo conheça melhor sua cidade. Uma campanha pela capilaridade do ativismo, essa coisa de você estar presente nos bairros. Eu criei uma rede que está presente no Brasil inteiro, que é o BR Cidades. Agora, nas faculdades de arquitetura, nós vamos ter horário obrigatório de cursos de extensão universitária. São cursos que vão para a realidade, discutir projetos que até hoje não chegaram nas nos escritórios de arquitetura.

O arquiteto participa da construção de 17% das construções no Brasil. É como se fosse luxo. E agora o CAU [Conselho de Arquitetura e Urbanismo] do Rio Grande do Sul, está trabalhando a campanha “Nenhuma Casa Sem Banheiro”. É uma loucura! Se você se ver diante disso, você não vai ficar discutindo “firula”. Tem 20 milhões de pessoas no Brasil sem banheiro. Vamos resolver problemas primários! Quantas casas em beira de córrego jogando esgoto dentro do córrego? E isso vai para os rios, na área de proteção dos mananciais, nós temos essas vertentes, enfim.

Eu acho que é muito importante a gente conversar com as pessoas, fazer um trabalho que eu digo que é paulofreiriano sobre a realidade local, e ligar, evidentemente, isso com uma realidade nacional e internacional. Não dá para ignorar. Inclusive acho muito importante discutir a conjuntura internacional, a conjuntura e a história do Brasil, que precisa ser melhor conhecida; e a história local, os problemas locais.

Fonte da matéria: Eleições: Ocupar periferias e reforçar o Público – Outras Palavras – https://outraspalavras.net/outrasmidias/eleicoes-ocupar-periferias-e-reforcar-o-publico/

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