Educação

Mudança no ensino médio valida como aula trabalho juvenil

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Débora Goulart e Fernando Cássio – Sob o pretexto de valorizar “experiências extraescolares”, reforma pode se tornar política de desescolarização das juventudes.

A escola como espaço de preparação para o trabalho já foi tão exaltada quanto criticada. Agora o Projeto de Lei n. 5.230/2023 – a “reforma da reforma” do ensino médio, cujo relator é o deputado Mendonça Filho (União/PE), ex-ministro da Educação do governo Temer – propõe resolver o dilema. E o faz escandalosamente, afirmando que trabalho e estudo podem ser uma coisa só.
Foto: Agência Brasília/Flickr

O vai-e-vem do “Novo Ensino Médio” (NEM) acumula despropósitos. Desde que teve início em 2016, com a autoritária Medida Provisória n. 746, a reforma rebaixou a qualidade do ensino médio brasileiro a níveis inéditos. Falta de professores, disciplinas esdrúxulas e uma expansão vertiginosa do ensino à distância marcaram a adoção do NEM nas redes públicas, sempre em prejuízo dos mais vulneráveis.

A versão mais recente da reforma, preparada após consulta pública convocada pelo Ministério da Educação (MEC) e intensa mobilização social, reafirmou o clamor por um ensino médio com mais ciências, mais literatura, mais artes e menos “itinerários formativos” patéticos e sem sentido.

As fundações empresariais que elaboraram o NEM repisam cansativamente as três promessas da reforma original: ela ampliaria as horas de dedicação aos estudos; daria “oportunidade de escolha” aos jovens e, por isso, seria inovadora; e, finalmente, iria ao encontro dos anseios da juventude brasileira, cansada de uma escola alegadamente chata, enfadonha, inútil.

Pois vejamos. Na proposta do governo federal, os estados poderiam contabilizar como carga horária no ensino médio “a experiência de estágio, programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho voluntário supervisionado, desde que explicitada a relação com o currículo do ensino médio”. O objetivo, segundo o texto do MEC, seria “reconhecer aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares”.

O PL também propõe considerar como carga horária do ensino médio projetos de extensão universitária, atividades em grêmios estudantis e cursos de qualificação profissional – atividades relacionadas a ambientes escolares, é verdade. Contudo, o que se tem aqui não é a ampliação da formação no ensino médio, mas a sua substituição.

Nenhuma das 79 emendas ao PL apresentadas pelos deputados federais na Comissão de Educação propôs a exclusão desse dispositivo, que pode oficializar o NEM como política de desescolarização em massa.

Mendonça Filho modificou a redação do governo para restringir o oba-oba a escolas de tempo integral. Isso significa que, em tese, todos poderiam estudar em meio período, trabalhar no restante do tempo e receber um diploma do ensino médio como se tivesse estudado em tempo integral. O relator e os fiadores bilionários da reforma encontraram a solução perfeita para “ampliar” matrículas no ensino médio em tempo integral sem contratar professores ou construir salas de aula e laboratórios.

A expansão do ensino médio noturno no Brasil não se deu por diletantismo das juventudes, mas pela necessidade de trabalhar desde cedo. As escolas de tempo integral, sem o auxílio de uma política de permanência estudantil genuína, vêm ampliando desigualdades escolares em todos os estados do país, expulsando sistematicamente estudantes que precisam trabalhar ou se ocupar dos cuidados de outros. A adoção recente, pelo governo Lula, de uma política de incentivo financeiro por frequência à escola, que subverte a lógica dos sistemas de proteção social, não deve alterar significativamente as taxas de trabalho juvenil.

Depois de aviltar a carga horária dos estudantes com EaD e itinerários sem conteúdo científico e sem professores, a reforma do ensino médio 2.0 pretende validar como carga horária escolar o trabalho precário juvenil. Trabalho, logo estudo. Agora já não basta substituir as aulas de Química por oficinas de “brigadeiro gourmet”: é preciso estimular o trabalho precoce na “brigaderia” como parte da formação na última etapa da educação básica.

Débora Cristina Goulart é professora da Unifesp (campus Guarulhos). Integra a Rede Escola Pública e Universidade (REPU).

Fernando Cássio é professor da Faculdade de Educação da USP. Integra a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Fonte da matéria: Mudança no ensino médio valida como aula trabalho juvenil – https://diplomatique.org.br/mudanca-no-ensino-medio-valida-como-aula-trabalho-juvenil/

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