Guilherme Correia – Nascido em Brasília de Minas, município do interior de Minas Gerais com aproximadamente 32 mil habitantes, a família do jornalista Gabriel Gonçalves, de 22 anos, foi uma das beneficiadas pelo programa federal, entre os anos de 2008 e 2012, quando a mãe, que ganhava apenas um salário mínimo à época, precisava do benefício como um complemento de renda.
Anos depois do ingresso no programa, a mãe decidiu deixar de receber o benefício. “Foi uma decisão dela, porque as condições financeiras melhoraram e ela sempre foi muito honesta. Não queria seguir recebendo sem precisar.”
“Na minha região, que é a mais pobre do Sudeste, até hoje vejo o dinheiro do Bolsa Família sendo necessário para alimentar muita gente. Eu lembro que não faltava na escola porque precisava ter frequência mínima. Além disso, a vacinação tinha sempre de estar em dia.”
Em janeiro de 2023, o programa voltou a se chamar Bolsa Família, após dois anos batizado como Auxílio Brasil, durante a gestão Jair Bolsonaro (PL).
Para o economista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Pedro Faria, a retomada dessa roupagem tem como principal ponto a vinculação a fatores de saúde e educação das crianças brasileiras. “São esses detalhes que fazem com que o Bolsa Família seja um programa bem-sucedido, para além de ser um programa de garantia de renda.”
“É o fato de o Bolsa Família privilegiar a mulher como beneficiária do programa que ajuda a combater a violência doméstica e a empoderar as mulheres dentro da vida familiar de uma maneira geral. Facilita as mulheres que, em geral, são as mães solo.”
O pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG explica que no formato anterior do programa o foco havia sido dissipado e tornando-se algo individual, na sombra do Auxílio Emergencial.
“O Bolsa Família retomar seu formato com essas preferências já é uma grande melhora. Outra coisa foi a retomada dos condicionantes, principalmente relacionados às crianças, como carteira de vacinação em dia, frequência escolar etc. As obrigações da família para manter o acesso ao benefício. É um adicional, para garantir que as crianças estão saudáveis.”
O pesquisador também destaca a vinculação do programa com o Cadastro Único (CadÚnico), que funciona para que o governo federal encontre pessoas em situação de vulnerabilidade social no país, o que vinha sendo deixado de lado no Auxílio Brasil.
“O Bolsa Família é o coração de um ecossistema de combate à extrema pobreza. O Auxílio Brasil era um programa de transferência de renda, só isso. Um programa de transferência de renda não resolve a situação da pobreza, porque a pobreza não é só uma questão única.”
Em que ano o Brasil voltou para o Mapa da Fome?
Relatório publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) confirmou a piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar no Brasil em 2022, ano que o país retornou ao Mapa da Fome. O Brasil havia saído desse índice entre 2014 e 2015.
Segundo o relatório, 70,3 milhões de pessoas estavam em estado de insegurança alimentar moderada, estágio quando há dificuldade para se alimentar.
O levantamento também apontou que 21,1 milhões de pessoas no país passaram por insegurança alimentar grave, caracterizada por estado de fome.
Doutor em história, Pedro Faria ressalta que o Bolsa Família, parte do “ecossistema de combate à pobreza”, está conectado com políticas de aquisição de alimentos, que beneficiam agricultores familiares em todo o país. “[A família] tem uma estabilidade, pode fazer um investimento, como um crédito que ela vai pegar no programa de mecanização da agricultura familiar”, exemplifica.
“Ao mesmo tempo, se há uma região com muita pobreza, essa família assistida pelo Bolsa Família e por esses outros programas encontrará mercado consumidor capaz de comprar também produtos que ela produz. É bom ressaltar que o programa de aquisição de alimentos também faz doações para hospitais, instituições públicas, como creches, que precisam.”
Politização do Bolsa Família
O Bolsa Família de tempos em tempos volta à pauta política, sobretudo em meio à polarização vivida em território brasileiro. Criado em 20 de outubro de 2003, na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa mudou de nome em novembro de 2021, durante a presidência de Jair Bolsonaro, mas voltou ao nome original em janeiro de 2023.
No entanto, para o pesquisador Pedro Faria, o benefício não é o maior programa de renda brasileiro. Segundo ele, as políticas de valorização do salário mínimo são ainda mais importantes nesse quesito. “O maior programa de distribuição de renda do Brasil foi a valorização do salário mínimo, e isso de forma alguma retira o mérito do Bolsa Família.”
Ele avalia que o programa eleva as pessoas da extrema pobreza, nos âmbitos rural e urbano, para o grau de pobreza, mas que somente a valorização do piso salarial — que atinge maior parte da população — reduz a desigualdade de forma mais ampla.
“O Bolsa Família tem mérito muito grande de retirar pessoas da situação de vulnerabilidade extrema, que têm dificuldade de participar da economia monetária, para que elas adquiram produtos na economia monetária e vendam sua força de trabalho nessa economia.”
“As duas políticas são extremamente complementares. A pessoa recebe a renda do Bolsa Família, o programa eleva ela para uma situação em que a política de valorização do salário mínimo passa a beneficiá-la.”
Por fim o professor observa que ao longo dos anos boa parte dos beneficiários deixou de precisar do programa, o que evidencia o sucesso em ser uma “porta de saída” da extrema pobreza.
Fonte da matéria: Bolsa Família, 20 anos: programa é coração do ecossistema de combate à pobreza, diz pesquisador – 27.10.2023, Sputnik Brasil – https://sputniknewsbr.com.br/20231027/bolsa-familia-20-anos-programa-e-coracao-do-ecossistema-de-combate-a-pobreza-diz-pesquisador-31112959.html?utm_source=brevo&utm_campaign=264%20-%20Tirando%20o%20atraso&utm_medium=email
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