Fabio Alperowitch – Colin Kaepernick, quarterback do San Francisco 49ers, ficou mundialmente famoso quando, em 2016, ajoelhou-se durante a execução do hino nacional americano em sinal de protesto pela brutalidade policial contra a população afrodescendente. Após a partida, declarou: “não vou me levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime o povo negro”.
Kaepernick dividiu o país. Se muitos se sentiram representados por sua atitude, outros tantos sentiram-se ofendidos. A pressão social intensa contra o jogador levou a liga NFL a dificultar sua contratação por outras equipes. Kaepernick acabou desempregado.
Dois anos mais tarde, a Nike o acolheu lançando uma campanha nomeada “Acredite em algo. Mesmo se isso significar sacrificar tudo”. O país incendiou-se novamente: de um lado, milhões louvando a atitude da empresa; de outro, boa parte da população – estimulada pelo presidente Donald Trump – queimava produtos Nike nas ruas e incentivava o boicote à empresa.
Seria muita ingenuidade acreditar que a Nike não tenha feito uma escolha consciente. Ao resgatar Kaepernick do ostracismo, a empresa sabia que racharia seus consumidores, fidelizando uma legião deles, assim como que seria “cancelada” por outro grupo significativo.
Por que a Nike fez essa escolha?
Antes de endereçarmos esta questão, é importante entender que não se trata de casuísmo, mas de tendência.
No âmbito nacional, em 2020, a Natura utilizou Tammy Miranda como garoto propaganda para a campanha do dia dos pais. É obvio que também neste caso, a empresa fez uma escolha (consciente) que desagradaria suas consumidoras mais conservadoras. Meses mais tarde, a Magalu anunciou um programa de trainees exclusivamente para negros: eram apenas 30 vagas em uma empresa que possui cerca de 40 mil funcionários, mas, novamente, a companhia foi alvo de críticas, campanhas de boicote e até processo judicial. Naturalmente, a Magalu sabia dos enfrentamentos que teria e lançou mão da campanha mesmo assim.
Em um mundo capitalista, no qual empresas buscam freneticamente o aumento de seus lucros, vale refletir sobre o motivo que tem levado várias empresas a adotar posicionamentos públicos tão contundentes na defesa de valores debatidos pela sociedade civil, o que eventualmente poderia acarretar a perda de negócios – será?
Os anos 90 talvez tenham sido o período mais hostil do capitalismo, no qual as empresas buscavam a maximização de seus resultados financeiros a qualquer custo, sendo geridas quase que exclusivamente para contemplar o interesse de seus acionistas.
Com o tempo, alguns líderes empresariais perceberam que o foco excessivo em apenas uma das partes interessadas (acionistas) poderia ser maléfica para as companhias e sua longevidade, e passaram a contemplar os mais diversos stakeholders nos processos decisórios, tais como fornecedores, colaboradores, clientes, comunidades, meio ambiente, entre outros.
Um movimento de mudança de modelo econômico – de “capitalismo para shareholders” (foco nos acionistas) para “capitalismo para stakeholders” (foco nas múltiplas partes interessadas) – ganha dimensão. O movimento ESG, robustecido recentemente, só encontra terreno fértil para se desenvolver na esteira desta transição.
Neste contexto, muitas empresas passam a mudar a forma de gestão. Se antes a busca era a maximização do lucro a qualquer custo, agora a forma pela qual este resultado é construído passa a ser fundamental.
Este olhar para os stakeholders passa a ter reflexos estruturantes na forma como as empresas se relacionam com eles. A falta de posicionamento em relação a grandes questões da sociedade, outrora visto como neutralidade, atualmente é vista como omissão, sobretudo por importantes stakeholders como consumidores, colaboradores, comunidades e mídia.
Escolhas antes improváveis de Nike, Natura e Magalu agora são tendência. Consumidores – especialmente da geração Z – tendem a evitar marcas que não sejam antirracistas, que não se preocupem com a mudança climática ou que não defendam valores democráticos, apenas para citar alguns exemplos.
A Adidas, provavelmente pela dificuldade de ingressar no mercado americano, optou por um outro caminho, trazendo para perto o sempre polêmico Kanye West.
E teve que se haver com as consequências dessa escolha. O rapper usou um moletom com a frase “white lives matter” (vidas brancas importam), para ironizar o movimento antirracista “black lives matter” (vidas negras importam), publicou no Twitter que gostaria de matar judeus e relativizou a violência policial que vitimou George Floyd. Após intensa pressão social, a marca decidiu romper o contrato com o artista, atitude que já havia sido tomada anteriormente por GAP e Balenciaga.
Vale lembrar que o fato de Adi Dassler, fundador da empresa, ter sido membro do partido nazista segue vivo na memória, o que torna a displicência da companhia na escolha de seus garotos-propaganda ainda mais surpreendente.
Ao visitar o website da Adidas, lemos uma série de compromissos firmados, sobre produtos mais sustentáveis, redução de 30% na emissão de gases de efeito estufa, preocupação com o plástico e respeito a direitos humanos na cadeia de valor.
As empresas ainda precisam entender que, se querem realmente ser responsáveis, precisam começar pela defesa de valores. Aquelas que adotarem práticas sem cuidar da cultura corporativa e da essência, não transformarão coisa alguma.
A ética, o respeito a direitos humanos e ao meio ambiente são pilares. As práticas vêm a reboque.
Fonte da matéria: (27) ESG é defesa de valores, não de práticas | LinkedIn – https://www.linkedin.com/pulse/esg-%25C3%25A9-defesa-de-valores-n%25C3%25A3o-pr%25C3%25A1ticas-fabio-alperowitch-cfa/
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