ARIEL PALACIOS – Uma antologia de algumas expressões utilizadas por Bolsonaro, seus ministros e seguidores, na vida real e virtual.
Nos últimos anos, o presidente Jair Bolsonaro, seus ministros e militantes fizeram deslanchar o uso de uma série de expressões e termos originários do fascismo de Benito Mussolini e do nazismo de Adolf Hitler, além de outras típicas do líder totalitário português Antônio de Oliveira Salazar e do espanhol Francisco Franco. Não existem precedentes para o uso desse tipo de vocabulário por parte de governos eleitos nas urnas no Ocidente desde o fim do regime salazarista em 1974.
A seguir, uma antologia de algumas expressões utilizadas por Bolsonaro, seus ministros e seguidores na vida real e virtual:
Acordar
No período entre os últimos meses do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a eleição de Bolsonaro, em 2018, centenas de manifestações foram realizadas nas cidades brasileiras com o slogan “Acorda Brasil”. Uma parte significativa dos integrantes dessas manifestações – tudo indica – seriam posteriormente eleitores e seguidores do militar que tomou posse em janeiro de 2019.
O slogan “Acorda Brasil!” é uma espécie de remake do lema que os nazistas utilizaram de forma intensa entre meados dos anos 1920 (quando os seguidores de Adolf Hitler cresciam em volume) e janeiro de 1933 (quando Hitler tomou posse como Reichskanzler, isto é, primeiro-ministro do presidente Paul von Hindenburg): “Deutschland erwache!”
Evidentemente, esse é o tipo de lema que deixa de ser usado quando a pessoa que lidera o movimento chega ao poder. É que continuar usando um lema de “país X, acorda!” seria contraproducente, pois indicaria que as pessoas deveriam continuar desconfiadas do governante de plantão.
Acima de tudo
O slogan “Brasil acima de tudo”, usado como slogan da campanha presidencial de Bolsonaro (e que continua sendo usado como uma espécie de slogan de governo) é uma versão local do lema “Deutschland über alles” (Alemanha acima de tudo), usado pelos nazistas.
A frase é um verso de um poema, Das Lied der Deutschen (A canção dos alemães), criado em 1841 pelo poeta alemão August Heinrich Hoffmann von Fallersleben.
A letra foi embalada por uma melodia criada meio século antes pelo compositor Joseph Haydn para homenagear o imperador Franz II do Sacro-Império Romano-Germânico. A letra de Fallersleben mesclada com a música de Haydn se transformou em hino nacional oficial em 1922.
Hitler, no entanto, usou o hino em grandes cerimônias, como referência de pretensões de supremacia germânica. O slogan também servia para indicar que seu país estava acima de qualquer individualidade.
Deus (e outros poderes celestiais)
O slogan de campanha (e de governo) de Bolsonaro é duplo, já que o “Brasil acima de tudo” se complementa com o “Deus acima de todos”.
Ao longo da Segunda Guerra Mundial (1939-45), os soldados de Hitler tinham em suas fivelas do cinto a frase “Gott mit uns” (Deus conosco). Hitler acreditava que estava cumprindo uma missão divina – o que mostra o perigo desse tipo de lema. O ditador nazista afirmava: “Acredito que estou agindo em concordância com Deus todo poderoso. Quando combato os judeus, estou fazendo a obra do Senhor!!”.
Frases afins também aparecem em obras de ficção sobre regimes totalitários ou distopias. Esse é o caso do comic (transformado em filme) V for vendetta, onde um imaginário regime fascista inglês tem o slogan “Strength through unity, unity through faith” (“Força pela unidade, unidade pela fé”).
Ao longo dos séculos diversos monarcas, ditadores e presidentes afirmaram que haviam sido protegidos por poderes celestiais. Vários desses afirmavam que tinham alguma espécie de missão divina – os líderes fascistas do século 20 fizeram o mesmo. Esse foi o caso do ditador português Antônio de Oliveira Salazar, cujo regime foi inspirado no de Mussolini (com algumas adaptações lusitanas). Entre Salazar e seu sucessor, Marcelo Caetano, o fascismo salazarista governou o país entre 1932 e 1974. Um de seus slogans era “Deus, Pátria e Família”.
Esse slogan foi copiado várias vezes no Brasil. Os primeiros foram os integrantes da Ação Integralista Brasileira, a versão local do fascismo europeu, que tinha leves adaptações. Os integralistas usaram exatamente o mesmo slogan de Salazar sem modificação alguma. Assim como Bolsonaro, em discurso durante as eleições municipais de 2020. O mesmo dístico estava planejado para ser usado como lema do partido que Bolsonaro pretendia criar, o Aliança pelo Brasil, que, por enquanto, não saiu do papel.
Ainda antes, em maio de 2019, Bolsonaro declarou que seu governo era “uma missão de Deus”. O presidente também admitiu que não era o mais preparado dos candidatos da eleição do ano anterior, mas afirmou que “vocês sabem que Ele não escolhe o mais capacitado, mas capacita os escolhidos”. Isto é, como se os poderes celestiais tivessem feito uma espécie de MBA às pressas com Bolsonaro.
Sempre tem razão
O slogan fascista “Mussolini ha sempre ragione!” foi também plagiado no Brasil. Essa frase era parte do Decálogo dos Jovens Fascistas, dos anos 20. Os “followers” de Mussolini (jovens e adultos) a usavam para encerrar qualquer discussão com críticos do regime. Era um apelo passional, na falta de um argumento lógico.
Os militantes do presidente brasileiro utilizam o hashtag #BolsonaroTemSempreRazao. E com ela os militantes também interrompem qualquer espécie de diálogo lógico. Nos anos 1930, o slogan mussoliniano foi plagiado pelos nazistas alemães sem modificações. Os followers de Adolf Hitler estampavam em cartazes a frase Der Führer hat immer recht. A sentença também era usada nas conversas para sustentar que aquilo que o ditador dizia era uma verdade absoluta.
E daí? (e mais Mussolini)
Bolsonaro tornou a expressão “e daí?” um hit parade para indicar seu desprezo por diversos assuntos. Ela também tem precedentes no fascismo de Mussolini, já que o duce italiano costumava usar a grosseira frase “me ne frego”, equivalente a “e daí?” ou “não estou nem aí” como slogan para indicar que o fascismo e os fascistas não se importavam com nada. Uma espécie de aval do líder ao rompimento das leis para impor sua vontade (além de ser uma forma de expressar seu desprezo pelas formalidades democráticas).
Em maio de 2020, Bolsonaro compartilhou um vídeo no Facebook que ostentava a frase “Melhor um dia como leão do que 100 anos como ovelha!” Exatamente a mesma frase que Mussolini usava: “Meglio vivere un giorno da leone che cent’anni da pecora!”
A frase debutou nos discursos de Mussolini no dia 20 de junho de 1928. Na ocasião, ele presidia uma homenagem ao falecido marechal Armando Vittorio Díaz, que ele considerava um “herói” da Primeira Guerra Mundial (1914-18). O duce também ordenou que essa frase fosse colocada nas moedas de 20 e 100 liras.
Em 2019, Bolsonaro já havia postado um vídeo na qual ele era representado como um leão que era atacado por um grupo de hienas (representando seus opositores).
Há poucas semanas, o então chanceler brasileiro Ernesto Araújo (filho de um juiz que em 1978 se recusou a extraditar o criminoso de guerra nazista Gustav Wagner pelo crime de genocídio durante a Segunda Guerra Mundial) utilizou a sigla SPQR em uma sessão no Senado em Brasília no meio de seu discurso.
SPQR é a sigla de Senatus Populusque Romanus (O Senado e o Povo Romano), expressão usada durante a República Romana e o Império Romano há 2 mil anos. Durante o regime de Mussolini, no século 20, foi usada para exaltar as pretensões da supremacia fascista. Entre o fim do século 20 e o início do século 21, a sigla SPQR também foi utilizada por diversos movimentos neofascistas e neonazistas na Europa.
A referência de Araújo causou um escândalo e teria sido a gota d’água para sua retirada do gabinete de Bolsonaro.
Dias antes, um outro escândalo sem precedentes ocorreu. O assessor da presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, foi filmado fazendo um gesto com os dedos igual ao sinal de OK, apropriado desde 2017 pelos Supremacistas Brancos para ilustrar seu slogan “White Power”. Martins afirmou que estava “arrumando a lapela” do paletó.
O mesmo gesto foi usado por vários seguidores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump na invasão do Capitólio, em Washington, no início deste ano. Trump é um ídolo dos militantes bolsonaristas.
Apelidos
Os militantes de líderes autoritários e afins costumam utilizar formas curtas e breves (quase sempre são duas sílabas) para chamá-los, especialmente em comícios e concentrações de massa, nas quais essas denominações são gritadas ad nauseam. Isso, por outro lado, não costuma ocorrer com líderes ostensivamente democráticos.
Hitler era chamado de Führer (líder, guia), Mussolini de Duce (líder, chefe), e Francisco Franco, El Caudillo (idem) – mas nas manifestações as massas gritavam seu sobrenome: “Fran-co, Fran-co!”
Fidel Castro era chamado de El Comandante, mas nas concentrações populares as pessoas gritavam “Fi-del, Fi-del!”
O dominicano Leónidas Trujillo era El Jefe. Josef Stalin era o Vozhd (líder). As multidões chamam o norte-coreano Kim Jong-Un de Chongsu (líder supremo).
E Bolsonaro, bom, é chamado, aos berros, de “Mito”.
Em 1998, em seu artigo Em torno do conceito de mito político, o professor Luis Felipe Miguel já dizia que o “mito” apresenta-se ao público como verdade incontestável, “acima da razão e dos fatos”.
E, é bom lembrar que o fascismo rejeita a tradição racionalista. O fascismo tem a postura de desconfiar da razão e, desta forma, exalta os elementos irracionais das pessoas. O fascismo seria como um parque de diversões dos sentimentos passionais e do fanatismo.
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