Economia

Prefácio de A que custo?, de Nicholas Freudenberg

Tempo de leitura: 20 min

Ladislau Dowbor  – O capitalismo se tornou em grande parte disfuncional. Está com o crescimento estagnado, centrado mais nas movimentações financeiras do que na produção, gerando uma desigualdade explosiva, drenando os recursos naturais de maneira destrutiva, impotente em se reorganizar diante do aquecimento global, incapaz até hoje de se reinventar, preso à lógica da maximização de lucros corporativos a qualquer custo. A que custo? é precisamente a pergunta que nos traz Nicholas Freudenberg neste que é um dos livros mais lúcidos que já li sobre os nossos desafios e os nossos caminhos. As questões-chave que enfrentamos são sistematizadas de maneira clara, com linguagem descomplicada e exemplos práticos. O autor foge das simplificações ideológicas que têm frequentemente nos dividido. É o nosso futuro que é aqui colocado na mesa.

Ainda que os Estados Unidos estejam no centro da análise, como o capitalismo é hoje global, no quadro das corporações transnacionais que dominam o conjunto da dinâmica, o estudo abre perspectivas para todos nós. Depois de apresentar os principais eixos de transformação sistêmica do capitalismo, Freudenberg orienta a análise dos diferentes setores de atividade em função do que é importante para a humanidade: assegurar o bem-estar de todos, de forma sustentável. O pano de fundo é a busca de uma vida saudável, o que envolve o essencial do nosso cotidiano: a alimentação, a educação, o sistema de saúde, o trabalho, os transportes, as relações sociais. De certa forma, é o pão nosso de cada dia. A terceira parte se concentra nas transformações mais recentes e nas esperanças que se nutrem a partir delas, com uma visão de como a convergência de tensões do capitalismo abre espaço para os movimentos sociais, a educação, a ciência e a própria política.

Não resisto à tentação de apresentar neste prefácio o sonho que anima o autor, e que provavelmente nos anima a todos:

Imagine, se puder, um mundo no qual o bem-estar das pessoas e do planeta seja a prioridade.

Imagine um sistema alimentar que torne os alimentos saudáveis, cultivados de maneira sustentável e produzidos por trabalhadores dignamente remunerados, disponíveis e acessíveis a todos.

Imagine escolas e universidades que forneçam a todos os alunos os conhecimentos e as habilidades de que necessitam para atingir seu pleno potencial e contribuir para com suas comunidades e o mundo, e usar a educação na busca por bem-estar e felicidade para si e para os outros.

Imagine um sistema de saúde acessível a todos, que faça da prevenção de doenças e da melhoria da qualidade de vida seus maiores objetivos e ofereça cuidados que permitam aos pacientes minimizar a carga das doenças que eles enfrentam e a dor e o sofrimento por elas impostos.

Imagine um emprego que pague aos trabalhadores o que eles precisam para uma vida decente; que garanta que o trabalho não adoeça nem prejudique os envolvidos; que contribua para um mundo melhor e mais sustentável; que ofereça caminhos para o progresso; e que permita que os trabalhadores se sindicalizem, cumpram suas funções e desfrutem da vida pessoal e familiar.

Imagine um sistema de transporte que facilite a circulação de todas as pessoas em seus bairros e cidades; e que torne as ruas acolhedoras, o ar, seguro para respirar, e o planeta, apto para a vida.

Imagine, finalmente, uma maneira de se relacionar com as pessoas — família, amigos, colegas, empresas, comunidades e o mundo — que não exija o sacrifício da saúde mental, da autoconfiança, da privacidade, da dignidade, da paz cívica ou do acesso comercial aos detalhes mais íntimos de nossa vida. (p. 454-5)

Um sonho? Nem tanto. Para já, temos amplamente os recursos financeiros necessários. Uma conta simples, mas perfeitamente realista, consiste em dividir o Produto Interno Bruto, valor da produção anual de bens e serviços, pela população. No mundo, o que hoje produzimos, noventa trilhões de dólares, dividido pela população, oito bilhões, nos dá o equivalente a vinte mil reais por mês a cada família de quatro pessoas. No caso do Brasil, são onze mil reais. Ou seja, o que hoje produzimos, em termos econômicos, permitiria assegurar a todos uma vida digna e confortável, bastando para isso uma muito moderada redução da desigualdade. Poderíamos utilizar a Renda Nacional Líquida em vez do Produto Interno Bruto, ou incluir o estoque de infraestruturas existentes e fazer outros exercícios contábeis, mas o essencial é que o que produzimos é suficiente para todos. O nosso problema não é econômico; é de organização política e social.

Temos também as tecnologias necessárias. No mundo conectado de hoje, e com o dinheiro virtual, fazer chegar o necessário a todas as famílias não constitui obstáculo, como vimos inclusive com o Bolsa Família no Brasil. Não é falta de tecnologia, e sim de definição adequada de a que e a quem ela deve servir. E temos a informação necessária sobre os problemas críticos: dispomos de estatísticas detalhadas sobre praticamente todo o planeta, inclusive dos rincões mais isolados. Temos, enfim, os caminhos traçados. Os dezessete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ods) detalham em 169 metas o que deve ser feito, inclusive os indicadores para o monitoramento dos avanços. Ou seja, temos os recursos financeiros, tecnológicos e de informação necessários, sabemos o que deve ser feito, mas estagnamos. Não é falta nem de meios nem de conhecimento, mas uma impotência institucional, o travamento do próprio processo decisório da sociedade.

Uma coisa é analisar as tragédias humanas e ambientais que assolam o planeta e se agravam rapidamente na dinâmica atual do capitalismo. Outra é pensar por que as tragédias se aprofundam e que processo decisório gera a impotência. A força do texto de Freudenberg reside em grande parte na capacidade de tomar cada um dos “sonhos” que compõem o bem-estar que buscamos, identificar a estrutura de poder que trava a transformação, a articulação de interesses cruzados que causa a impotência, e propor a partir daí os eixos de ação corretiva, bem como exemplos de iniciativas que têm dado certo. Pode parecer simplista, mas o trunfo deste livro é a riqueza das informações — o que demonstra um trabalho de pesquisa de primeira ordem. Não se trata de um receituário, e sim de uma visão estratégica bem informada. Como os argumentos em torno dos seis eixos do bem-estar estão muito bem sistematizados no texto de Freudenberg, comentaremos a seguir a sua dimensão brasileira.

A alimentação se apresenta de maneira particularmente crítica. Em 2021, dezenove milhões de pessoas passaram fome no Brasil, e 116 milhões estavam em insegurança alimentar — ou seja, ora têm, ora não têm o que comer. Cerca de um quarto dessa população é composto de crianças. O impacto da desnutrição pode ser para toda a vida. Mas o Brasil produz, só de grãos, mais de três quilos por pessoa por dia. Grande parte é soja, o que faz parte do problema, mas só o que se produz de arroz e de feijão seria amplamente suficiente. O problema é que a comercialização de alimentos é feita por grandes grupos financeiros, os traders, como BlackRock, Bunge e semelhantes, que veem o alimento como commodity cujo rendimento comercial deve ser maximizado. Há uma década, o dólar estava a 2,5 reais, ao passo que em 2022 chegou a 5,5 reais: ou seja, o equivalente de um dólar exportado rende o dobro, e os traders desviam o produto para os mercados internacionais. As corporações do agronegócio conseguiram, com a Lei Kandir, de 1995, que a produção para exportação seja isenta de impostos. O resultado é que um dos maiores produtores de alimentos do mundo tenha mais da metade de sua população com fome ou em situação de insegurança alimentar.

A carne e a soja dependem diretamente de grandes corporações cotadas no mercado internacional, como a JBS. A maximização dos dividendos para os acionistas, nacionais e internacionais, privilegia a exportação e leva à expansão da criação de gado e do plantio de soja, o que por sua vez gera impactos ambientais desastrosos, poucos empregos, pouco retorno para os cofres do Estado, e fome. Lembrando que, no Brasil, com 353 milhões de hectares de estabelecimentos agrícolas, 225 milhões de hectares de solo cultivável e apenas 63 milhões de hectares de uso para lavoura, temos cerca de 160 milhões de hectares de solo agrícola parado ou subutilizado com pecuária extensiva. No conjunto, é um sistema em que a prioridade das corporações financeiras nacionais e internacionais levou ao divórcio entre a produção, o uso racional do solo, o meio ambiente e a alimentação da população. Esse sistema fraturado ilustra perfeitamente o primeiro dos “pilares” a que se refere Freudenberg.

No plano da educação, as tendências no Brasil acompanham muito de perto as tendências que o autor apresenta no plano internacional e nos Estados Unidos: privatização, reorientação de conteúdos, venda de pacotes de gestão e de currículos, o que reduz a autonomia das escolas, dos municípios e dos professores. No plano financeiro, o endividamento dos alunos é menos grave do que nos Estados Unidos, mas a compra de escolas, colégios e universidades é muito acelerada, gerando uma educação centrada na maximização de lucros. A penetração de novas tecnologias, que poderia assegurar a gestão em rede, com a geração de um ambiente colaborativo e interativo de construção de conhecimento, tende, com a privatização e a internacionalização, a privilegiar a competição e a oligopolização pela compra de concorrentes.

Em termos sociais, o resultado é o aprofundamento do fosso entre a educação para pobres e a educação para ricos, refletindo a desigualdade de renda e de riqueza que predomina no Brasil, sétimo país mais desigual do mundo. Essa cristalização da desigualdade por meio da educação, atingindo assim a próxima geração, é catastrófica quando consideramos que o conjunto das atividades econômicas no mundo evolui rapidamente para uma maior densidade em conhecimento. Como o país não tem investido, nos últimos anos, em ciência e tecnologia, um efeito indireto é a perda de soberania sobre um conjunto de atividades de ponta. Também aqui a prioridade é o rendimento financeiro e a reprodução de elites, e não o avanço científico-tecnológico geral.

No quadro da saúde, Freudenberg utiliza o câncer — segunda causa de mortes no país atualmente — como vetor de análise do funcionamento do sistema sanitário nos Estados Unidos, mostrando de forma geral como sua apropriação por corporações financeiras criou políticas tecnologicamente avançadas, mas caríssimas e de acesso limitado. O autor menciona o fato de que 80% dos casos de câncer são relacionados com causas externas, em particular a contaminação química, o tabaco e outras, ligadas ao comportamento do agronegócio. Como ordem de grandeza, no Brasil a metade do financiamento da saúde vai para um quarto da população, os 47 milhões que pagam planos privados.

O SUS é de uma eficiência muito superior, em termos de custo/benefício, mas a sua ação é travada pela lei do teto de gastos, a Emenda Constitucional 95, que congelou praticamente todos os recursos até 2036, enquanto as próprias políticas governamentais, que priorizam a remuneração de grupos financeiros, reduziram as transferências do governo. Para se ter uma ideia do que estamos falando, o orçamento público de saúde em 2022 é de 160 bilhões de reais, enquanto o aumento dos lucros de 42 bilionários brasileiros, entre 18 de março e 12 de julho de 2020, já na pandemia, foi de 180 bilhões — para deixar claro: em quatro meses, fonte de intermediação financeira mais do que de produção, sem pagar impostos (desde 1995, lucros e dividendos distribuídos são isentos). Aqui, como nas outras áreas, vemos como a desigualdade estrutural tende a se cristalizar na divisão entre ricos e pobres, com forte e crescente participação de acionistas que buscam a maximização dos dividendos.

É importante mencionar que a privatização transforma esses grupos em sociedades com ações cotadas na bolsa, o que permite que sejam controlados por grupos internacionais. O sistema passa assim a responder aos interesses financeiros dos gestores de ativos, como a BlackRock, em vez de ser organizado em função das necessidades de qualidade de vida da população. Em busca de dinheiro, os serviços de saúde priorizam os interesses das elites. De certa forma, as elites se reforçam nas conexões financeiras e tecnológicas no exterior e se desresponsabilizam dos interesses da nação.

O trabalho, outra área analisada por Freudenberg, apresenta no Brasil condições particularmente absurdas. A orientação geral dos últimos governos é de que se deve deixar “os mercados” resolverem os desequilíbrios. Mas os dados são claros. Para uma população total de 213 milhões, o Brasil tem cerca de 150 milhões de pessoas em idade de trabalho (entre 16 e 64 anos, no critério da ONU) e 106 milhões na força de trabalho, pessoas que ou trabalham ou buscam emprego. Mas o país tem apenas 33 milhões de empregos formais privados. Acrescentando onze milhões de empregos públicos, são 44 milhões formalmente empregados. Por outro lado, quarenta milhões estão no setor informal, pessoas que simplesmente “se viram”, sem direitos ou proteção social, e com um rendimento médio que é a metade do que se aufere no setor formal da economia. Aos quarenta milhões devemos acrescentar quinze milhões de desempregados e seis milhões de desalentados, que querem trabalhar mas desistiram de procurar.

No conjunto, a subutilização da força de trabalho é da ordem de sessenta milhões de pessoas, absurdo mal disfarçado com iniciativas como o microempreendedor individual, MEI, e ­participando do universo qualificado de “precariado”. É interessante cruzar esse dado com a subutilização do solo agrícola: os 160 milhões de hectares mencionados acima representam cinco vezes o território da Itália. O país tem uma imensidão de coisas a fazer, terra parada, capitais empatados em rendimentos financeiros, inúmeras atividades intensivas em mão de obra, como saneamento básico, cinturões verdes em torno das cidades, pessoas desesperadas por fazer algo de útil — mas está esperando “os mercados”. A exclusão produtiva generalizada impacta por sua vez e de forma dramática a qualidade de vida das pessoas, tanto pela renda insuficiente como pelo sentimento permanente de insegurança das famílias quanto ao futuro.

O quinto eixo analisado por Freudenberg, o dos transportes, é igualmente aplicável ao Brasil. O país, por pressão das corporações, optou pela composição intermodal mais cara e menos produtiva. Para o transporte de carga, a opção foi pela estrada e pelo caminhão, o que é incomparavelmente mais caro do que a ferrovia e a cabotagem, lembrando que os principais centros urbanos do país são portuários ou semiportuários, como no eixo São Paulo/Santos. No caso da matriz de transporte de pessoas, a opção, por interesse das montadoras internacionais, foi privilegiar o transporte individual por automóvel, lucrando com as elites e a classe média que podiam comprar carros, fragilizando o transporte coletivo. No caso de São Paulo e outras cidades, inclusive, removeram-se os trilhos de bondes para reforçar a opção do transporte individual. Os bondes, transporte elétrico e coletivo, são amplamente utilizados em cidades ricas. A Rede Nossa São Paulo mostrou que o paulistano médio perde no transporte 2h43 minutos por dia útil, tempo em que não trabalha, não estuda, não está com a família.

O impacto na qualidade de vida é violento. Uma pessoa que mora em Cidade Tiradentes, periferia de São Paulo, levanta às 5h para estar às 8h nos bairros onde há empregos, volta para casa às 20h, adormece no sofá vendo bobagens na tv. Daqui a pouco são 5h novamente. Que vida de família pode haver nessas condições, que capacidade de recuperação de forças, que espaço para lazer e enriquecimento cultural? A questão dos transportes coloca assim tanto a opção pelo transporte individual como a organização do território urbano, a localização dos empregos e, evidentemente, o sistema de especulação imobiliária que grava nos espaços urbanos a desigualdade herdada. No conjunto, com as decisões sobre as opções de transporte dependentes das corporações interessadas, e no quadro da desigualdade, o resultado é uma profunda irracionalidade, custos mais elevados e muito sofrimento na base da sociedade. Lembrando que o carro que entulha nossas ruas e nos paralisa é usado apenas 5% do tempo, em média; em 95% do tempo apenas ocupa espaço.

O último eixo se refere às conexões sociais, área que se tornou crucial nos últimos tempos. Lembremos que nesta área estamos plenamente dependentes do gafam (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft), todas estadunidenses que apresentam lucros estratosféricos. O uso do Facebook, por exemplo, pode parecer gratuito, mas os seus gigantescos lucros são pagos por empresas de publicidade, cujos custos são repassados aos produtos que compramos. Não há almoço grátis, e quem paga esses gigantes somos nós. A eficiência dos grupos vem da comercialização de informações privadas, uma nova indústria tão bem descrita por Shoshana Zuboff em A era do capitalismo de vigilância. O monopólio planetário que se criou é compreensível: como se trata de comunicação, somos obrigados a utilizar o que os outros utilizam, gerando um monopólio de demanda. E, como não podemos dar um passo no computador ou no celular sem autorizar os cookies a acessar tudo o que fazemos, a manipulação comercial, financeira e política se generalizou.

Os perfis individualizados permitem aos algoritmos reforçar o consumismo; a informação da nossa situação financeira permite discriminação de preços; os perfis políticos, sociais e emocionais permitem a degradação da democracia. Gerou-se atomização social, fragmentação do convívio, sentimento de solidão e de insegurança. A tendência é agravada pela erosão do convívio familiar. Onde antes havia o clã familiar e a presença vibrante de avôs, tios, netos, brigas e gargalhadas, hoje temos o domicílio médio com três pessoas no Brasil (duas pessoas na Europa), muitos solitários, grande parte com mães sós com os filhos. Essa desagregação da família ampla, tendência planetária, é mal compensada pelo celular e pelas conexões on-line. A erosão da família e das comunidades engendra outra realidade.

Os seis eixos que Freudenberg analisa permitem entender os desafios, os mecanismos e as oportunidades. A parte final do livro desenha as linhas de ação possíveis, mostrando que há inúmeras iniciativas, que raramente aparecem na mídia comercial dependente da publicidade das corporações, mas que apontam caminhos possíveis. Este é, essencialmente, um livro realista. Vivemos momentos críticos, ou, melhor dizendo, uma convergência de crises que se aprofundam e retroalimentam. A catástrofe ambiental resulta do aquecimento global, da perda de biodiversidade, do esgotamento de solos agrícolas por manejo predatório, da perda de cobertura florestal, da acidificação e elevação do nível dos oceanos, da poluição da água doce e do esgotamento dos aquíferos, dos plásticos e de outros resíduos que contaminam os mares e as diferentes formas de vida, dos antibióticos na carne que comemos, de resíduos de produtos farmacêuticos que hoje se encontram nas mais variadas fontes de água. Somos hoje oito bilhões de habitantes, oitenta milhões a mais a cada ano; os desastres ambientais aumentam, e nos sentimos impotentes.

Mas o mais importante é entender o papel das corporações e da organização social: como evitar o plástico se todo o sistema está baseado nele? Como reciclar o lixo se sabemos que a maior parte fica simplesmente misturada? Como evitar alimentos ultraprocessados se estão em todas as prateleiras e opções de fast-food? As empresas que colocam antibióticos na ração animal não conhecem os impactos? A Volkswagen não sabia dos impactos das emissões?

Hoje temos as estatísticas, mas não o poder de mudá-las. A Organização Mundial da Saúde (OMS) apresenta em detalhe os oito milhões de mortes prematuras causadas pelo cigarro: sete milhões de fumantes e 1,2 milhão por exposição passiva. Morrem cerca de 4,2 milhões por poluição do ar, 3,6 milhões por poluição da água: total de 15,8 milhões por ano, com causas conhecidas e evitáveis. A obesidade, provocada em grande parte por alimentos industrializados, causa mais cinco milhões de mortes prematuras. O câncer, em boa parte provocado por produtos químicos, gera dez milhões de mortes anuais e hoje atinge até jovens e crianças. As empresas que causam essas mortes conhecem perfeitamente os números. Mas a prioridade é obter mais lucros e dividendos para os acionistas, grandes grupos financeiros. Todos eles assinam os princípios de ESG (governança ambiental, social e corporativa, na sigla em inglês).

Freudenberg deixa clara a responsabilidade central das deformações:

[…] a globalização controlada pelas empresas, a financeirização, a desregulamentação, a concentração monopolista e a captura corporativa de novas tecnologias, características que definem o capitalismo do ­século xxi, são causas fundamentais de múltiplas e crescentes ameaças ao bem-estar. Essa uniformização justifica um forte enfoque sobre o sistema, que é a causa subjacente. (p. 465)

E deixa igualmente claros os caminhos, que passam pela articula­ção dos diversos movimentos sociais em torno dos nossos pro­blemas críticos:

Ao integrarem esforços para resolver os problemas que as pessoas enfrentam no dia a dia, com uma análise das realidades econômicas, sociais e políticas em transformação, aqueles que buscam um mundo diferente podem alcançar melhorias a curto prazo enquanto preparam o cenário para mudanças mais transformadoras no futuro. (p. 465-6)

O livro constitui uma excelente introdução ao mundo real. O autor sonha, sem dúvida — ou, como escreve, “imagina” —, mas é um realista de mão cheia, identifica os desafios, os mecanismos que geram os dramas, e aponta os caminhos. Trata-se do futuro de todos nós.

Fonte da matéria: Prefácio de A que custo?, de Nicholas Freudenberg, por Ladislau Dowbor – Editora Elefante – https://elefanteeditora.com.br/prefacio-de-a-que-custo-de-nicholas-freudenberg-por-ladislau-dowbor/?ct=t%28DAREDACAO_breno%2311_Tira%2323_Retratos_20201025_COPY_%29&mc_cid=15478c699c&mc_eid=0ac7cd7efd

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