Maynara Nafe – É comum aprender que o Brasil foi construído e constituído etnicamente por três grandes “raças”: o branco, representado pelo português; o negro, ilustrado por aqueles originários da Costa da Mina e por fim; os indígenas, exemplificado por seu maior tronco étnico, os tupís-guaranis. A evidência que, geralmente, escapa-nos aos olhos é a percepção que dois terços desse tripé determinou a identidade brasileira no início do século XIX seja estrangeira. Portanto, é possível afirmar que o Brasil é formado e segue sendo construído por imigrantes.
Ao longo de sua formação o Brasil sempre permeou um espaço no imaginário dos indivíduos ao redor do mundo, como uma terra de oportunidades para galgar uma vida mais digna e pacífica. Com exceção do caso negro, que vieram aportar em terras americanas por vias compulsórias à sua revelia – notabilizada pelo uso da escravidão -, a história brasileira é marcada pela vinda de estrangeiros pelos diversos motivos. Como exemplo desse fluxo migratório, temos no período colonial, quando da descoberta de ouro na região das minas, um grande fluxo de imigrantes internacionais, notadamente portugueses e espanhóis, além de migrações de outras capitanias da colônia. Porém, não se pode resumir o contingente de migração ao território brasileiro à portugueses e espanhóis, mas é importante ressaltar contingentes de franceses, neerlandeses e ingleses em menor número.
Esse fluxo imigratório, porém, variou bastante durante boa parte da história nacional, voltando a crescer no ocaso do período imperial, com as primeiras iniciativas da província de São Paulo em financiar a substituição de mão de obra negra nos cafezais do Oeste paulista. Porém, foi na Primeira República que esse incentivo se acentuou. Nesse período, a iniciativa não se restringiu à política dos estados subnacionais, mas, também, uma política do Estado. Nesse período, o Brasil foi um dos países receptores dos milhões de europeus e asiáticos que vieram para as Américas em busca de oportunidade de trabalho e ascensão social. Cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930. Considerando esse período, os italianos formaram o grupo mais numeroso, seguido os portugueses e espanhóis. Porém, grupos relativamente pouco numerosos, em termos globais, foram qualitativamente importantes, como é o caso dos japoneses e árabes.
É, então, a partir do final do século XIX que a relação entre o Brasil e os povos árabes começa de fato. Desde então, o fluxo migratório de árabes, como palestinos, sírios e libaneses nunca parou. Os sírio-libaneses chegados no Brasil no início do século XX e instalaram-se nas cidades, constituindo assim, uma imigração espontânea, uma vez que o auxílio governamental brasileiro só era fornecido a quem fosse encaminhado para as fazendas. Os sírio-libaneses começaram a chegar no Brasil, em números significativos, no começo do século XX. Muitos iniciaram a vida na nova terra como mascates, vendendo mercadorias de porta em porta, ou em porteira em porteira, nas pequenas cidades do interior e nas fazendas. Depois, no correr dos anos. Vários deles se tornaram comerciantes com negócios instalados e indústrias.
Nas décadas posteriores, o fluxo de imigração árabe seria marcado pelo fluxo de palestinos, que, a partir de 1948, saíram de suas casas e cidades na Palestina histórica fugindo do massacre da Nakba. Entre esses está o meu avô, um camponês que se afastou da família para conseguir sustentá-los do outro lado do mundo, no Brasil, aonde passou a trabalhar com o comércio – algo comum em toda a comunidade palestina em diáspora nos territórios tupiniquins. Hoje, a comunidade palestina no Brasil, ainda que menor em face às colônias sírio-libanesas, é estimada em torno de 80 mil membros.
O Brasil deu oportunidade aos nossos antepassados, ao chegar ao país, embora com muita dificuldade, de tentar uma vida nova. Apesar de muitas vezes incompreendidos, muitas vezes chamados de “turcos” – nesta época as cidades libanesas estavam dentro do Império Turco Otomano, explicando o motivo pelo qual os primeiros passaportes de imigrantes árabes serem da Turquia –, nós amamos o país que nos recebeu, retribuindo no auxílio à construção dessa imensa nação. Essa percepção também pode ser alargada à comunidade árabe no Brasil, estimada em 11,6 milhões de membros.
Assim como no início do século XX, hoje a comunidade árabe no Brasil está relacionada às mais diversas áreas do comércio e da indústria, principalmente nos pequenos negócios, onde está o motor da economia brasileira. É nesse espaço, onde a maioria dos empregos são criados e é, também, nele onde reside a possibilidade de alternativa ao modelo econômico vigente no país, tendente a fazer-nos retroagir como nação por meio da industrialização.
Se a corrente crítica majoritária estiver correta e a saída para o Brasil necessitar de um projeto nacional de desenvolvimento, será impossível pensá-lo sem refletir sobre a história da imigração e seus frutos. Desta maneira, construir um projeto nacional de desenvolvimento, sem entender o papel da comunidade árabe, é desperdiçar a sua força transformadora a serviço de um bem coletivo. Enfim, é preciso olhar para todos os grandes contingentes migratórios no país: a comunidade negra que foi alijada, historicamente, para uma posição marginal, subalterna e precarizada devido a falta de amparo estatal, ou mesmo a comunidade árabe, chegando três séculos depois, mas trabalhando intensamente para a construção nacional inserida no mundo da produção e do trabalho. Assim, repensar o Brasil é também uma forma de se repensar o papel da comunidade árabe.
Fonte da matéria: A construção do Brasil sob um prisma árabe – Monitor do Oriente. Link: https://www.monitordooriente.com/20211018-a-construcao-do-brasil-sob-um-prisma-arabe/?mc_cid=46d0653b83&mc_eid=4f65563f3f
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