Marcelo Tognozzi – Grupo sempre teve 1 pé nos EUA. ‘Doutrina anticorrupção’ veio de lá. Operação foi ao centro da política. Propaganda foi a responsável disso.
Edward Bernays morreu em 1995 com 103 anos. Considerado um dos americanos mais influentes do século 20, ele dizia que as pessoas são irracionais, suas decisões e ações são manipuladas facilmente e que a “minoria inteligente” necessita fazer uso contínuo e sistemático da propaganda.
Quase 25 anos depois da sua morte, Bernays foi resgatado por Mário Vargas Llosa no seu livro “Tiempos Recios”, lançado no ano passado. Vargas mostra como Bernays, um sobrinho de Freud e autor do best-seller “Propaganda”, elaborou e executou a doutrina de defesa dos interesses dos Estados Unidos e suas empresas. O principal cliente de Bernays era a United Fruit.
Como responsável pela estratégia de propaganda da empresa, mexeu os pauzinhos para a contratação da cantora Carmen Miranda por Hollywood em 1940. A pequena notável, com seu rebolado e os arranjos de bananas e outras frutas na cabeça, foi a mais eficiente garota propaganda da companhia que mais produzia bananas no continente.
Os Estados Unidos investiram pesado na manipulação política dos países da América Central e Caribe desde a época da construção do Canal do Panamá, no fim do século 19, quando também derrotaram a Espanha na guerra hispano-americana de 1898, ajudando Cuba a se tornar independente e enterrando de vez o já moribundo império espanhol.
Depois da 2ª Guerra, os americanos ficaram impossíveis. Meteram as mãos e os pés na região e foram ampliando sua influência em direção do Cone Sul. Já haviam se conectado por aqui pelo caminho cultural do cinema, música, literatura e histórias em quadrinhos.
Nos anos 1950 e até o início dos anos 1960, o Brasil foi resistente à sua influência política. JK peitou o FMI e tinha uma relação difícil – para dizer o mínimo – com o ex-secretário de Estado Foster Dulles, sintetizada na famosa foto de Antônio Andrade publicada em 1958 pelo Jornal do Brasil com a legenda: me dá um dinheiro aí.
O livro de Vargas Llosa é importante não somente pelo que revela do passado, as tramas de um golpe de Estado na Guatemala e a história de Johnny Abbes Garcia, agente da CIA que também serviu aos ditadores Trujillo, da República Dominicana, e Papa Doc, do Haiti. Garcia foi trucidado junto com a família pelos Tonton Macoute, misto de polícia e milícia de Papa Doc.
Com o golpe militar de 1964, os americanos derrubaram toda e qualquer resistência à sua ação de manipulação. O general Vernon Walters foi o eficiente e competente coordenador desta “ocupação”.
Oficiais do Exército brasileiro passaram a fazer estágio em instalações da Flórida e na famosa Academia Militar de West Point, em Nova Iorque, enquanto oficiais americanos davam assessoria para as forças de repressão ao comunismo no Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai. O lendário Cabo Anselmo, líder dos marinheiros em 1964, era na verdade um agente infiltrado na esquerda e há várias versões de que tenha trabalhado para CIA.
Desde então, nunca mais os americanos deixaram de ter bases no Brasil ocupadas por agentes de seus órgãos de segurança, especialmente CIA e FBI. Em 2015, eles grampearam a presidente Dilma e alguns ministros. Portanto, não é de se estranhar que o chefe da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, tenha sido tirado para dançar pelo FBI.
No diálogo entre Deltan e o colega Vladimir Aras, da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI), publicado em 1º de julho pela Agência Pública, os repórteres Natália Viana e Rafael Neves mostram como Deltan passou por cima da lei de da hierarquia sem a menor cerimônia:
- Deltan – Obrigado Vlad por todas as ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso concreto. A própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não fazer rs.
- Vladimir Aras – Já tivemos casos difíceis, que foram conduzidos com êxito.
- Deltan – Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo.
- Vladimir Aras – A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ (Ministério da Justiça) a intermediação.
Vladimir Aras, primo do atual procurador-geral Augusto Aras, é tido e havido como homem sério, respeitador da lei. Difícil entender por que não pediu providências contra esta ilegalidade cometida por Deltan. Hoje, por tudo o que foi publicado pela Agência Pública, fica claro que a Lava Jato tinha virado um puxadinho do FBI.
Imagine se fosse ao contrário. Um procurador americano passando por cima da lei e da hierarquia para trocar informações com agentes públicos de outro país. Pura encrenca. A grande imprensa jamais ignoraria o fato e a longa mão do Estado americano estrangularia o engraçadinho.
O grupo de Curitiba sempre manteve um pé nos EUA. Sergio Moro, quando virou ministro, foi visitar a sede CIA na primeira oportunidade. Deltan fez pós-graduação em Harvard. Não foi um aluno brilhante, mas era alguém conveniente. Teve como orientador o professor Scott Brewer, um dos principais pilares da doutrina anticorrupção desenvolvida ao longo dos últimos 20, 25 anos, cuja fada madrinha foi a professora de Yale Susan Rose-Ackerman, hoje crítica dos métodos de Deltan e Sergio Moro.
A Lava Jato seguiu a doutrina anticorrupção americana, elaborada a partir de motivações mais econômicas e menos morais, já que a lei deles pune toda e qualquer empresa dos Estados Unidos que pratique corrupção no exterior. Sem uma campanha anticorrupção, a concorrência ficaria em posição de vantagem, especialmente a China, que manda fuzilar os corruptos locais, mas tem fama de fazer vista grossa para as estripulias cometidas no exterior.
A propaganda foi e a mola a empurrar a Lava Jato para o centro da política, produzindo estrelas requisitadas para palestras de todo tipo (com e sem cachê), inclusive para o FBI em Washington, e um ex-juiz hoje candidato a presidente.
Literalmente moeram o centro democrático e faliram as grandes empreiteiras brasileiras, sob o entendimento de que eram as principais financiadoras do PT, de outros partidos investigados e do Foro de São Paulo. Poderiam ter prendido e empobrecido os donos destas empresas sem mata-las nem demitir milhares de trabalhadores, mas isso seria sofisticado demais, patriótico demais.
O vento virou e os investigadores são agora investigados. A reação da professora Susan Rose-Ackerman virando as costas para Deltan em desaprovação aos seus métodos, os diálogos publicados pelo Intercept e pela Agência Pública, a tentativa de criar um fundo bilionário e a decisão da última 5ª feira do ministro Dias Toffoli, obrigando a força tarefa de Curitiba a entregar para a Procuradoria Geral da República todo e qualquer documento, expõem a decadência do grupo do Paraná, embicado ladeira abaixo. Começam a ser deglutidos pela “minoria inteligente” e manipuladora, a clientela do famoso Edward Bernays.
Fonte da matéria: https://www.poder360.com.br/opiniao/justica/como-a-lava-jato-virou-puxadinho-do-fbi-escreve-marcelo-tognozzi/#close-modal
Deixe uma resposta