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Professor marxista negro tem palestra cancelada após colocar classe acima de raça

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Michael Powell – Professor marxista negro tem palestra cancelada nos EUA após colocar classe acima de raça. O intelectual reconhece a realidade brutal do racismo, mas acredita que insistir na questão racial pode dividir uma coalizão potencialmente forte e beneficiar os conservadores.

Adolph Reed é filho do Sul segregado. Nascido em Nova Orleans, ele organizou negros pobres e soldados contra a guerra nos anos 1960 e se tornou um intelectual socialista em universidades de prestígio. Ao longo do tempo, ele se convenceu de que a esquerda está muito focada em raça e pouco em classe. Vitórias duradouras foram alcançadas, ele acredita, quando trabalhadores de todas as raças lutaram ombro a ombro por seus direitos.

Em maio, Reed, de 73 anos, professor emérito da Universidade da Pensilvânia, foi convidado para falar aos Democratas Socialistas da América (DSA), em Nova York. O homem que fez campanha para Bernie Sanders e acusou Barack Obama de promover uma “política neoliberal vazia e repressiva” discursaria à maior seção dos DSA, que formou a deputada Alexandria Ocasio-Cortez e uma nova geração de ativistas de esquerda.

Ele planejava argumentar que o foco da esquerda no impacto desproporcional do coronavírus na população negra minava a organização de uma frente multirracial, o que ele via como chave para a luta por saúde e a justiça econômica.

Como puderam convidar, perguntaram os membros do DSA, um palestrante que minimizava o racismo em tempos de peste e protestos? Deixá-lo falar, afirmava os afrossocialistas, seria “reacionário e reducionista”. “Não podemos ter medo de discutir o racismo só porque o tema pode ser manipulado pelos racistas”, afirmaram. “Isso é covardia e fortalece o capitalismo racial.”

Em meio a boatos de que os opositores interromperiam sua palestra via Zoom, Reed e os líderes do DAS concordaram em cancelar a palestra. A organização socialista mais poderosa do país rejeitou um marxista negro por suas opiniões sobre raça.

“Adolph é o maior teórico democrático de sua geração”, disse Cornel West, professor de filosofia de Harvard (e socialista). – Ele assumiu posições impopulares sobre política identitária, mas tem uma trajetória de meio século. Se desistirmos da discussão, o movimento vai ficar mais estreito.

A decisão de silenciar Reed veio num momento que os americanos debatem o racismo na política, no sistema de saúde, na mídia e nas empresas. Esquerdistas que, como Reed, argumentam que há muito foco em raça e pouco em classe numa sociedade profundamente desigual são frequentemente postos de lado. O debate é particularmente caloroso porque os ativistas enxergam, agora, uma oportunidade única de avançar em pautas como violência policial, encarceramento em massa e desigualdade, e em que o socialismo – um movimento predominantemente branco – atrai jovens de diversas origens.

Intelectuais de esquerda argumentam que as desigualdades de renda e de acesso à saúde e também a brutalidade policial são frutos do racismo, a principal ferida americana. Depois de séculos de escravidão e segregação, os negros deveriam lidera a luta antirracista. Colocar essa luta de lado em nome da solidariedade de classe é absurdo, dizem eles.

“Adolph Reed e sua turma acreditam que se falarmos muito sobre raça, vamos alienar muita gente e não conseguiremos construir um movimento”, disse Keeanga-Yamahtta Taylor, professora de estudos afroamericanos na Universidade Princeton e socialista que já palestrou aos DSA e está familiarizada com esses debates. “Não queremos isso, queremos que os brancos entendam como seu racismo prejudicou a vida dos negros.”

Reed e outros intelectuais e ativistas proeminentes, muitos deles negros, têm outra visão. Eles veem a ênfase em políticas raciais como um beco sem saída. Entre eles estão West; a historiadora Barbara Fields, da Universidade Columbia; Toure Reed, filho de Adolph, da Universidade Estadual de Illinois; e Bhaskar Sunkara, fundador da revista socialista “Jacobin”.

Eles aceitam a realidade brutal do racismo americano. No entanto, argumentam que os problemas que atormentam os Estados Unidos hoje – desigualdade, violência policial e encarceramento em massa – afetam negros e pardos, mas também os pobres e a classe trabalhadora brancos.

Risco de ‘dividir coalizão’

Os movimentos progressistas mais poderosos, dizem eles, estão enraizados na luta por políticas universais, como as leis que fortaleceram os sindicatos e os programas de incentivo ao emprego do New Deal, e as lutas atuais por educação superior gratuita, valorização do salário mínimo, reforma da polícia e acesso à saúde. Programas como esses ajudariam mais os negros, os latinos e os indígenas, que, em média, têm renda familiar menor e mais problemas de saúde do que os brancos, argumentam Reed e seus aliados. Insistir na questão racial pode dividir uma coalizão potencialmente forte e beneficiar os conservadores.

“Uma obsessão com desigualdade racial colonizou o pensamento da esquerda”, disse Reed. “Há uma insistência de que raça e racismo são os determinantes fundamentais da existência dos negros.”

Essas batalhas não são novas: no final do século XIX, socialistas enfrentaram seu próprio racismo e debateram a construção de uma organização multirracial. Eugene Debs, que concorreu à presidência cinco vezes, insistiu na defesa da igualdade racial. Questões similares incomodaram o movimento pelos direitos civis nos anos 1960.

A disseminação do vírus mortal e o assassinato de George Floyd por um policial, em Minneapolis, reacenderam o debate, que ganhou um tom geracional à medida que o socialismo atrai jovens dispostos a reformular organizações como os Democratas Socialistas da América, que existe desde os anos 1920. (Uma pesquisa da Gallup indicou que o socialismo é tão popular quanto o capitalismo entre pessoas de 18 a 39 anos.)

O DSA tem mais de 70 mil membros no país e 5,8 mil em Nova York – a média de idade está em torno de 30 e poucos anos. A organização ajudou a eleger candidatos como Ocasio-Cortez e Jamaal Bowman, que venceu um conhecido candidato democrata nas primárias de junho.

Em anos recentes, o DSA já havia recebido Reed como palestrante. No entanto, membros mais jovens, irritados com o isolamento provocado pela Covid-19 e engajados nos protestos contra a violência policial e contra Donald Trump, irritaram-se ao saber que ele havia sido novamente convidado.

Keeanga-Yamahtta Taylor, de Princeton, disse que Reed deveria saber que sua palestra sobre Covid-19 e os perigos da obsessão com desigualdade racial soaria como uma “provocação”.

Nada disso surpreendeu Reed, que, ironicamente, descreveu o ocorrido como uma “tempestade em uma xícara de café”. Alguns esquerdistas, disse ele, têm uma “recusa militante a pensar analiticamente”. Reed gosta de duelos intelectuais e, especialmente, de criticar progressistas que ele enxerga como muito amigáveis aos interesses do mercado. Ele escreveu que Bill Clinton e seus seguidores estavam dispostos a “sacrificar os pobres fingindo compaixão” e descreveu o ex-vice-presidente Joe Biden como um homem cujas “misericórdias estavam reservadas aos banqueiros”. Ele acha engraçado ser atacado pela questão racial.

“Eu nunca falo a partir de minha biografia, como se isso fosse um gesto de autenticidade”, disse. “Quando meus oponentes dizem que eu não acredito que o racismo seja real, eu penso ‘OK, isso está estranho’”.

Reed e seus camaradas acreditam que a esquerda muitas vezes prefere se envolver em batalhas raciais simbólicas, de estátuas à linguagem, em vez de ficar de olho em mudanças econômicas fundamentais. Melhor seria, eles argumentam, falar do que une brancos e negros. Enquanto há uma vasta disparidade entre americanos brancos e negros no geral, os trabalhadores pobres brancos são muito parecidos com trabalhadores pobres negros no que se refere à renda. Segundo Reed e seus aliados, os políticos do Partido Democrata usam a raça para se esquivar de questões econômicas, como distribuição de renda, o que incomodaria seus doadores ricos.

“Os progressistas usam a política identitária e a raça para conter os apelos por políticas redistributivas”, disse Toure Reed, cujo livro ‘Toward Freedom: The Case Against Race Reductionism’ (“Rumo à liberdade: o argumento contra o reducionismo racial”) trata desses assuntos.

Filho de intelectuais itinerantes e radicais, Reed passou sua infância em Nova Orleans e desenvolveu um “ódio especial” pela segregação que havia no Sul. Ainda que ele tenha sentido algum prazer quando Nova Orleans removeu homenagens a personagens históricos racistas, ele prefere um outro tipo de simbolismo. Ele se lembra de, ainda menino, viajar por pequenas cidades do nordeste americano e ver lápides, cobertas de musgo, de soldados brancos que morreram lutando pelos Estados do Norte contra o Sul escravocrata na Guerra Civil.

“Ler aquelas lápides me dava uma sensação calorosa. ‘Então fulano morreu para que outros homens pudessem ser livres’. Há algo de muito comovente nisso”, disse.

Fonte da matéria:
(https://www.pragmatismopolitico.com.br/2020/08/professor-marxista-negro-tem-palestra-cancelada-apos-colocar-classe-acima-de-raca.html)

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