José Álvaro de Lima Cardoso – Desde 2016, renda e emprego se deterioram no Brasil – e, sem ações consistentes, governo agrava situação. Desemprego pode subir 60%. Precarização aumentou; salários e jornadas diminuíram. 17, 7 milhões estão sem perspectivas.
Pelos dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua) do IBGE, o ano de 2014 apresentou o menor nível de desocupação desde o início da série histórica da pesquisa. Em cinco anos (entre 2014 e 2019), o contingente de desocupados no Brasil saiu de 6,7 para 12,6 milhões, o que significou um aumento de quase 90%. A taxa de desocupação no País passou de 6,8% em 2014, para 11,9% em 2019, aumento de 75%.
A deterioração dos indicadores se revela também através das formas de inserção no mercado de trabalho da população ocupada. Em 2014 o contingente de empregados do setor privado, que tinha carteira assinada, atingiu o patamar mais alto da série, 36,5 milhões. Em 2019 este contingente já havia caído para 33,2 milhões, redução de 9%. Do outro lado da moeda, os sem carteira assinada saíram de 10,3 milhões em 2014, para 11,6 milhões no ano passado. Estes dados mostram que, no período analisado, além do aumento brutal do desemprego o mercado de trabalho brasileiro sofre também um acelerado processo de precarização das condições de trabalho (como outros indicadores também revelam).
Entre 2014 e 2019 cresceu o número de trabalhadores domésticos, que chegou a 6,3 milhões de trabalhadores, um crescimento de 6,7%. Aumento do emprego doméstico é um sintoma também de precarização, pelas razões conhecidas (salários baixos, condições de trabalho ruins, etc.). Cresceu também o trabalho por conta própria. Este envolvia, em 2014, 21,1 milhões, passando a totalizar 24,2 milhões em 2019, um acréscimo de 3,1 milhões de pessoas em cinco anos. Dentre os trabalhadores por conta própria 80% não tem registro legal, apenas 20% dispõe do mesmo, verdadeira lei das selvas.
No ano passado, o Rendimento Médio Real de todos os trabalhos habitualmente recebido pelas pessoas com rendimento de trabalho, foi estimado em R$ 2.330,00. Aumento de 3 reais em relação à 2014. Só que tem um detalhe: O valor médio real de 2014, representava 3,2 salários mínimos, enquanto em 2019, o valor médio real de todos os trabalhos (R$ 2.330,00) foi de 2,3 salários mínimos. O valor médio do rendimento do trabalho mostra porque uma das primeiras ações dos golpistas de 2016 foi acabar com a políticas de ganhos reais do salário mínimo: é que os salários são muito baixos no Brasil, o salário mínimo um pouco mais alto, revela isso.
Estes dados sobre rendimentos do trabalho são totalmente compatíveis com outras informações, também do IBGE, que é o rendimento mensal domiciliar per capita médio do Brasil: R$ 1.337 em 2018. Este é o valor estimado que as pessoas dispõem no Brasil para atenderem todas as necessidades básicas: R$ 44,5 diários para gastos com alimentação, transporte, água e luz, habitação, vestuário, etc. Para termos uma ideia do que esse rendimento médio mensal significa, uma cesta básica para uma pessoa (com apenas 13 produtos) em Florianópolis, calculada pelo DIEESE, custa R$ 524,07. Claro, se o rendimento do trabalho não cresce, e é aviltado na comparação com o salário mínimo, o rendimento domiciliar per capita cai em termos reais. Isso reforça o que já se sabe, que é a grande dependência das famílias dos rendimentos do trabalho no Brasil.
Um detalhe que chama a atenção e mostra como somos um povo esmagado: 57,6% dos rendimentos domiciliares per capita observados em 2018 ainda eram iguais ou inferiores ao valor do salário mínimo vigente nesse mesmo ano. Isso significa que quase 60% das pessoas possuíam rendimento domiciliar per capita de até R$ 954,00 (um salário mínimo).
Um outro problema grave detectado no mercado de trabalho brasileiro é a Subutilização da Força de Trabalho. O contingente de pessoas subutilizadas na força de trabalho no Brasil totalizou 27,6 milhões de pessoas em 2019. Esse indicador, que era de 15% em 2014, chegou a 24,2% no ano passado. A taxa de subutilização é o percentual de pessoas desocupadas e subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas. Ou seja, 1 em cada 4 brasileiros estão sendo subutilizados para o trabalho. A população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas passou de 4,9 milhões em 2014 para 7,5 milhões em 2019.
Mas trabalhar menos não é melhor? Neste caso não, porque a remuneração é proporcional à jornada de trabalho. Se para uma jornada normal o rendimento médio é R$ 2.330,00, uma jornada reduzida significa um salário ainda menor. Os trabalhadores subutilizados na força de trabalho, por insuficiência de horas trabalhadas, estão no limiar da fome. Não são casuais ou exageradas as constantes descrições de trabalhadores precarizados sobre suas condições de renda e trabalho: há relatos de entregadores de alimentação, através de bicicletas, de que as entregas são realizadas com o trabalhador sentindo fome durante toda a jornada. Há trabalhadores que comem antes de sair de casa, pela manhã, entregam comida o dia todo e, após rodar cerca de 100 km, só irão comer de novo à noite, ao chegar em casa.
Todo o quadro já gravíssimo do mercado de trabalho piorou com a pandemia. Segundo a PNAD Covid-19, que o IBGE está divulgando no período de pandemia, em maio, havia 10,1 milhões de desocupados, uma taxa de desocupação de 10,7%. A Taxa de Subutilização, por sua vez, ficou em 27,9% da população ocupada, o que representou 18,3 milhões de pessoas que trabalharam menos do que a sua jornada habitual.
Nos dados da pesquisa duas informações chamam especialmente a atenção: a. a média semanal de horas efetivamente trabalhadas (27,4h) no país ficou abaixo da média habitual (39,6h); b. o rendimento efetivo dos trabalhadores (R$ 1.899), ficou 18,1% abaixo do rendimento habitual (R$ 2.320). Ou seja: em função de ter sua jornada reduzida, ou por ter perdido oportunidades de trabalho (trabalhadores por conta própria, por exemplo), o trabalhador reduziu seu rendimento em 18%. Vamos lembrar que o “Fique em Casa” com tranquilidade é um privilégio de uma minoria (classe média em geral e ricos). No início do isolamento social, principalmente, muita gente ficou em casa passando privações. Os miseráveis R$ 600,00 custaram quase dois meses para chegar. Para muita gente, inclusive, nunca chegou.
Como mencionado, a taxa de desocupação (10,7%) manteve-se relativamente baixa e estável em maio, apesar do significativo choque causado pela pandemia. A explicação para esse fenômeno está possivelmente associada ao fato de que o contingente de pessoas sem emprego, que não procuraram emprego em maio por medo da doença – e, portanto, não são consideradas desocupadas –, foi muito elevado. A pandemia foi provavelmente o principal fator que levou as pessoas que gostariam de trabalhar a não procurar emprego na semana de referência. Segundo o IBGE, 17,7 milhões afirmaram não ter procurado emprego por conta da pandemia ou por falta de trabalho na localidade em que residem. Como se poderia esperar, a pandemia acaba mascarando os números, já que muitos brasileiros que perderam o emprego e que estariam procurando uma nova vaga, não saíram para procurar emprego, e desaparecem assim da estatística.
A previsão de alguns pesquisadores é que o desemprego termine o ano na casa dos 17%, o que significaria um crescimento de quase 60%. À medida que a economia reabrir, em ritmos diferentes e de forma não-linear, a depender da situação em cada estado e cidade, uma parte das pessoas voltará a procurar emprego. Neste contexto de deterioração das condições, vem crescendo a informalidade, impulsionada pela crise e pelo ambiente de desregulamentação desde o golpe de 2016. A citada pesquisa do IBGE, destaca que, na quarta semana de maio, do total da população ocupada (84,43 milhões), 29,1 milhões eram trabalhadores informais, ou seja, 34,5%. Cabe aqui o mesmo argumento em relação à taxa de desemprego: estes dados de informalidade também estão mascarados pela pandemia.
A piora da renda e do emprego são fenômenos também diretamente relacionados com o fato de que o golpe de 2016 causou a maior estagnação econômica da história do Brasil. Não há registro anterior, nas contas nacionais, de seis anos de recessão e/ou estagnação, entre 2015 até agora. Historicamente, incluindo o período 2004/2014, a base para distribuição de renda a geração de empregos combinada com melhoria salarial.
Este resultado do mercado de trabalho é fruto também do que podemos chamar de “tempestade perfeita” atravessada pelo Brasil:
1. Com a maior crise política e econômica já vista;
2. Os piores governos da sua história, os mais inimigos do povo (Temer e Bolsonaro);
3. Impactos da chamada 4ª Revolução Industrial, em curso;
4. A mais importante pandemia do último século pelo menos (gripe espanhola matou 30.000, o covid-19, que está no começo, já matou quase o dobro, 57.658 até ontem).
A pandemia veio num contexto em que a pobreza e a desigualdade social tinham explodido, como mostram todos os indicadores de distribuição de renda. Além disso, a atual crise do mercado de trabalho ocorre num contexto no qual os governos pós-golpe, congelaram os gastos com o povo, através da Emenda Constitucional 95 (emenda da morte). O que comprometeu áreas como saúde e educação, vitais para o atendimento da população, especialmente a mais pobre.
Não se pode subestimar os efeitos que a pandemia está provocando no empobrecimento da classe trabalhadora, para o período de pós-pandemia. O governo fez o mínimo para atender trabalhadores e micros/pequenos empresários que ficaram sem renda. Os R$ 600,00 (quase o custo de uma cesta básica para um adulto, com 13 produtos alimentares), foi empurrado goela abaixo do governo, que não queria despender nenhum tostão com trabalhadores e pobres.
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