Saúde

Sem o SUS, é a barbárie

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Drauzio Varella -Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior e o mais democrático programa de distribuição de renda do país.

A frase não é minha, mas traduz o que penso. Foi dita por Gonçalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, um dos sanitaristas mais respeitados entre nós, numa mesa-redonda sobre os rumos do SUS, na Fundação Fernando Henrique Cardoso.

Estou totalmente de acordo com ela, pela simples razão de que pratiquei medicina por 20 anos, antes da existência do SUS.

Talvez você não saiba que, naquela época, apenas os brasileiros com carteira assinada tinham direito à assistência médica pelo antigo INPS. Os demais pagavam pelo atendimento, ou faziam fila na porta de meia dúzia de hospitais públicos espalhados pelo país, ou dependiam da caridade alheia concentrada nas Santas Casas de Misericórdia e em algumas instituições religiosas.

Eram enquadrados na indigência social os trabalhadores informais, os do campo, os desempregados e as mulheres sem maridos com direito ao INPS. As crianças não tinham acesso a pediatras e recebiam uma ou outra vacina em campanhas bissextas organizadas nos centros urbanos, de preferência em períodos eleitorais.

Ao saber que se movimentavam nos corredores do Parlamento, para convencer deputados e senadores da viabilidade do projeto, achei que levaríamos décadas até dispor de recursos financeiros para a implantação de políticas públicas com tal alcance.

Menosprezei a determinação, o compromisso com a justiça social e a capacidade de convencimento desses precursores. Em 1988, escrevemos na Constituição: “Saúde é direito do cidadão e dever do Estado…”.

Por incrível que pareça, poucos brasileiros sabem que o Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes, que ousou levar assistência médica gratuita a toda a população.

Ao SUS faltam recursos e gestão competente para investi-los de forma que não sejam desperdiçados, desviados pela corrupção ou para atender a interesses paroquiais e, sobretudo, continuidade administrativa.

Falamos com admiração dos sistemas de saúde da Suécia, Noruega, Alemanha, Inglaterra, sem lembrar que são países pequenos, organizados, ricos, com tradição de serviços de saúde pública instalados desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Sem menosprezá-los, garantir assistência médica a todos em lugares com essas características, é brincadeira de criança perto do desafio de fazê-lo num país continental, com 210 milhões de habitantes, baixo nível educacional, pobreza, miséria e desigualdades regionais e sociais das dimensões das nossas.

Para a maioria dos brasileiros, infelizmente, a imagem do SUS é a do pronto-socorro com macas no corredor, gente sentada no chão e fila de doentes na porta. Tamanha carga de impostos para isso, reclamam todos.

Nossa Estratégia Saúde da Família, com agentes comunitários em equipes multiprofissionais que já atendem de casa em casa 2/3 dos habitantes, é citado pelos técnicos da Organização Mundial da Saúde como um dos importantes do mundo.

Pouquíssimos têm consciência de que o SUS é disparado o maior e o mais democrático programa de distribuição de renda do país. Perto dele, o Bolsa Família não passa de pequena ajuda. Enquanto investimos no SUS cerca de R$ 270 bilhões anuais, o orçamento do Bolsa Família mal chega a 10% desse valor.

Os desafios são imensos. Ainda nem nos livramos das epidemias de doenças infecciosas e parasitárias, já enfrentamos os agravos que ameaçam a sobrevivência dos serviços de saúde pública dos países mais ricos: envelhecimento populacional, obesidadehipertensãodiabetes, doenças cardiovasculares, câncer, degenerações neurológicas.

Ao SUS faltam recursos e gestão competente para investi-los de forma que não sejam desperdiçados, desviados pela corrupção ou para atender a interesses paroquiais e, sobretudo, continuidade administrativa. Nos últimos dez anos, tivemos 13 ministros da Saúde.

Apesar das dificuldades, estamos numa situação incomparável à de 30 anos atrás. Devemos defender o SUS e nos orgulhar da existência dele.

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